Cartaz da campanha do Juntos por el Cambio com imagem do presidente da Argentina e candidato à reeleição, Mauricio Macri, parcialmente coberto por cartazes com slogans contra o governo argentino, em Buenos Aires, 7 de agosto de 2019, poucos dias antes das eleições primárias da Argentina no domingo, 11 de agosto| Foto: JUAN MABROMATA / AFP

As eleições primárias obrigatórias da Argentina, que levarão às urnas cerca de 33 milhões de eleitores neste domingo (11), serão uma espécie de uma grande pesquisa eleitoral com um custo estimado em R$ 350 milhões (4 bilhões de pesos). Reforça essa alegação o fato de que as coalizões inscritas apresentaram apenas uma chapa, ou seja, não haverá disputa interna como ocorre, por exemplo, nas primárias presidenciais dos partidos Democrata e Republicano, nos Estado Unidos. Estas prévias, porém, servirão para restringir o número de concorrentes nas eleições de 27 de outubro, já que as duplas precisam obter pelo menos 1,5% dos votos válidos para passar para a fase seguinte. Além disso, seus resultados podem redefinir os rumos das candidaturas em uma eleição acirradíssima entre os dois principais candidatos: o presidente Maurício Macri e a aposta kirchnerista, Alberto Fernández, cuja vice é ninguém menos do que a ex-presidente Cristina Kirchner.

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Os candidatos

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Dez chapas lançaram suas candidaturas para primárias deste domingo, conhecidas como PASO (Primárias Argentinas Simultâneas e Obrigatórias), que também vão definir senadores, deputados e, em algumas províncias, governadores. Alguns nomes são pouco conhecidos entre o eleitorado e nem aparecem nas pesquisas de opinião, ou seja, têm grandes chances de não cumprir a cota para disputar as eleições de outubro. Entre eles estão a esquerdista Manuela Casteñeira, o nacionalista Alejandro Biondini (que já foi acusado de fazer declarações antissemitas), o ex-senador José Antonio Romero Feris e o deputado de Tucumán Raul Albarracin. O conservador Juan José Gómez Centurión, que se identifica com o presidente Jair Bolsonaro e é próximo do ex-estrategista de Donald Trump Steve Bannon, aparece em algumas pesquisas de opinião com até 3% das intenções voto. O esquerdista Nicolás del Caño tem um desempenho semelhante. O economista José Luis Espert aparece um pouco mais à frente, figurando em quarto lugar nas pesquisas, com cerca de 4%.

Entre as chapas que correm por fora, o ex-ministro da Economia de Nestor Kirchner Roberto Lavagna e seu vice Juan Manuel Urtubey têm as melhores chances. Considerados centristas, eles se apresentam como uma “terceira via” à “grieta”, como os argentinos chamam a polarização entre macristas e kirchneristas. Entre suas propostas, Lavagna defende a necessidade de renegociar a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para promover a criação de estímulos para as pequenas e médias empresas e, assim, alavancar a decadente economia do país. A chapa, contudo, perdeu força depois que as candidaturas das coalizões Juntos pela Mudança e Frente de Todos deram uma guinada ao centro.

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Isso ocorreu quando a ex-presidente Cristina Fernández Kirchner (Frente de Todos) anunciou que iria disputar como vice de Alberto Fernández, um nome mais palatável aos peronistas anti-kirchneristas - e até mesmo ao mercado financeiro - do que o dela. Foi uma jogada arriscada, já que a senadora aparecia em primeiro nas pesquisas eleitorais quando ainda figurava como candidata a presidente, apesar da alta taxa de rejeição. No outro lado da grieta, o apelo ao centro ocorreu quando Macri anunciou seu vice, o peronista Miguel Pichetto, do Justicialista, partido que, por contradição, faz parte da coalizão Frente de Todos.

A chapa Fernández-Fernández chegará às primárias mais forte do que a aliança de Juntos pela Mudança. Nas últimas pesquisas de opinião, sua vantagem varia de 0,5 a 7 pontos percentuais em relação à chapa do atual presidente, que em apenas uma consulta, realizada pela Ideia Big Data, aparece a frente de Fernández, com três pontos de vantagem.

Essa grande variação entre as pesquisas eleitorais reforçam, na opinião do consultor Gabriel Kohlmann, da Prospectiva, a ideia de que as primárias serão um grande plebiscito do governo Macri.

