O presidente eleito da Nigéria, Muhammadu Buhari (à direita), e o vice-presidente, Yemi Osinbajo, recebem os certificados da Comissão Eleitoral do país| Foto: STR/Reuters

As eleições de 2015, na Nigéria, entraram para História do país e do continente. Pela primeira vez um candidato da oposição conquistou a vitória eleitoral, no “gigante africano”. Muhammadu Buhari foi consagrado, em um pleito disputadíssimo, o novo presidente da República desse importante país africano. O fato ganha relevância, pois, entre outros aspectos, desde a sua fundação como Estado nacional, em 1960, a Nigéria viveu imersa em ditaturas ou, em processos eleitorais fraudulentos; em tais processo, o governo sempre conquistava vitórias que colocavam a democracia e a vontade soberana dos eleitores em plano secundário. Mas, somente a conquista eleitoral da oposição, em 2015, mesmo que pela primeira vez na curta História da democracia nigeriana, justifica o caráter único dessas eleições? Quais os desafios que estarão sobre a mesa presidencial, desde o dia de sua posse? Respostas importantes para Nigéria e para a África.

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Segundo Samuel Huntington, em seu polêmico livro: O Choque de Civilizações, muito criticado, mas pouco lido, a Nigéria é forte candidata a ser o Estado-núcleo da África, isto é, um Estado capaz de exercer forte liderança continental (civilizacional, nos termos de Huntington), pois, o tamanho do seu território, os seus recursos naturais e a sua localização geográfica indicam capacidades atávicas para a prática da liderança econômica e da influência política e cultural. Em outras palavras, a Nigéria tem hard power e soft power, meios e recursos fundamentais para o exercício da hegemonia e preponderância no mundo contemporâneo.

Porém, apresenta problemas que limitam drasticamente a sua capacidade de performance como Estado-núcleo: a “desunião intercivilizacional”, a corrupção maciça, a instabilidade política, governos repressivos e problemas econômicos. O autor do Choque de Civilizações tem razão ao identificar o potencial de liderança nigeriano, mas exagera ao colocar a “desunião intercivilizacional” com obstáculo para a sua ascensão ao posto de Estado-núcleo, como será abordado mais adiante.

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O país de aproximadamente 170 milhões de habitantes, está localizado na África Ocidental, com litoral no Golfo da Guiné e que tem como vizinhos o Benin, Camarões, Chade e Níger. É de fundamental importância para os interesses brasileiros. A Nigéria é o parceiro comercial mais efetivo do Brasil no continente africano. O Brasil ocupa a terceira posição, como o país que mais exporta para o “gigante africano” e a quarta no ranking das importações. (Fonte: Globaledge)

A organização política segue o modelo norte-americano. O presidente é a figura central do Estado e do governo. A atuação do país na governança e cooperação regional é significativa: a Nigéria é membro da União Africano (UA) e da Comunidade Econômica Africano (AEC).

O setor de petróleo representa 95% das receitas em divisas da Nigéria e 80% das suas receitas orçamentais. O país é membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), desde 1971. No momento, tem o maior PIB de todo o continente africano, deixando a África do Sul na segunda posição.

Apesar dos números robustos de sua economia, a sociedade nigeriana enfrenta os problemas comuns em países subdesenvolvidos. A exuberância e ícones da modernidade convivem com indicadores sociais alarmantes. Fenômeno que pode ser detectado com nitidez em Lagos, a megalópole de aproximadamente 21 milhões de habitantes. O país ocupar o 158º lugar em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). As rendas obtidas com a exportação do petróleo estão concentradas nas mãos de poucos e governos são marcados por grandes escândalos de corrupção. A situação tornou-se mais aguda com a queda acentuada do preço do barril do petróleo nos últimos anos.

A corrupção é um problema endêmico que ficou mais claro após a independência do país. A Nigéria foi colonizada pelos ingleses que deixaram um legado de desestruturação econômica e instabilidade social e política. A ONG Transparency International que elabora estudos sobre os níveis de corrupção em 182 países do sistema internacional, classificou a Nigéria na posição 143º. Em outras palavras, trata-se de um dos mais corruptos do Planeta. A corrupção é generalizada, com destaque negativo para o governo, núcleo irradiador de fraudes, desvios e fonte permanente de escândalos com o dinheiro público.

