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análise

Eleições na Itália: colapso na esquerda e ascensão da direita

Silvio Berlusconi e Matteo Salvini: líderes de direita que tentam destronar a esquerda italiana | Andreas Solaro/AFP
Silvio Berlusconi e Matteo Salvini: líderes de direita que tentam destronar a esquerda italiana (Foto: Andreas Solaro/AFP)

A coalizão de direita de Silvio Berlusconi, que tem a melhor chance de vencer as eleições italianas no próximo domingo (4), quer expulsar 600 mil imigrantes e promete bombear dinheiro para bolsos italianos. O oponente, o partido populista Movimento Cinco Estrelas (M5S), garante que, caso vença o pleito, trasmitirá ao vivo, por meio de uma tela online, toda a grande decisão que for feita pelo seu governo, em um exercício experimental de hiperdemocracia. E o partido de centro-esquerda está completamente desacreditado, mesmo que a economia da Itália tenha melhorado desde o início da atual gestão, há cinco anos.

Os italianos chegam às eleições neste fim de semana em uma campanha amargamente dividida. Os eleitores estão preocupados com as questões sobre a imigração e um forte sentimento de que a recuperação econômica pós-crise na Itália tornou a vida melhor para os mais ricos e não para as classes mais baixas. Na Itália, o eleitor não escolhe candidatos, mas partidos ou coalizões, dos quais é escolhido o primeiro-ministro.

O partido vencedor moldará qual será a posição do país na Europa, em um momento em que a União Europeia está lutando contra possíveis ameaças ao Estado de Direito em países-membros como Hungria e Polônia e negociando um amargo divórcio com a Grã-Bretanha. E, como a Itália é a uma das principais portas de entrada para imigrantes na Europa, as decisões que tomar sobre como tratar aqueles que alcançem suas fronteiras reverberarão por todo o continente.

Mas se existe consenso entre os italianos de que são precisas fortes mudanças no cenário atual, eles estão divididos sobre qual direção deveria tomar o país, que é a quarta maior economia da Europa. As pesquisas de opinião sugerem que o resultado mais provável das eleições deste domingo (4) seja a formação de um parlamento pulverizado, com a possibilidade de não conseguir uma maioria qualificada, levando à instalação de um governo provisório ou a realização de novas eleições e meses de impasse.

Surpresas poderiam surgir – como o partido da Liga do Norte de extrema-direita obter mais votos do que a coalizão de centro, uma perspectiva que poderia dar poder aos líderes de tendência “euroskeptic” (ou seja, que se opõem a aumentar os poderes da União Europeia). Eles propagam que o Islã está assumindo a Itália.

“Nesta situação caótica, é muito provável a possibilidade de mais caos”, disse Fabio Bordignon, professor de ciência política da Universidade de Urbino Carlo Bo.

A apuração dos votos terminará tarde, apenas às 23 horas em Roma (19 horas pelo horário de Brasília). Alguns temas interessantes para ter em conta:

O sucesso do Movimento Cinco Estrelas. Desde a última eleição, há cinco anos, o partido anti-establishment fundado pelo comediante Beppe Grillo em 2009 tornou-se a maior força na Itália e encabeça as pesquisas de opinião. Nesse meio tempo, seus membros se esforçaram por convencer a opinião pública de que não eram apenas um grupo bizarro, mas que poderiam perfeitamente assumir o poder – e conseguiram mostrar bons resultados quando assumiram governos locais. Nas últimas pesquisas, realizadas há 15 dias, prazo permitido pelas leis italianas, o partido apareceu com 28% dos votos, bem abaixo dos aproximadamente 40% necessários para assumir o Parlamento. Mas se eles superarem sua relutância em formar coalizões e consigam convencer outros partidos a unir forças, poderiam desestabilizar líderes em toda a Europa.

