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Eleições francesas

Eleições legislativas na França: como o esquerdista radical Mélenchon quer se tornar primeiro-ministro

O esquerdista francês, Jean-Luc Mélenchon, do Partido França Insubmissa e ex-candidato à presidência, fala durante um programa transmitido pelo canal de TV francês TF1, em Saint-Denis, norte de Paris, em 14 de março de 2022. (Foto: EFE/EPA/LUDOVIC MARIN)

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As eleições legislativas não costumam gerar tanta expectativa e polêmica na França. Mas, desta vez, elas mais parecem um terceiro turno das eleições presidenciais e ganharam uma repercussão fora do comum no país. Nos próximos dias 12 e 19, os franceses vão às urnas para decidir quem serão os deputados da Assembleia Nacional. Eleitores de distritos do exterior já começaram a votar no último dia 27. 
 
Um dos nomes que mais têm roubado a atenção do país nas últimas semanas é Jean-Luc Mélenchon, que concorreu às eleições presidenciais em abril. E, com ele, o partido que fundou em 2016 para concorrer à presidência em 2017, o France Insoumise (França Insubmissa). Para as legislativas, o partido se juntou a outros de bandeira socialista, comunista e ecologista para formar uma coalizão de esquerda, a chamada Nova União Popular Ecologista e Social (Nupes). A coalizão tem como principal objetivo tornar Mélenchon o primeiro-ministro francês. 

Mélenchon primeiro-ministro: objetivo da esquerda 


Nas presidenciais que reelegeram Emmanuel Macron como presidente da França, em abril, Mélenchon ficou em terceiro lugar com 21,95% dos votos, pouco atrás da candidata de direita Marine Le Pen, que teve 23%. Essa quantidade de votos chama a atenção das bancadas da direita e de centro-esquerda da França para o risco de Mélenchon conseguir o cargo que deseja.

O primeiro-ministro é nomeado pelo chefe de governo e precisa fazer parte da coalizão ou partido que tenha obtido a maior parte dos votos. Para conquistar essa maioria, a Nupes precisa atingir 289 das 577 cadeiras do plenário.

As eleições legislativas francesas acontecem em 57 distritos eleitorais, incluindo a França continental e os territórios ultramarinos. Cada um dos 101 departamentos que compõem o território francês conta com ao menos um distrito eleitoral, onde um único candidato se consagra vencedor.

Em um congresso em Caen na última quarta-feira (8), Mélenchon não poupou críticas à atual primeira-ministra, Élisabeth Borne, do Partido Em Marcha, chamando-a, entre outras ofensas, de “tecnocrata sem coração”. Em seguida, discursou: "Sim, um novo primeiro-ministro é possível! Nas democracias, é nomeado o primeiro-ministro responsável pela coalizão majoritária".

Em entrevista coletiva, Borne respondeu aos ataques: "Não me surpreende que Mélenchon tenha falado de mim com violência. Esse é o método dele". Junto com o presidente Emmanuel Macron, ela e outros ministros fazem campanha para evitar que a esquerda radical seja maioria na Assembleia Nacional.

As pesquisas, por enquanto, descartam a possibilidade da esquerda receber a maior parte dos votos. Mesmo assim, Macron corre o risco de comandar o país com uma maioria relativa na Assembleia Nacional.

O ministro das Relações com o Parlamento, Olivier Véran, alertou sobre uma possível crise institucional, em entrevista ao jornal Franceinfo. Segundo ele, com Mélenchon de primeiro-ministro, a França se tornaria "ingovernável".

Propostas de Mélenchon 

Antipolícia 

Nas últimas declarações do dono do partido França Insubmissa, existe um forte posicionamento antipolícia, que lembra os discursos democratas americanos, especialmente pós-morte de George Floyd e que têm aumentado a criminalidade nos Estados Unidos. Usando a frase "A polícia mata", Mélenchon faz críticas profundas aos sindicatos de policiais franceses.

