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Em 18 de fevereiro, Taiwan decidiu relaxar as restrições que havia imposto à importação de alimentos produzidos em Fukushima, se juntando a uma série de países que retiraram os controles de compra mais rígidos à produção de frutas, vegetais e pescados da província japonesa. A mudança ocorreu às vésperas dos 11 anos do acidente nuclear de Fukushima, o pior desde Chernobyl.
Logo após a tragédia, 55 países, incluindo Brasil e Estados Unidos, colocaram restrições sobre os alimentos de Fukushima, argumentando que a comida produzida na região afetada tinha sido exposta à radiação e, portanto, não era segura para consumo. Com o passar dos anos e com os esforços do governo japonês e da província em descontaminar a área e monitorar os níveis de radiação da produção local, a lista diminuiu para 14 países ou regiões (o Brasil revogou as limitações de importação em 2018 e os EUA, no ano passado). Coreia do Sul e China são vizinhos que ainda mantêm restrições.
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O terremoto, o tsunami e o acidente nuclear causaram grandes prejuízos para a agricultura e a pesca do Japão na região nordeste do país. Em 2011, a exportação de produtos agrícolas de Fukushima caiu 90%, comparado ao ano anterior. Os números começaram a melhorar principalmente a partir de 2015 e em 2017 o volume exportado (em toneladas) já era maior do que o de 2010.
A retomada da produção ocorreu em 70% das terras agricultáveis, segundo informou o governo da província. Entretanto, nos 12 municípios mais impactados, até março de 2021 (dado mais recente), apenas 38% das lavouras tinham sido liberadas para o plantio. De acordo com o governo da província, devido ao processo de descontaminação (que em alguns casos requer a remoção do solo superficial) e ao longo tempo sem cultivo, o solo encontra-se, muitas vezes, deteriorado, com aparecimento de pedras, desníveis de terra e outros problemas. Isso requer um esforço dos agricultores para a recuperação funcional das terras de maneira uniforme.
Além disso, os preços do arroz e do pêssego, principais alimentos produzidos em Fukushima, ainda estão abaixo da média nacional, devido ao impacto negativo do acidente à imagem desses alimentos junto à opinião pública – embora tenham se recuperado com o passar dos anos.
O setor pesqueiro também está retomando suas atividades aos poucos. Os dados mais recentes disponíveis, de 2020, indicavam que a produção estava em 18% do nível pré-desastre – ou 36%, se incluída na conta a pesca offshore. Uma das preocupações do setor é que o anúncio da liberação da água tratada na usina de Fukushima-Daiichi no oceano possa prejudicar os esforços para melhorar a imagem dos pescados da região, mesmo que os níveis de trítio, um isótopo radioativo de hidrogênio presente mesmo na água tratada da usina, estejam abaixo do recomendado pela Organização Mundial de Saúde para água potável.
Outro desafio que o setor primário enfrenta na região é a falta de mão de obra. Além do envelhecimento da população, muitos moradores que saíram de Fukushima, sob as ordens de evacuação, refizeram suas vidas em outros lugares e não pretendem retornar à província.
Produção de anpo-gaki é exemplo de retomada da agricultura de Fukushima
Em meio aos esforços de agricultores, cooperativas e governos para revitalizar o setor primário de Fukushima, um produto tem se destacado como o símbolo da reconstrução agrícola da província após o desastre de 11 de março de 2011: o anpo-gaki, caqui desidratado que começou a ser produzido em Fukushima há quase 100 anos.
Tradicional da região, o cultivo da fruta teve que ser interrompido completamente por dois anos após o acidente. “Na época o preço do anpo-gaki estava subindo aos poucos, porém com o acidente nuclear tivemos que parar com a produção, com isso acabamos perdendo para os concorrentes de outras regiões, e os preços continuaram baixos”, conta a sra. Tamiko Suda, produtora de anpo-gaki.
O cultivo do caqui foi retomado em 2014, após a descontaminação das árvores e a implementação de um sistema de análise de radioatividade que mede a concentração de césio no alimento. Essa inspeção é feita quando o fruto está se formando, antes da colheita e após a embalagem. No primeiro ano de retomada foram produzidas 200 toneladas, em comparação com as 1,6 mil produzidas em 2010. Em 2020, a produção chegou a 84% do volume pré-desastre. A área de cultivo atualmente é de cerca de 700 hectares.
Segundo a secretaria de agricultura de Fukushima, qualquer anpo-gaki com um nível de césio radioativo acima de 50 Bq/kg (Becquerels por quilo) é descartado – no Japão, o limite para alimentos em geral é de 100 Bq/kg, bem inferior aos 1.000 Bq/kg permitidos nos Estados Unidos. Em 2020, apenas 0,003% dos anpo-gakis não passaram no teste.
Ainda em 2016, foi colocado em operação na cidade de Date o Centro de Promoção de anpo-gaki, equipado com instalações automatizadas de processamento, embalagem e seleção. Além de promover a região produtora, o investimento também serviu para amenizar os problemas causados pelo envelhecimento dos produtores e falta de mão de obra.
O governo local também está lançando mão de várias iniciativas para promover o anpo-gaki e outros alimentos cultivados na província para aumentar a confiança dos consumidores, desde vídeos promocionais até um programa de certificação de boas práticas na agricultura e o fornecimento de produtos para os jogos olímpicos e paraolímpicos de Tóquio 2020. Em uma loja de produtos regionais de Fukushima em Tóquio (Midette), o diretor do negócio, sr. Oyama, contou que muitos moradores da capital japonesa passaram a comprar os produtos da região como forma de ajudar a população afetada pelo desastre.
São cerca de 850 produtores de anpo-gakis em Fukushima que confiam que têm a missão de manter as técnicas e a tradição de cultivo que aprenderam com seus antepassados.
“O trabalho de colheita é tão divertido quanto um festival”, diz a sra. Suda. “[Continuar a produção do anpo-gaki] é importante e pode aumentar a conscientização sobre a entrega de comidas deliciosas aos consumidores”.
Esta é a terceira reportagem de uma série de três sobre a revitalização de Fukushima e os desafios do governo japonês após o grande terremoto e o acidente nuclear de 2011. A primeira e a segunda podem ser acessada aqui e aqui.