Foi com a vontade de embarcar em uma aventura emocionante, e também dramática, que o jornalista brasileiro André Naddeo deixou para trás a vida no Rio e viajou à Grécia. Tudo para ver com os próprios olhos o epicentro da crise migratória que atinge a Europa. Depois de meses no país, ele agora investe seu tempo em um projeto para dar voz a quem, depois de perder casa e pátria, se vê também sem a chance de nem mesmo contar a própria história.
A sua iniciativa “I am immigrant” (Eu sou imigrante, em português) ensina refugiados de várias origens a manusear equipamentos para produzir um documentário, que deverá ser lançado em março. E os protagonistas, dessa vez, não poderiam ser ninguém além dos próprios imigrantes em sua longa e angustiante jornada para uma nova vida.
A ideia surgiu quando o jornalista, que tem 35 anos, chegou ao porto de Pireu em abril, na primeira vez que pisou em território grego. Lá, encontrou um campo improvisado de refugiados, hoje já desmantelado, onde à época viviam clandestinamente cerca de 2 mil pessoas em péssimas condições. Decidiu ele também se juntar, com seu cobertor e travesseiro, às tendas ali montadas durante 45 dias. Com o tempo, venceu a desconfiança dos imigrantes, inicialmente receosos sobre a sua presença, e passou a conhecer as trajetórias que os levaram até ali. E não demorou para que ele notasse quão fértil era aquele terreno para fazer nascer boas histórias.
Idealizado por Naddeo, o projeto conta hoje com outros três brasileiros e uma portuguesa para realizar oficinas de inglês, fotografia e filmagem. Os seus 25 alunos, por sua vez, vêm do outro lado do mundo: sobretudo da Síria – devastada por uma sangrenta guerra civil –, além de Argélia, Marrocos e Egito. No ambiente multicultural, dois tradutores ajudam na comunicação do dia a dia: Laila, uma espanhola de origem marroquina, e Faridon, um afegão que fala vários dialetos.
Filhos convencem mães a dar depoimento
Nas aulas, os refugiados são convidados a colocar a mão na massa. Professores e alunos, cuja maioria é de jovens entre 18 e 25 anos, se reúnem nos chamados squats, ocupações em prédios abandonados no centro de Atenas onde vivem os imigrantes à espera de uma resposta para os seus pedidos de asilo na Europa.
“O conceito desta experiência é dar voz aos refugiados. É um passo diferente, com um novo formato para capacitá-los a produzir o próprio conteúdo. É muito mais justo que eles mesmos estejam se filmando, tirando suas fotos e entrevistando uns aos outros, seus familiares e seus amigos. Damos as ferramentas para que eles contem as suas histórias”, explicou Naddeo, por telefone da capital grega, ao Globo.
Com equipamentos simples, como máquinas não muito complexas ou até mesmo celulares, os filhos convencem suas mães, por exemplo, a falarem para a câmera - as mulheres mais velhas, sobretudo muçulmanas, tendem a evitar expor a sua imagem. Alguns viram as lentes para si mesmos; e outros filmam momentos emocionantes das suas famílias, como se fossem apenas observadores. Desses pequenos capítulos sairá o documentário no fim no ano que vem. No pano de fundo, estão a longa espera para conseguir as entrevistas do burocrático processo de solicitação de abrigo; a ansiedade e a falta de perspectivas em um continente tão diferente e, ainda, a sensação de ter sido esquecido pelo resto do mundo.
“São várias histórias que acontecem ao mesmo tempo. Uma delas, por exemplo, é a da síria Roro e do seu marido, que vive na Alemanha porque já conseguiu os papéis necessários; e ela ainda não. Eles não se viam há um ano e meio. E, no meio do processo, ele veio visitá-la. Demos a câmera na mão do sobrinho do casal, que filmou todo o reencontro, desde o momento em que ela saiu de casa para buscá-lo. O abraço no aeroporto é uma cena linda”, contou o brasileiro.
Relatos para o mundo
A partir de janeiro, caberá aos jornalistas e fotógrafos à frente do projeto apenas montar o quebra-cabeças na fase de edição das imagens. Em seguida, o objetivo da iniciativa – que tem apoio financeiro de uma empresa brasileira que trabalha para a inclusão social no setor da saúde – é levar o filme a festivais independentes pelo mundo. A primeira exposição de fotos e de pequenos trechos do documentário já está marcada para o ano que vem em Lisboa.
As experiências do projeto já dão uma prova do clima esperado para o resultado final. No Facebook, o “I am immigrant” já tem vídeos curtos que apresentam, um a um, alguns participantes - e um poço de personalidades por trás do rótulo imposto a quem vive como refugiado. Lá, já encantam os depoimentos de Dani Dark Muhannad, um sírio apelidado de “o refugiado metaleiro”; Sajjad Gholami, um jovem iraniano apaixonado por futebol; ou Mouhip El-Rifay, um ex-taxista sírio, de olhos profundamente azuis, que já morou na Venezuela e hoje apenas sonha em rever seus dois filhos na Alemanha.