Eleitores poloneses estão votando neste domingo em um pleito na qual o partido conservador Lei e Justiça (PiS, na sigla em polonês) tenta se manter no poder pelo terceiro mandato consecutivo, o que seria inédito, mas tem contra si uma espécie de “frente ampla” formada por coalizões e partidos que vão do centro à esquerda. Como resultado, o PiS, que chegou ao dia da votação liderando as pesquisas de opinião, pode continuar a ser o partido com maior bancada nas duas casas do parlamento polonês, e mesmo assim não conseguir formar o governo. Estão em jogo todas as 100 cadeiras do Senado e as 460 cadeiras do Sejm, a câmara de deputados polonesa.
Como já ocorreu em eleições anteriores, a disputa gira em torno da própria identidade polonesa, tradicionalmente ligada aos valores religiosos católicos, e ao grau de ingerência externa que os poloneses aceitam, já que o país integra a União Europeia. Tanto a Comissão Europeia (o braço executivo da UE) quanto o Parlamento Europeu e o Tribunal de Justiça da EU têm manifestado seu descontentamento quanto à restritiva legislação polonesa a respeito do aborto e quanto ao que considera uma violação de direitos da comunidade LGBT. Ativistas afirmam que a Polônia é o “país mais homofóbico da União Europeia”. O ex-premiê Donald Tusk, líder da Coalizão Cívica, principal força de oposição, já afirmou que a manutenção do PiS no poder poderia levar a Polônia a deixar a União Europeia, mas os líderes da legenda governista negam qualquer intenção de sair do bloco e afirmam que se opõem apenas à interferência europeia em assuntos que os poloneses consideram cruciais, como a agenda moral. A Coalizão Cívica, mais alinhada com Bruxelas, e a Nova Esquerda, outro membro da frente montada para derrotar o PiS, prometem afrouxar a legislação pró-vida.
Além dos temas de comportamento, a oposição fez campanha acusando o PiS de erodir o Estado de Direito na Polônia, que retornou à democracia em 1989, com o fim do regime comunista apoiado pela União Soviética. Nos últimos anos, o parlamento aprovou um projeto de lei sobre a posse de veículos de comunicação que atingiria diretamente um canal crítico ao governo; e uma reforma do Judiciário deixou a Justiça mais sujeita a interferências dos poderes Executivo e Legislativo, que ganharam mais poderes sobre a nomeação e a demissão de magistrados.
Também está em jogo na eleição o futuro dos programas sociais poloneses, que o PiS expandiu ao longo dos oito anos em que tem estado no poder. O governo promete uma expansão dos programas enquanto acusa a oposição de pretender reduzi-los, embora os partidos de oposição também tenham prometido elevação dos gastos públicos – a Coalizão Cívica, por exemplo, acenou aos professores com o compromisso de um aumento de 30% nos salários. O mercado financeiro e as agências de classificação de risco já dão como certo o aumento da despesa pública independentemente de quem saia vencedor, e alertaram para uma possível deterioração da situação fiscal polonesa.
A guerra na Ucrânia, que faz fronteira com a Polônia, é outro dos temas relevantes da eleição. O governo do presidente Andrzej Duda (independente) e do premiê Mateusz Morawiecki (PiS) havia sido um dos primeiros a enviar apoio militar para que os ucranianos resistissem à invasão russa, mas na segunda quinzena de setembro a ajuda foi interrompida após desentendimentos entre Varsóvia e Kyiv a respeito da entrada no país de grãos ucranianos, que são mais baratos e que estariam prejudicando os agricultores poloneses. Apesar disso, tanto Jaroslav Kaczynski, líder do PiS, quanto Tusk reafirmaram seu apoio aos ucranianos.
Apesar das manifestações dos líderes do PiS sobre a União Europeia e a Ucrânia, a possibilidade de o partido governista ter uma votação insuficiente para conseguir a maioria absoluta coloca em evidência a Confederação Liberdade e Independência, legenda de direita eurocética e que se opõe ao apoio à Ucrânia na guerra. Com o PiS oscilando entre 30% e 35% da preferência do eleitor nas últimas pesquisas, uma aliança com a Confederação poderia ser a única forma de o partido se manter no poder; no entanto, ambos os partidos negam a possibilidade de trabalhar juntos.
Além da eleição parlamentar, os poloneses também foram chamados a votar em um referendo sobre quatro temas: restrições à imigração, a construção de um muro na fronteira com a Belarus, a elevação da idade mínima para aposentadoria e a venda de ativos do Estado. No entanto, há muitos relatos de eleitores que estão descartando as cédulas do referendo, preferindo votar apenas para o Senado e o Sejm. É o que fez Malgorzata Grzechula, que votou na cidade de Wlodawa. “A votação em geral foi muito calma, só com alguns contratempos mínimos como pessoas querendo levar embora cédulas de votação. Mas eu decidi não votar no referendo. São perguntas óbvias que serão usadas politicamente, por isso muitos poloneses não estão apoiando o referendo que acontece junto com a eleição”, afirmou à reportagem.
As urnas serão fechadas às 21 horas no horário local, 16 horas de Brasília, quando serão divulgadas as pesquisas de boca de urna. O resultado final deverá ser conhecido nos próximos dias.
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