O presidente dos EUA, Barack Obama, desembarca esta semana na Cidade do Panamá, para a VII Cúpula das Américas, com a missão de enterrar a imagem imperialista que historicamente arranhou as relações de Washington com os 33 países latino-americanos e caribenhos. Tendo como trunfo principal a retomada do diálogo com Cuba, mas também um cardápio de ações que vão de um inédito engajamento com a América Central e o Caribe às medidas sobre imigração e a revisão da política antidrogas, Obama afirmará aos chefes de Estado e governo que os EUA estão comprometidos em substituir a ideologia pelos interesses mútuos como eixo da diplomacia regional. As palavras da nova ordem americana são cooperação, parceria e responsabilidade compartilhada.

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— Não concordaremos em tudo, mas concordamos em tantas coisas de interesse mútuo que podemos ter relações maduras, do século XXI. Nesta cúpula, vamos demonstrar, em várias questões, que cumprimos a promessa do presidente Obama (na cúpula de 2009) de termos uma arquitetura atualizada para cooperação e parceria, com responsabilidade compartilhada de verdade — afirma a secretária-assistente de Estado para o Hemisfério Ocidental, Roberta Jacobson.

As áreas prioritárias para os EUA na cúpula, explica Roberta, foram escolhidas em linha com os pilares desta relação refundada com as Américas. São elas democracia e direitos humanos; competitividade global; desenvolvimento social; e energia e mudanças climáticas. Para cada uma delas, Washington tem propostas para sugerir e ações concretas para mostrar.

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— São maneiras de se resolverem problemas pragmáticos, que francamente não são baseadas em ideologia. Estamos dispostos a atuar em conjunto com todo país do hemisfério que nos quiser como parceiros. É assim que a maioria dos países estrutura a sua política externa, sobre interesses mútuos e não ideologia, pois é isso que a torna durável — enfatiza a secretária-assistente.

Isolamento no último encontro

A mudança de postura é uma reação à perda de influência e ao isolamento imposto pelos latinos a Washington na última década. No período, a Organização dos Estados Americanos (OEA) foi esvaziada e foram criados fóruns dos quais os EUA não participam, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac).

O ápice da rejeição à diplomacia americana de guerra fria foi a Cúpula das Américas de 2012. Em Cartagena, Colômbia, Obama foi bombardeado de críticas às políticas dos EUA para a região, notadamente sobre combate ao narcotráfico e para Cuba. A volta da ilha à comunidade interamericana tornou-se questão de honra até mesmo para aliados tradicionais dos americanos, como México e Colômbia. E a mensagem foi clara: sem os cubanos, não haveria próxima cúpula e o diálogo estaria azedado.

— Foi doloroso como Obama foi recebido em Cartagena, quão isolado estava, como foi um saco de pancadas e como não teve defesa por parte dos outros países. A atmosfera será bem diferente agora. E isso deve-se ao fato de que o governo americano adotou várias medidas nestes três anos. Os EUA ouviram e aprenderam — avalia Richard Feinberg, professor da Universidade da Califórnia em San Diego, um dos arquitetos da Cúpula das Américas e ex-diretor de Assuntos Interamericanos do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca.

Ao anunciar em 17 de dezembro a retomada de relações diplomáticas com Cuba, Obama removeu o maior ruído no relacionamento com a América Latina. Não só promoveu a reintegração de Havana e foi aplaudido por todos os líderes regionais como, ao que tudo indica, terá no cubano Raúl Castro um aliado na cúpula para evitar a fúria anti-imperialista do venezuelano Nicolás Maduro, reforçada pelas recentes sanções aplicadas pela Casa Branca à Venezuela.

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As medidas reformistas do sistema de imigração americano, embora limitadas, também soaram bem na região, maior exportadora de imigrantes para os EUA. Também foi decisiva a reformulação da política de combate ao narcotráfico. O militarismo espelhado nos 40 anos de guerra doméstica às drogas foi flexibilizado para incorporar o viés de saúde pública e social.

Outro pilar é o reposicionamento da política para a América Central e o Caribe. Os EUA estabeleceram programas e iniciativas para lidar com os problemas dos países do Triângulo do Norte — El Salvador, Guatemala e Honduras—, que vivem epidemia de violência devido à expansão descontrolada do crime organizado. E estão mobilizados pela independência energética da região, que viveu anos com os subsídios do programa Petrocaribe, patrocinado pela Venezuela (os EUA criaram, no ano passado, a Iniciativa Energética do Caribe e, em janeiro, sediaram a I Cúpula Energética do Caribe).

Obama destacou o vice-presidente Joe Biden para cuidar da região e emplacou no Congresso, o que é raro, um inédito orçamento de US$ 1 bilhão para ações na América Central e no Caribe no próximo ano fiscal — o mesmo valor solicitado para o Afeganistão. O próprio Obama vai à Jamaica na quarta-feira, antes de seguir para o Panamá, e se encontrará com os líderes da Comunidade do Caribe (Caricom).

— Os EUA chegam à cúpula do Panamá mais bem posicionados para o dialógo — avalia Harold Trinkunas, diretor de América Latina do Brookings Institution.

Dissidentes e empresários

Não que os EUA tenham desistido do alinhamento ideológico da América Latina. Mas decidiram fazê-lo com soft power. Washington está apostando na ampliação dos fóruns paralelos à cúpula para reforçar valores como democracia e livre mercado. No Panamá, o país vai trabalhar por mecanismos de interação permanente da sociedade civil com os líderes regionais e o próprio Obama vai se encontrar com organizações e cidadãos, na quinta-feira. Isso inclui dissidentes cubanos — estarão presentes, por exemplo, as Damas de Branco e blogueiros — e a oposição venezuelana — como familiares do político Leopoldo López e do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, presos pelo governo Maduro.

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— O presidente acha crucial que líderes prestem contas à sociedade civil — afirma Roberta Jacobson.

Os EUA são ainda entusiastas da Cúpula dos CEOs — que vai reunir mais de 700 empresários do hemisfério ocidental no Panamá. Querem a institucionalização do fórum, nos moldes estabelecidos pela Apac (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), com um grupo permanente de empresários fazendo a interlocução periódica entre capital e os chefes de Estado e governo. Obama falará aos executivos — assim como a presidente Dilma Rousseff.

Mas os EUA negam que travem agora uma batalha ideológica silenciosa nas Américas. Apesar do barulho estridente dos países bolivarianos, reunidos na Alba, Roberta Jacobson minimiza o antagonismo e a influência da Venezuela:

— Em certos temas que tocam em assuntos que historicamente esbarram na solidariedade (entre latinos), como é o caso de sanções financeiras unilaterais pelos EUA, eles conseguem uma liderança. Mas este é o tipo de vitória fácil. Não vejo liderança em nada mais. Na área econômica, se você olha por atrás da retórica, Bolívia e Equador não têm o mesmo modelo da Venezuela. No lado político, também não. Me sinto desapontada com outros governos na questão da defesa da democracia, mas também não vejo defesa do modelo (da Venezuela).