Mais impostos 

Mélenchon e a Nupes propõem uma maior tributação na França, com uma reforma no imposto de renda. Também pretendem colocar taxas "ecológicas" a empresas poluidoras. Além disso, existe a previsão de cobrar pelos lucros obtidos pelas multinacionais através da guerra na Ucrânia e da crise sanitária da Covid-19, algo que lembra um projeto em tramitação na Argentina, de tributação de “receitas inesperadas”.

O professor da Neoma Business School Guillaume Cette, em entrevista ao Le Figaro, avalia os riscos dessas políticas: "Isso provocaria o êxodo fiscal, além da queda de investimentos, sendo que a França está até então bem posicionada nesse sentido".

Aposentadoria 

Cette também comenta sobre outra proposta da Nupes, a da redução da idade de aposentadoria de 65 para 60 anos, desconsiderando os mais de 20 anos de discussões e planejamento no Executivo nacional.

"A reforma provocaria uma baixa do PIB porque os franceses trabalhariam menos e produziriam menos. Isso significa que o poder de compra médio por habitante também diminuiria", pontua.

O Institut Montaigne prevê que essa iniciativa custaria cerca de 70 bilhões de euros por ano aos cofres públicos.

Congelamento de preços 

Além disso, Mélenchon e parceiros prometem congelar os preços de produtos básicos para controlar a inflação. Ao contrário do que ele diz, a medida poderia agravar a inflação, reduzir a oferta no país e custar cerca de 20 bilhões de euros aos cofres públicos, segundo o instituto Montaigne. 
 
Entre essas e outras medidas populistas de Mélenchon, cerca de 250 bilhões de euros seriam injetados na economia francesa. Mas, em contrapartida, seriam gerados 267 bilhões de receita, conforme reforçou Macron em discurso.

Quais as chances da coalizão de esquerda obter maioria? 

Segundo o instituto de pesquisa Harris Interactive, 28% dos eleitores desejam votar em um candidato da Nupes, 26% em um nome alinhado com Macron e 24% no partido de direita Reagrupamento Nacional.

Apesar de parecer ter a maioria de intenções de voto, para Macron e outros nomes da bancada presidencial, não existem chances da Nupes de Mélenchon conquistar a maior parte dos votos.

Um dos fatores que pesam para isso é que as legislativas costumam ter uma grande abstenção de votos. Nas últimas eleições, em 2017, mais de 43% dos franceses deixaram de votar. Normalmente, a parcela da população que entra nesse percentual de abstenção são jovens inclinados aos pensamentos da esquerda radical. Neste ano, conforme uma sondagem feita pelo instituto de pesquisas do Le Figaro, a abstenção pode chegar ao recorde de 52%.

Além disso, conforme afirma o diretor de estudos políticos do Harris Interactive, "a popularidade de Jean-Luc Mélenchon é desigual na distribuição do território francês". O score do esquerdista é alto em grandes cidades, mas nas regiões ultramarinas ele não tem popularidade.

Outro ponto importante na análise de possibilidade da Nupes não concretizar a maioria dos votos nas eleições é o fato de que eleitores de direita prefeririam, em um segundo turno, votar em candidatos mais ao centro do que escolher alguém da extrema-esquerda. E mesmo eleitores socialistas ou ecologistas podem não se identificar com as propostas extremistas da Nupes, optando pela bancada presidencial.

Mesmo assim, Mélenchon garantiu, em discurso no final de maio, que dentro de dois meses será o primeiro-ministro francês. E que, durante o seu mandato, vai deixar claro que fará duras reformas no país. “A França precisa compreender que o mercado – esse sistema obscuro de ideologia mortífera - não vai resolver a crise do país”, opinou.

Enquanto Mélenchon já sonha com o cargo de primeiro-ministro para fazer profundas mudanças na França e Macron nega essa possibilidade, o líder da coalizão socialista já tem o que comemorar, como diz Guillaume Tabard em artigo publicado no jornal francês Le Figaro: “Ele conseguiu tirar a esquerda do coma em que ela parecia estar afundada".

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