Negociação e polarização

Não se pode inferir que o candidato que tiver maior número de votos nas PASO será o ganhador da eleição presidencial em outubro - até porque quase três meses de campanha é tempo suficiente para reverter margens estreitas de vantagens de candidatos com grande percentual de rejeição, como é o caso de Macri e Fernández. Há uma tendência de que a coalizão mais votada realmente consiga atrair mais parceiros políticos menores para se fortalecer, já que, como lembrou o jornalista especializado em América Latina Brendan O’Boyle em um artigo para a Americas Quarterly, “ninguém quer estar atrelado a uma coalizão que se demonstra fraca”.

Mas como se trata de uma disputa muito polarizada, sem grandes vantagens para nenhum dos lados, isso não pode ser levado a ferro e fogo. O que veremos, segundo Kohlmann, é uma intensa negociação após as primárias. “Aqueles candidatos que não alcançarem o  patamar de 1,5% ou que, apesar de legalmente aprovados a continuar, suas candidaturas não se mostrarem viáveis, buscarão formar alianças com as candidaturas mais fortes. E neste ano claramente há duas candidaturas mais fortes”, disse ele, explicando que até mesmo Lavagna, visto como uma terceira via, não terá forças para competir com Macri e Fernández.

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“Por este motivo, a partir das primárias, as eleições presidenciais da Argentina vão adquirir ainda mais um caráter de plebiscito do governo Macri”.

Repercussões na economia

Os resultados das PASO também influenciarão a frágil economia do país. Em um exercício de antecipação, Kohlmann prevê que uma vitória de Macri poderia criar um sentimento de confiança no mercado. Por outro lado, uma vitória estreita de Fernández poderia gerar uma instabilidade no mercado financeiro, no câmbio. “Se a coalizão kirchnerista ganhar com uma grande margem de votos, provavelmente teremos uma situação caótica, porque o mercado financeiro vai sentir muito, o peso tende a disparar”, avalia.

E com mais um golpe na economia a pouco tempo das eleições, mesmo após uma certa recuperação nos últimos meses, Macri vai ficar ainda mais pressionado e tende a ser prejudicado na corrida eleitoral, já que a economia é um dos fatores decisivos desta eleição.

Fator Brasil

Não é segredo para ninguém que o presidente Jair Bolsonaro apoia a candidatura de Macri, cujas políticas econômicas estão mais em sintonia com as do governo brasileiro, além de seu posicionamento anti-kirchnerista. Em várias ocasiões, Bolsonaro já defendeu a o presidente argentino ou criticou a candidata à vice Cristina Kirchner - e isso tende a continuar com a aproximação da votação argentina.

Além da retórica, o Brasil ajudou o governo Macri a concretizar uma de suas promessas de governo: o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. "Os governos do Brasil e da Argentina veem o acordo como uma estratégia possível para sinalizar aos eleitores mais liberais que esses governos estão mais comprometidos em integrar ainda mais essas economias que estiveram fechadas no período mais à esquerda", disse Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da USP.

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Partindo para o campo da especulação, o governo brasileiro poderia acelerar as negociações internas do Mercosul sobre a retirada de barreiras no mercado automotivo para beneficiar Macri. “É uma agenda que já está sendo tocada pela equipe econômica, mas esses pequenos movimentos podem se acelerar nos próximos meses, indicando até uma tentativa do governo brasileiro de consolidar o quanto antes melhorias institucionais no âmbito do Mercosul, até para aproveitar essa janela que o Macri ainda está na presidência, já que sua reeleição não é garantida. Isso também teria um efeito positivo para Macri”, comenta Kohlmann.

O que diz a história

As eleições primárias foram incorporadas à lei eleitoral da Argentina há pouco tempo, em 2009, com o objetivo de diminuir o grande número de partidos menores que disputavam as eleições e pulverizavam os votos - principalmente entre a esquerda. Portanto, até agora foram realizadas apenas duas PASO.

Nas eleições de 2011, a então presidente e candidata à reeleição Cristina Kirchner estava muito à frente de seus concorrentes e obteve uma vitória com 54% dos votos contra 16% do segundo colocado, ampliando ainda mais o percentual de votos que havia conquistado nas primárias, nas quais disputou votos com chapas da mesma coalizão.

Já em 2015, a coalizão kirchnerista do candidato Daniel Scioli obteve um percentual de votos totais das primárias maior do que o recém-criado Cambiemos - o que se repetiu no primeiro turno das eleições. O candidato opositor Mauricio Macri, porém, conseguiu levar a disputa para o segundo turno e se consagrou vencedor.

Nesse contexto, o curto histórico das PASO pouco ajuda a prever o que acontecerá até 27 de outubro. O que se pode ter certeza é que essa eleição será bastante acirrada - e imprevisível.

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