Enquanto no Brasil a sociedade se digladia entre supostos efeitos nefastos de proibir a palmada ou de deixar a correção familiar como está, a Suécia, primeiro país a proibir o castigo físico dentro de casa, já consegue medir o efeito de sua lei proibitória. Desde 1979, no país com mais romances policiais do que crimes, bater em filho pode levar à suspensão ou perda da guarda.
"Gerações depois da legislação, pesquisadores constataram que há menos adolescentes em conflito com a lei e menos crianças com problemas de comportamento", disse à Gazeta do Povo a professora de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos Lucia Williams. "O excesso da violência gera essas duas coisas", diz a defensora do projeto brasileiro que altera a Lei 8.069.
O governo sueco comemora o resultado de sua lei a ponto de, dez anos após sua publicação, ter deixado de editar um panfleto informativo sobre como educar sem bater, por considerar que ele não era mais necessário, como constatou a diretora de um programa de prevenção a abusos dos EUA, Adrienne Haeuser.
O principal resultado é considerado a redução no abuso da violência. O hospital de St. Göan, na capital Estocolmo, viu na primeira década de lei a queda de casos de agressão a crianças para um sexto do registrado em 1970.
Para alcançar essa taxa, o foco foi ensinar os pais a educar até porque, até 1979, a sociedade sueca era muito permissiva. "Há enorme responsabilidade dos governos em criar estruturas de formação dos pais", diz o pesquisador do centro de estudos da Violência, da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Sérgio Pinheiro.
Para ele, isso ocorre ajudando as famílias a superar a violência contra os filhos. No país nórdico, a transformação cultural foi auxiliada pelo fato de a lei não criminalizar os pais, já que um dos maiores medos era o de que vizinhos brigados usassem a denúncia como arma e pais acabassem perdendo a guarda dos filhos por problemas pequenos. Isso não ocorreu. A perda da guarda é rara e só costuma ocorrer quando a agressão está associada a outros problemas, como o alcoolismo (veja no depoimento abaixo).
Efeito viral
A lei sueca serviu de exemplo para outros 29 países, de acordo com a iniciativa global End All Corporal Punishment of Children ("Acabe com todo tipo de castigo físico a crianças"). Os primeiros a segui-la foram os vizinhos escandinavos Finlândia e Noruega, e depois outros europeus.
A lei só saiu da Europa em 2000, quando Israel aprovou a sua versão, e depois em 2007, quando Nova Zelândia, Uruguai e Venezuela aderiram. Da América Latina, só estes últimos e a Costa Rica fazem parte grupo, mas Brasil, Nicarágua e Peru têm projetos de lei.
O presidente Luíz Inácio Lula da Silva encaminhou projeto ao Congresso Nacional em julho, e desde então a sociedade debate com vigor os argumentos pró e contra a palmada.
Apesar de o exemplo vir da Europa dos 30 países que proíbem a palmada, 23 são europeus , não significa que os países desenvolvidos estejam na vanguarda da proteção infantil no lar.
Entre os 30 países com lei, 13 são países em desenvolvimento, e não é uma regra que um país desenvolvido tenha a lei.
"É justamente nos países desenvolvidos que as leis vão mais mal", avalia o professor Pinheiro, que é um dos avaliadores do tema da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Palmada dos ricos
Nos EUA, país que é muito rígido com relação a agressões em geral, existe a proibição ao castigo físico de crianças em escolas públicas em apenas 28 dos 50 estados. Em nenhum deles existe a proibição no lar.
O Reino Unido tem legislado deixando folga para que algum tipo de correção física seja permitida. Em 2004, a revisão do "Children Act" inglês trouxe à discussão o estabelecimento de limites para a repreensão em casa. Uma das discussões era que a palmada é permitida se não deixar marcas persistentes.
"E a criança negra, que não fica nem vermelha nem roxa?", questionavam os opositores. "É o lugar onde mais morrem crianças vítimas de sacudidas", critica o professor Pinheiro.
Na França, só no começo deste ano um projeto foi proposto no Legislativo.
Apesar de ainda estar tramitando sua lei, o Canadá é rígido com a surra abusiva. A professora Lúcia Williams trabalhou por 13 anos como psicóloga da rede pública canadense e conta que um dos desafios foi educar famílias de imigrantes que chegavam ao país habituadas a culturas permissivas.
"Não era porque um vietnamita dava um tapa numa criança que íamos sair correndo e mandá-lo para o conselho tutelar. Esse é um processo demorado. Os pais precisam de muito apoio e orientação. Quando a família recebe apoio de um psicólogo e aprende, claro que dá certo", diz.