No Afeganistão, apenas 2 em cada 5 pessoas sabem ler. Mas, mesmo assim, o comércio dos livros está cada vez mais aumentando| Foto: MAURICIO LIMA/NYT

As nozes vêm do Irã e as frutas frescas do Paquistão, apesar de serem cultivadas no Afeganistão em abundância. Os anos de ajuda financeira externa produziram salários elevados, destruindo as indústrias locais e o resultado é que a única coisa que o país não importa é ópio.  

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E livros.  

Em uma época em que editoras sofrem em muitos países, nos últimos três anos as do Afeganistão floresceram, apesar das taxas locais de alfabetização cronicamente baixas: apenas 2 em cada 5 adultos sabem ler. Quem sabe, porém, parece estar fazendo isso com impressionante regularidade, apesar e por causa da violência no país, especialmente nos últimos tempos.  

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Em uma sociedade turbulenta e complicada, os livros se tornaram a melhor opção de fuga disponível.  

"Acho que em qualquer lugar, mas talvez especialmente os que estão em guerra, a leitura de um livro cria uma pausa do cotidiano e isola o leitor de seu ambiente. É um fenômeno poderoso em qualquer lugar, mas no Afeganistão pode ser um meio de sobrevivência emocional", disse Jamshid Hashimi, que dirige uma biblioteca on-line e é cofundador do Clube do Livro do Afeganistão.  

Não é surpresa que as editoras ganhem dinheiro com isso. O mais notável é que uma parte importante do desenvolvimento socioeconômico afegão esteja acontecendo sem ajuda externa direta ou consultores estrangeiros.  

"É um processo gerado e conduzido exclusivamente por afegãos", disse Safiullah Nasiri, um dos quatro irmãos que dirigem a Aksos, editora que também possui várias livrarias em Cabul. Seu comentário foi deliberado, utilizando o jargão da comunidade internacional sobre a passagem das instituições dominadas pelos ocidentais para o controle afegão.  

"É realmente um momento emocionante para o setor livreiro aqui. Todos os editores estão atrás de novos livros para publicar, os jovens querem encontrar novos livros para ler, escritores estão em busca de editores. É uma atmosfera dinâmica. E é independente, sem assistência estrangeira", disse Nasiri.  

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Cabul, a capital do país, com uma população crescente de mais de 5 milhões, tem 22 editoras de livros, muitas com gráfica própria, outras usando gráficas locais. Várias estão espalhadas pelas 34 províncias, mesmo em áreas de guerra, como Helmand e Kandahar.  

No ano passado, especialmente, muitas se expandiram, abrindo centros de distribuição no território nacional e abrindo suas próprias livrarias ou trabalhando com consignação com as independentes. Cabul tem 60 livrarias oficiais, de acordo com o governo.  

Passado difícil

Nem sempre foi assim. Durante o reinado de Talibã, de 1996 a 2001, apenas duas editoras sobreviveram: a do estado e uma empresa privada, a Editora Aazem. No final de 2001, a única livraria independente ficava no Hotel Intercontinental, local de um recente ataque mortal.  

Nos anos após a invasão liderada pelos EUA, livros impressos mais baratos e descaradamente pirateados do Paquistão eram tão difundidos pelo país quanto as frutas e as verduras nas feiras de Cabul.  

O novo governo do Afeganistão assumiu a enorme tarefa de reconstruir o sistema educativo, dilacerado por décadas de guerra civil, seguidas por cinco anos do regime Talibã, que fechou escolas e destruiu livros de língua estrangeira – ou seja, milhões de livros didáticos impressos no Paquistão. Porém, quando a relação entre os dois países azedou, o governo passou os contratos para algumas grandes editoras afegãs.  

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A ajuda externa patrocinou o sistema escolar, e então o setor de livros didático incentivou a indústria de publicação de livros. Milhões precisaram ser impressos em um curto período de tempo, por isso a Aazem e algumas outras empresas investiram em suas próprias gráficas, que ficavam ociosas quando a temporada de publicação didática acabava. A partir disso, as novas editoras começaram a traduzir livros ocidentais do inglês para o dari e o pachto, as duas principais línguas locais.  

Outras editoras surgiram, alugando as gráficas das empresas maiores.  

