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Um policial acompanha caixões contendo duas vítimas de ebola ao entrar no cemitério em Butembo, 16 de maio. A cidade de Butembo está no epicentro da crise do ebola, mais de 1000 pessoas já morreram neste surto da doença na República Democrática do Congo
Um policial acompanha caixões contendo duas vítimas de ebola ao entrar no cemitério em Butembo, 16 de maio. A cidade de Butembo está no epicentro da crise do ebola, mais de 1000 pessoas já morreram neste surto da doença na República Democrática do Congo| Foto: JOHN WESSELS / AFP

Alguns médicos que trabalham no combate do segundo surto de ebola na história têm medo de usar trajes médicos.

Eles mascaram suas identidades para evitar assédio e violência na República Democrática do Congo, onde a epidemia está se espalhando no ritmo mais rápido desde que começou em agosto – e onde a desinformação desenfreada alimenta a desconfiança em estrangeiros em trajes médicos. A Organização Mundial da Saúde registrou 119 ataques este ano contra profissionais de saúde. Oitenta e cinco foram feridos ou mortos.

O medo está mudando as táticas entre trabalhadores da ajuda humanitária, que se propuseram a convencer as comunidades de que o ebola é real e que estavam lá para ajudar a acabar com ele. Agora, alguns são mais discretos na sua missão em público, trocando jalecos brancos por roupas comuns e veículos utilitários esportivos que chamam a atenção por motos que se misturam ao trânsito.

"Nossa equipe tem que mentir sobre ser médicos para poder tratar as pessoas", disse Tariq Riebel, diretor de resposta a emergências na República Democrática do Congo para o International Rescue Committee (IRC), um grupo de ajuda global.

E a violência dificulta o esforço de resposta de forma mais direta: as infecções por ebola tendem a aumentar após os ataques, dizem os especialistas, porque os socorristas são forçados a se proteger e suspender a distribuição de vacinas que aumentam a imunidade.

Ataques impedem o fim do surto

O número de mortes no país da África Central chegou a 1.136 nesta semana, disseram autoridades do governo. A contagem de infecções, por sua vez, subiu para 1.632 – com mais 88 casos suspeitos, informou o Ministério da Saúde da República Democrática do Congo. Estão aumentando as preocupações de que a crise na província congolesa de Kivu do Norte possa se tornar tão letal quanto a batalha da África Ocidental contra a febre hemorrágica de 2013 a 2016, que matou 11.310 pessoas em três países.

"A tragédia é que temos os meios técnicos para parar o ebola, mas até que todas as partes parem com os ataques, será muito difícil acabar com esse surto", twittou o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em 10 de maio.

Um ataque em abril em um hospital matou um epidemiologista camaronês na cidade de Butembo, o atual ponto central do surto. O assassinato levou centenas de médicos e enfermeiros congoleses às ruas. Eles ameaçaram fazer greve se o prefeito não os apoiasse com maior segurança.

Mas em seguida veio uma série de ataques.

Uma equipe da OMS foi atacada no início de maio depois de enterrar uma vítima do ebola. Cinco dias depois, dezenas de homens armados invadiram o bairro da equipe e trocaram balas com forças de segurança perto de suas casas temporárias.

Riebel, que supervisiona uma equipe de cerca de 100 funcionários do IRC em Goma, disse que sua equipe teve que suspender os tratamentos na semana passada depois de se proteger de tiros em ruas próximas.

Os médicos não usam seus uniformes em público porque as pessoas jogam pedras neles, ele disse, e eles pararam de dirigir SUVs pela cidade. Motos atraem menos atenção. "Quando nossos médicos tentam encontrar moradia", ele disse, "alguns dizem que são advogados".

Desinformação

Depois que agressores mataram o epidemiologista Richard Valery Mouzoko Kiboung, da OMS, em abril, uma autoridade da cidade disse à agência de notícias Associated Press que combatentes armados acreditavam que agentes de saúde estrangeiros haviam iniciado a epidemia da República Democrática do Congo.

"Segundo testemunhas no local, esses milicianos queriam que todos os estrangeiros fossem para casa porque, segundo eles, o ebola não existe em Butembo", disse Patrick Kambale Tsiko, vice-prefeito de Butembo. "Eles disseram que continuarão se esses estrangeiros não retornarem o mais rápido possível".

Autoridades dos EUA estão avaliando o papel norte-americano na contenção da crise depois de enviar uma delegação – incluindo Tim Ziemer, administrador assistente interino da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional – à República Democrática do Congo neste mês para se encontrar com especialistas em ebola, disse o porta-voz da USAID Tom Babington por email.

Segurança para as equipes

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) retiraram especialistas em ebola do Kivu do Norte no ano passado depois que um grupo armado atacou um posto militar congolês ao longo de uma estrada perto de onde a equipe estava viajando.

O CDC tem 17 pessoas nas cidades de Kinshasa e Goma, mas espera expandir sua equipe de resposta na República Democrática do Congo para 40, disse o diretor do CDC, Robert Redfield, em uma entrevista na quarta-feira. O momento dependerá da aprovação do Departamento de Estado de precauções de segurança para esses especialistas.

"A resposta ao surto não está sendo bem-sucedida apesar de todos os esforços", disse ele.

Redfield disse que a equipe adicional será enviada para Goma devido à expectativa de novos casos na cidade, que abriga mais de 1 milhão de pessoas e tem voos diretos para importantes centros de trânsito, incluindo a capital etíope de Addis Ababa e Entebbe, em Uganda.

Redfield disse que um plano de longo prazo precisa ser implementado, o que pode levar até dois anos. "Nós cometemos um erro subestimando a complexidade deste surto", disse ele.

Especialistas pedem que a comunidade global invista mais recursos na luta da República Democrática do Congo. "Estamos em um ponto de ruptura", disse Stephen Morrison, vice-presidente sênior do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, que monitorou o surto. "Os ataques violentos estão vencendo e as infecções não são detectadas."

A desconfiança e o derramamento de sangue tomaram conta da República Democrática do Congo desde que o conflito cruzou a fronteira do genocídio em Ruanda de 1994. A fome, a falta de medicamentos e empresas estrangeiras que exploram os recursos naturais da região – ao mesmo tempo em que pagam milícias para proteção – exacerbaram as tensões.

Mais de 140 grupos armados operaram no ano passado nas províncias de Kivu do Norte e do Sul, de acordo com um relatório de 2019 da Human Rights Watch.

A OMS decidiu duas vezes que não iria declarar o surto uma emergência internacional de saúde pública, como aconteceu com a epidemia de ebola que assolou a Libéria, Serra Leoa e Guiné.

"Precisamos chamar a situação do que ela é", disse Jennifer Nuzzo, pesquisadora do Centro Johns Hopkins para a Segurança da Saúde. "Os países serão forçados a agir se o surto atravessar as fronteiras [do Congo], mas, a essa altura, o custo da resposta será muito maior e as perspectivas de contenção serão muito mais difíceis."

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