O Vaticano divulgou nesta segunda-feira (8) um documento que descreve a posição da Igreja em relação ao que considera graves violações da dignidade humana e entre as quais inclui, além da eutanásia e do aborto, a teoria de gênero, a mudança de sexo, a barriga de aluguel e “as novas violências digitais”.
O texto do Dicastério para a Doutrina da Fé, intitulado Dignitas infinita e cuja elaboração durou cinco anos, foi aprovado pelo papa Francisco e é publicado por ocasião do 75º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos para oferecer “também à Igreja a oportunidade de esclarecer alguns mal-entendidos que muitas vezes surgem em relação à dignidade humana”.
No documento, apresentado pelo novo prefeito do dicastério, o argentino Víctor Manuel Fernández, são elencadas “as graves violações da dignidade humana de especial atualidade”, na visão da Igreja. Confira abaixo os pontos mais importantes.
Barriga de aluguel
O documento se posiciona contra a chamada maternidade sub-rogada, que “através da qual a criança, imensamente digna, torna-se mero objeto”, segundo o texto.
O Vaticano destaca que a criança tem o direito, “em virtude da sua inalienável dignidade, de ter uma origem plenamente humana e não conduzida artificialmente, e de receber o dom de uma vida que manifeste, ao mesmo tempo, a dignidade de quem a doa e de quem a recebe”.
“O reconhecimento da dignidade da pessoa humana comporta ainda aquele da dignidade da união conjugal e da procriação humana em todas as suas dimensões. Nesta direção, o legítimo desejo de ter um filho não pode ser transformado em um ‘direito ao filho’ que não respeita a dignidade deste mesmo filho, como destinatário do dom gratuito da vida”, aponta o texto, que argumenta que a barriga de aluguel viola também “a dignidade da mulher que é obrigada ou que decide livremente submeter-se a tal prática”.
“Com esta, a mulher se separa do filho que nela cresce e se torna um simples meio, sujeito ao lucro ou ao desejo arbitrário de outrem. Isso afronta totalmente a dignidade fundamental de todo ser humano e o seu direito de ser sempre reconhecido por si mesmo e não como instrumento para outros fins”, sustenta o Dicastério para a Doutrina da Fé.
Eutanásia e suicídio assistido
A declaração também se opõe a essas duas práticas, que têm se disseminado por países do Ocidente.
O Dicastério para a Doutrina da Fé as descreve como “um caso particular de violação da dignidade humana que é mais silencioso, mas que está ganhando muito terreno” e que “utiliza um conceito errado de dignidade humana para fazê-lo voltar-se contra a própria vida”, ao designá-las como “leis da morte digna”.
“É muito difusa a ideia que a eutanásia e o suicídio assistido sejam coerentes com o respeito à dignidade da pessoa humana. Diante desse fato, deve-se reafirmar com força que o sofrimento não faz perder ao doente aquela dignidade que lhe é própria de modo intrínseco e inalienável, mas pode tornar-se ocasião para reforçar os vínculos da mútua pertença e para tomar maior consciência da preciosidade de cada pessoa para a humanidade inteira”, destaca o texto.
O Dicastério para a Doutrina da Fé argumenta que a dignidade do doente em condições críticas ou terminais “requer esforços adequados e necessários para aliviar o seu sofrimento mediante os oportunos cuidados paliativos, evitando toda obsessão terapêutica ou intervenções desproporcionais”.
“Mas tal esforço é totalmente diverso, distinto, antes contrário à decisão de eliminar a própria vida ou a vida de outrem sob o peso do sofrimento”, explica.
“A vida humana, mesmo em uma condição de dor, é portadora de uma dignidade que deve ser sempre respeitada, que não pode ser perdida e cujo respeito permanece incondicionado. Não existem determinadas condições, em falta das quais a vida humana deixe de ser dignamente tal e por isso possa ser suprimida”, afirma o Dicastério para a Doutrina da Fé, que também denuncia o “descarte das pessoas com deficiência”.
Teoria de gênero e mudança de sexo
No trecho em que fala da chamada teoria ou ideologia de gênero, o texto enfatiza “que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, cuidando de evitar ‘toda marca de injusta discriminação’ e particularmente toda forma de agressão e violência’”.
Porém, “em mérito à teoria de gênero”, a Igreja “recorda que a vida humana, em todos os seus componentes, físicos e espirituais, é um dom de Deus, que se deve acolher com gratidão e colocar a serviço do bem”.
“Querer dispor de si, como prescreve a teoria de gênero, independentemente desta verdade basilar da vida humana como dom, não significa outra coisa senão ceder à antiquíssima tentação do homem que se faz Deus e entrar em concorrência com o verdadeiro Deus do amor, revelado no Evangelho”, sustenta o Dicastério para a Doutrina da Fé, que argumenta que a teoria de gênero tenta “negar a maior das diferenças possíveis entre os seres viventes: a diferença sexual”.
“Tal diferença fundante é não só a maior, mas a mais bela e a mais potente: na dualidade homem-mulher, ela alcança a mais admirável reciprocidade e é assim a fonte daquele milagre, que não deixa de surpreender-nos, que é a chegada de novos seres humanos ao mundo”, afirma.
“Neste sentido, o respeito ao próprio corpo e ao dos outros é essencial diante da proliferação dos pretensos novos direitos, propostos pela teoria de gênero [...]. Devem-se rejeitar todas aquelas tentativas de obscurecer a referência à insuprimível diferença sexual entre homem e mulher”, diz o texto, que também se opõe a procedimentos para mudança de sexo.
“Sobre a necessidade de respeitar a ordem natural da pessoa humana, papa Francisco ensina que ‘a criação nos precede e deve ser reconhecida como dom. Ao mesmo tempo, somos chamados a cuidar da nossa humanidade e isso significa em primeiro lugar respeitá-la e aceitá-la assim como foi criada’. Daqui deriva que qualquer intervenção de mudança de sexo normalmente se arrisca a ameaçar a dignidade única que a pessoa recebeu desde o momento da concepção.”
Outros pontos
O documento do Dicastério para a Doutrina da Fé sobre violações da dignidade humana lista uma série de outros pontos: violência digital (“basta pensar em como é fácil, através destes meios de comunicação, pôr em risco a boa reputação de qualquer pessoa com notícias falsas e calúnias”), violências contra as mulheres (entre elas, “a coerção ao aborto, que atinge tanto a mãe como o filho, tantas vezes para satisfazer o egoísmo dos homens”, e também a poligamia e os feminicídios, e pede “que seja promovida uma legislação e uma cultura de repúdio a todas as formas de violência”) e o aborto.
O texto lamenta “a difusão de uma terminologia ambígua, como ‘interrupção da gravidez’, que tende a esconder a sua verdadeira natureza e atenuar sua gravidade na opinião pública”.
Outros pontos elencados pelo Dicastério para a Doutrina da Fé são “a distribuição desigual das riquezas”, a guerra (“ainda mais grave no nosso tempo, em que se tornou normal que, fora do campo de batalha, morram tantos civis inocentes”), o abuso sexual, o tráfico de seres humanos, o comércio de órgãos e tecidos humanos, a exploração sexual de rapazes e moças e o trabalho escravo, incluindo a prostituição.
Outros pontos mencionados são o tráfico de drogas e de armas, o terrorismo, o crime organizado internacional e as “condições de trabalho ignominiosas”. (Com Agência EFE)
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