"Havia muita curiosidade, o desejo de conhecer o mundo e saber como as pessoas veem o Afeganistão. A indústria do livro é um fenômeno crescente que tenta satisfazê-lo", disse Davood Moradian, diretor-geral do Instituto Afegão de Estudos Estratégicos, organização de pesquisa cujo campus pitoresco, o Forte das Nove Torres, é o local preferido para os eventos de novos lançamentos.  

Os primeiros livros publicados aqui eram títulos de não ficção sobre o Afeganistão, escritos por autores ocidentais, e venderam tão bem que isso acabou criando uma disputa por negócios. Livros como "Ghost Wars: The Secret History of the CIA, Afghanistan and Bin Laden From the Soviet Invasion to September 10, 200", de Steve Coll, e "The Envoy: From Kabul to the White House, My Journey Through a Turbulent World", de Zalmay Khalilzad, entraram para a lista dos mais vendidos aqui.  

"Havia uma demanda reprimida imensa de muitos anos sem livros novos", disse o Dr. Ajmal Aazem, pediatra cujo pai fundou a editora que leva seu nome. A Aazem está publicando obras o mais rapidamente possível, limitando-se apenas pela falta de tradutores qualificados do inglês para as línguas locais. A meta de 2017-18 da editora é imprimir três novos títulos por dia, 1.100 por ano, número enorme para qualquer editora.  

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Clientes na Aksos, uma editora que tem várias livrarias em Cabul, Afeganistão 

Sua sede é enfeitada com cartazes em tamanho natural das capas de livros recentes, e a livraria está cheia de volumes dispostos artisticamente em pilhas helicoidais ou exibidos nas estantes com versões em inglês e persa. O chão da loja foi erguido para acomodar as prensas no andar abaixo, fazendo uma espécie de plataforma com poltronas confortáveis.  

Lançar um livro no idioma original é muito mais rápido do que traduzi-lo, por isso as maiores editoras começaram a encomendar obras originais pela primeira vez em muitos anos. A Aksos até começou uma espécie de versão afegã da Amazon, vendendo livros através de sua página no Facebook, entregando-os no mesmo dia pelos correios por cerca do equivalente a US$0,50 por exemplar em Cabul. Os afegãos muitas vezes não têm conexão com a internet nem computadores pessoais em casa, mas os jovens educados geralmente têm Facebook no smartphone. 

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Pirataria

A pirataria permanece endêmica. Recentemente, mesmo alguns dos títulos da própria livraria da Aksos eram cópias piratas de livros populares.  

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Os editores estão preocupados:

"Normalmente, vendo mil cópias de vários de nossos livros, e os piratas vendem quatro mil exemplares da mesma obra a preços mais baixos. O governo precisa se esforçar mais para evitar isso", disse Aazem.  

As autoridades começaram a fazer cumprir as leis dos direitos autorais, há muito tempo ignoradas, de acordo com Sayed Fazel Hossain Sancharaki, responsável pelas editoras no Ministério da Informação e Cultura. "Nos últimos quatro meses, tivemos quatro ou cinco casos de direitos autorais", disse ele. Uma loja de fotocópias foi fechada recentemente pelo governo por estar copiando livros impressos.  

Editoras e vendedores de livros de Cabul estão florescendo - e alimentando a necessidade que os afegãos têm de ‘escapar’ 

Percebendo que "The Envoy", o livro de memórias de 2016 de Khalilzad, o afegão-americano que foi embaixador dos EUA no Afeganistão e no Iraque, venderia bem aqui, Aazem se apressou em adquirir os direitos de publicação em dari e pachto. Ele estava determinado a oferecer um livro de melhor qualidade a um preço menor e inundar o mercado, antes que os piratas pudessem fazê-lo, mas a Aksos conseguiu publicar primeiro uma versão em pachto, sem ter direito a isso, vendendo mil cópias em três dias, segundo ele.  

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Nasiri, o proprietário da Aksos, que também traduz um título novo por semana, mais ou menos, negou que a sua empresa publique livros pirateados. E, também, reclamou da pirataria. 

"Temos a lei de direitos autorais no Afeganistão, mas parece que ninguém sabe disso. É um problema sério."  

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