O que acontece com os imigrantes. Mais de 62 mil imigrantes chegaram ao país desde 2013 e o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi disse que a imigração é uma “bomba social pronta para explodir na Itália”. Se a eleição for como Berlusconi espera, ele terá a chance de tentar mudar essa situação. Mas seu plano – para tentar deportar quase todos os imigrantes – foi criticado por ser desumano. O fluxo da chegada de novos imigrantes vem diminuindo desde julho de 2017, depois que o ministro do Interior, Marco Minniti, conseguiu um acordo com os líderes líbios para impedir que as pessoas atravessassem o Mediterrâneo. A raiva, porém, permanece, fato evidenciado, por exemplo, por um tiroteio contra pessoas com pele escura em uma cidade central do país no mês passado. E as causas profundas da migração permanecem inalteradas no Oriente Médio e na África.

Será que Berlusconi voltará? O poderoso magnata das comunicações, Berlusconi, aos 81 anos, foi um dos primeiros a misturar entretenimento e política, a mesma fórmula que ajudou Donald Trump a vencer as eleições para a presidência dos EUA. Depois de ter se afastado do cargo de primeiro-ministro, em 2011, em meio à crise econômica e aos escândalos de orgias sexuais com menores de idade – em eventos chamados por ele de “jantares elegantes” – “Il Cavaliere”, como é conhecido no país, está desafiando a “morte política” e influenciando cada vez mais a opinião pública. A condenação por fraude fiscal o impede de concorrer às eleições deste domingo, mas sua influência está longe de ser descartada.

O destino da economia da Itália. A economia italiana cresceu apenas 1,5% no ano passado, um número bem melhor se comparado aos anos de crise, mas longe de ser o suficiente para que a maioria dos eleitores sinta os benefícios. O desemprego entre jovens está em 35% e o desemprego geral é maior do que a média europeia. Os partidos que lideraram as pesquisas não apresentam planos satisfatórios, de acordo com os economistas consultados. A coalizão de centro-direita de Berlusconi prometeu US$ 1.220 por mês a todos os adultos italianos como uma renda básica universal, sem explicar completamente como o país pagaria por isso.

A Itália é governável? A Itália, às vezes, parece derrubar líderes rapidamente, com trocas constantes de primeiro-ministro, por exemplo. A instabilidade política não é novidade no país. Com o surgimento do Movimento de Cinco Estrelas, a política italiana agora parece tripolar ao invés de bipolar, o que dificulta ainda mais chegar a uma maioria qualificada no Parlamento – e não parece que os eleitores entrarem em consenso por algum partido. Mesmo que a Itália volte para as urnas novamente em um futuro próximo, não há motivos para acreditar que essa dinâmica mudará.

Um galã de direita. O líder da Liga do Norte da extrema-direita, Matteo Salvini, tem uma orelha furada e um estilo cordial, com quem os eleitores facilmente se identificam. Em um cenário político sedento por líderes carismáticos, ele é um dos mais talentosos. Existe mesmo uma chance de o se partido ganhe mais votos do que a coalização de Berlusconi, o que poderia colocá-lo como candidato para primeiro-ministro. Se isso ocorrer, ele seria o primeiro populista de extrema-direita a liderar uma nação da Europa Ocidental desde 1945. Ele está ainda mais comprometido do que Berlusconi com a promessa de expulsar imigrantes. Depois que um ex-candidato da Liga do Norte atacou migrantes em Macerata no mês passado, Salvini condenou brevemente a violência e então mudou o assunto para os problemas que ele diz que os imigrantes trazem para a sociedade italiana.

O colapso da esquerda. O Partido Democrata de centro-esquerda, do atual governo, dominou as eleições para o Parlamento Europeu em 2014, mas seu apoio desabou agora quase pela metade, para 23%. O ex-primeiro-ministro Matteo Renzi foi amado pelas elites, mas não agradou os italianos comuns, para os quais é visto como “distante”. Como a coalizão de esquerda se desfez, os partidos de direita e os populistas assumiram as bandeiras favoráveis aos trabalhadores que eram tipicamente o domínio da esquerda, como a redução da idade de aposentadoria e a oferta de rendimentos garantidos. Dificilmente Renzi e seus aliados terão um papel no futuro governo, a menos que seja como um parceiro menor para a coalizão de Berlusconi.

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