O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, revelou em livro que acaba de ser publicado no Uruguai e na Argentina detalhes de conversas que manteve com presidentes da região, revelando uma relação entre os presidentes, incluindo Dilma Rousseff, que vai além da diplomacia convencional.
Em “Uma oveja negra al poder”, Mujica conta que sugeriu a Nicolás Maduro que convocasse a eleição presidencial com Hugo Chávez (morto em 2013) ainda vivo.
“Tem que convocar as eleições agora, antes que Chávez morra”, disse Mujica a Maduro durante uma visita a Caracas, quando participou da cerimônia de posse interina de Maduro na presidência. “Se fizer isso agora, é impossível que perder [a eleição], mas depois não se sabe o que poderia acontecer”.
“Fidel e Raúl [Castro] me disseram o mesmo”, lhe respondeu Maduro, segundo relato do uruguaio.
Maduro não seguiu os conselhos dos colegas e, após a morte do líder venezuelano, levou meses até convocar as eleições. No livro, os jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz dizem que Maduro ganhou por uma diferença pequena e iniciou um mandato complicado.
O uruguaio revela ainda críticas ao atual momento da Venezuela. “Maduro é um bom tipo, mas tem a síndrome de Chávez. Fala, fala, fala como Chávez em vez de criar seu próprio estilo, uma outra coisa”, diz Mujica no livro.
“Há um problema de prática política que ele custa entender. Não se pode confundir desejos com a realidade. Não sei de que merda serve nacionalizar alguma coisa se depois não pode manejá-la. Quando começamos a relação com a Venezuela, eles não importavam arroz. Agora lhes mandamos navios cheios de arroz. Foram para trás, não é possível acreditar nisso”, prosseguiu o ex-mandatário do Uruguai.
Em uma outra parte do livro, Mujica revela que a presidente Dilma Rousseff agiu em segredo para o afastamento do Paraguai do Mercosul, em 2012.
Mujica conta que o Congresso paraguaio foi o único a se opor à entrada da Venezuela no bloco e que o então presidente Fernando Lugo bancou o sinal verde ao país.
Poucos meses depois, o senado paraguaio iniciaria um julgamento político contra Lugo e o destituiria do cargo. Os países do Mercosul defenderam o afastamento do Paraguai do bloco, mas Mujica diz que ele não estava totalmente convencido da decisão.
Ele então revela uma reunião secreta convocada por Marco Aurélio Garcia em Brasília. O assessor presidencial, segundo Mujica, mandou um avião buscar um emissário uruguaio para conversar com Dilma. Queria evitar holofotes e o encontro dos dois presidentes poderia chamar atenção.
O emissário se encontrou em segredo com a presidente brasileira, que não deixou que ele nem anotasse o que era conversado. “Essa reunião nunca existiu”, teria dito Dilma ao representante de Mujica.
A presidente então mostrou fotos, gravações e informes dos serviços de inteligência brasileiro, venezuelano e cubano que comprovam que havia sido sinalizado um golpe de Estado contra Fernando Lugo.
Segundo relata o livro, Dilma falava que um grupo de “mafiosos” assumiram o poder após a queda de Lugo. “O Brasil precisa que o Paraguai fique fora do Mercosul para, dessa maneira, apressar as eleições no país”, disse Dilma ao mensageiro de Mujica.
Na semana seguinte, início de julho de 2012, os presidentes do Mercosul se reuniram na Argentina e decidiram pela suspensão do Paraguai. As eleições vieram meses depois. “Uma vez mais primaram as relações pessoais. Como agem as pessoas que administram os países também se constrói a História”, refletem os autores.
Na ocasião, Mujica fez declarações defendendo que o “político estava acima do jurídico”, ao tratar do afastamento do Paraguai, e isso lhe rendeu críticas dentro do próprio país.
A relação de Mujica com a presidente argentina Cristina Kirchner nunca foi das melhores, mas piorou depois que vazou um comentário feito pelo uruguaio: “A velha é pior do que o vesgo”.
Mujica conta no livro que a relação dos dois ficou estremecida depois do episódio, do qual ele se desculpou com uma carta.
Em 2013, após esse episódio, os dois presidentes entrariam no auge de sua desavença, quando a Argentina quis barrar a produção de celulose em uma fábrica uruguaia nas margens do Rio da Prata.
Mujica teria se irritado com Cristina, que por sua vez expôs o motivo da desavença. “Teremos eleições [legislativas] em pouco tempo, Pepe, e não estamos dispostos a abandonar a luta contra a poluição. É muito importante para nós”, disse Cristina, segundo relato do uruguaio.
“E o que pensa? Que é a única que tem eleições?”, disparou Mujica. “Já está claro que a poluição é apenas uma desculpa, não aguento mais”. Cristina ameaçou ingressar em um processo contra o Uruguai no tribunal internacional de Haia, mas não foi adiante.
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