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O país pode ser dividido do ponto de vista religioso em duas metades. O sul é predominantemente cristão e o norte, por sua vez, é muçulmano. O presidente eleito é do norte e muçulmano e, o atual, é do sul e cristão, fato que explica, pelo menos em parte, a vitória retumbante de Muhammadu Buhari no norte do país, reduto dos seguidores do islã e região castigada pelas ações violentas do Boho Haram. Tal divisão não deve ser vista como um obstáculo intransponível para a consolidação da nação nigeriana. A imensa maioria dos seguidores do cristianismo e do islamismo convive pacificamente e tem o devido discernimento da separação entre religião e Estado. Nessa senda, os seguidores do Boko Haram são uma ínfima minoria de radicais que está na perigosa e insustentável fronteira entre o fanatismo e a marginalidade. Portanto, a suposta desunião “intercivilizacional”, apontada por Samuel Huntington não é um empecilho para a ascensão da Nigéria à posição de Estado-núcleo.

Contudo, não devemos fazer tabula rasa do Boko Haram. O grupo ganhou força em função do vazio deixado pela ausência de políticas públicas e a inércia, do governo de Goodluck Jonathan, notadamente no campo da segurança. Quando foi eleito, em 2010, esperava-se uma onda de mudanças e, principalmente, o enfrentamento eficaz das grandes mazelas que caracterizam o “gigante africano”. Mas, ao encerrar o seu mandato, os problemas tornaram-se mais agudos. As omissões e debilidades governamentais possibilitaram a ascensão do Boko Haram que culminou, em 2014, no rapto de 276 meninas. O fato gerou a indignação mundial e uma declaração expressa da Anistia Internacional, acusando o governo de Goodluck de fraqueza e de omissão. A derrota de Goodluck, desde então, emergia como a crônica de morte anunciada.

A rigor, o Boko Haram, inspirado nos êxitos do Estado Islâmico, que na fronteira entre a Síria e o Iraque fundou um inusitado califado e, diante da ineficiência das forças armadas nigerianas, ampliou as suas ambições políticas e delineou como meta, criar um califado, no norte da Nigéria. Entretanto, nos últimos dois meses, o grupo vem sofrendo reveses e perdendo as pequenas cidades e vilarejos que conquistou no norte da Nigéria. As derrotas são impingidas pelos exércitos do Chade e do Níger, ambos têm demonstrado mais competência que as forças militares nigerianas para combater os radicais islâmicos.

A perda de poder do Boko Haram pode ser detectado em seu fracasso ao tentar impedir a realização do pleito eleitoral nos dia 27 e 28 de março que chegou ao seu termo, consagrando a vitória do candidato da oposição. Apesar do discurso belicoso do presidente eleito, segundo o qual, eliminará o Boko Karam com a força das armas, parece claro que a democracia, a estratégia, a transparência e a inteligência são armas muito mais eficazes para aniquilar os terroristas/fundamentalistas do Boko Haram.

Em suma, a vitória de um candidato da oposição na Nigéria é, sem dúvida, muito auspiciosa para a consolidação da democracia neste importante país africano, que nasceu com a vocação para ser um grande líder regional. Todavia, essa conquista poderá, em um curto espaço de tempo, tornar-se um ledo engano e uma grande decepção para os eleitores de Muhammadu Buhari. A agenda de problemas a ser enfrentada é complexa, pois, a corrupção e a violência encontram campo fértil para prosperar em cenários que compartilham de forma sinistra, a injustiça e a desigualdade social. Esperemos que o novo presidente leve a cabo políticas públicas que recuperem não apenas a soberania do Estado nigeriano sobre o seu território, mas, elevem os índices de qualidade humanos. Dessa forma, a Nigéria será de fato o Estado-núcleo da África, irradiador de democracia e desenvolvimento social.

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Sidney Ferreira Leite é pró-reitor acadêmico e professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes.