O Senado argentino debatia intensamente nesta sexta-feira à noite a polêmica Lei da Mídia com a qual a presidente Cristina Kirchner poderia reduzir drasticamente a atuação dos canais de TV e estações de rádio. O debate, iniciado às 11h, transformou-se numa maratona de acusações entre o governo e representantes da oposição. Estes afirmaram que o governo havia "comprado" com verbas especiais os votos de diversos senadores opositores.
Essas suspeitas cresceram com a súbita mudança de posição de vários parlamentares, que declararam que deixavam de lado suas críticas ao projeto e que passavam a respaldar a lei da presidente Cristina. O governo contra-atacou as suspeitas de corrupção, acusando os representantes da oposição de defender os "monopólios" de comunicação.
"Este projeto de lei viola os princípios constitucionais", afirmou o senador opositor Carlos Reutemann, um dos líderes do peronismo dissidente e ex-piloto de Fórmula Um. Seu colega governista, Nicolás Fernández, defendeu a lei e sustentou que propiciaria "pluralidade" nos meios de comunicação.
Tudo indicava que o governo conseguiria a aprovação do projeto com mais de 40 votos do total de 72 parlamentares no Senado. A oposição, sem esperanças, esperava pelo menos conseguir algumas alterações no projeto de lei. Caso as modificações fossem aprovadas, o projeto voltaria à Câmara de Deputados. No entanto, representantes do governo afirmavam nesta sexta-feira à tarde que contavam com força suficiente no plenário para impedir eventuais alterações no projeto.
Do lado de fora do edifício do Congresso Nacional milhares de piqueteiros aliados do governo manifestavam-se com bumbos e faixas a favor da aprovação do projeto de lei, que terá caráter retroativo e abrirá espaço para sindicatos, ONGs e a Igreja Católica, além de universidades públicas.
A lei impedirá que qualquer rede privada de TV possa ter presença nacional, já que restringe os canais de TV a cobrir apenas 35% da população argentina. Outro ponto polêmico da lei é o impedimento aos grupos de mídia de manter um canal de TV aberta de forma simultânea a um canal de TV a cabo. Além disso, a lei determina que as licenças para canais de TV em cidades maiores de 500 mil habitantes serão concedidas diretamente pelo próprio governo.
Revanche
Senadores que foram alvo da imprensa ao longo das últimas duas décadas, apesar das divergências ideológicas com a presidente Cristina, optaram por apoiar o governo contra os meios de comunicação. Esse foi o caso de Ramón Saadi, cujos amigos foram envolvidos em 1991 em um dos assassinatos mais famosos da Argentina, o da adolescente María Soledad. Saadi, governador de Catamarca na época, sofreu a intervenção federal da província.
O senador Carlos Salazar, do direitista Força Republicana, cujo padrinho político foi o general Antonio Bussi, acusado de torturas e assassinatos durante a última ditadura militar (1976-83), também declarou seu apoio circunstancial ao governo. Salazar declarou-se indignado pela "perseguição" da mídia a seu mentor.
Além da revanche contra a imprensa, diversos senadores, segundo denúncias da oposição, teriam recebido promessas do governo de fundos especiais para Terra do Fogo, Neuquén e Corrientes - províncias com graves problemas financeiros -, além de garantias de impunidade para governadores em problemas com a Justiça (o caso de Arturo Colombi, de Corrientes).
Papel
O governo evitou declarações sobre a denúncia realizada pelos jornais "Clarín" e "La Nación" de que pretende intervir na empresa Papel Prensa, a única fabricante de papel para jornal da Argentina. Segundo os periódicos, o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, em uma reunião com diretores da empresa - controlada pelo "Clarín" (49% das ações), o "La Nación" (22,49%) e o Estado argentino (27,46%) - ameaçou "quebrar as colunas vertebrais e arrancar os olhos" de quem ousasse contar o plano do governo de forçar uma queda da cotação das ações da Papel Prensa ou de confiscá-la. Líderes da oposição sustentaram que a eventual intervenção da Papel Prensa consistiria em "um ataque final à liberdade de expressão no país".