Enquanto as embaixadas da maioria das nações promovem os interesses das empresas nacionais, as da Coreia do Norte trabalham para si mesmas. Uma série de sanções duras das Nações Unidas e uma ordem executiva assinada recentemente pelo presidente Donald Trump procuraram isolar economicamente o regime de Kim Jong-un, que possui armas nucleares. Mas Pyongyang ainda mantém uma série de empreendimentos lucrativos, alguns operando em cerca de 40 embaixadas do país ermitão.
Muitos desses empreendimentos são difíceis de rastrear, mas pelo menos um é impossível de ignorar. Há anos, vizinhos reclamam do barulho que vem de um prédio grande e cercado na região sul da capital da Bulgária. No edifício acontecem festas algumas vezes por semana, várias delas iluminadas por uma chuva de fogos de artifício no final da noite, disparados do telhado.
"Não está barulhento agora. Mas se eles pagaram pelos fogos de artifício, teremos fogos de artifício", disse um vizinho, Bonka Nikolova, enquanto vários convidados de um casamento entravam no prédio.
Nikolova já chamou a polícia, mas eles não têm poder para fazer muita coisa. O prédio, que possui vários salões dourados que podem ser alugados para eventos, goza de uma espécie de imunidade diplomática como cortesia de seu dono: o governo da Coreia do Norte.
As embaixadas da Coreia do Norte passaram décadas executando esquemas de arrecadação de dinheiro, quase todos ilícitos, de acordo com o direito internacional atual. Os diplomatas e seus subordinados negociavam acordos de armas e drogas e produtos mais comuns como ferramentas e vacas. Eles também contrabandeavam bebidas alcoólicas, cigarros, carros de luxo e qualquer outra coisa que pudesse ser importada sem impostos e depois vendida com lucro.
"Meu falecido sogro foi embaixador e me contou que na Índia, anos atrás, era conhecida do meio diplomático a história de que se você quisesse comprar carne, poderia bater na porta dos fundos da Embaixada da Coreia do Norte em Délhi. Eles tinham um abatedouro no porão", conta Marcus Noland, que estuda a Coreia do Norte e é vice-presidente executivo do Instituto Peterson de Economia Internacional.
Ganhar dinheiro é uma necessidade das embaixadas já que a Coreia do Norte não paga nenhuma de suas contas. Em vez disso, espera-se que elas se sustentem e mandem qualquer dinheiro excedente para casa.
Transações
Apesar das sanções, a Coreia do Norte obteve US$6,5 bilhões por meio de negócios no ano passado. Os analistas estimam que as receitas das embaixadas representem uma quantia pequena em comparação com outros empreendimentos estrangeiros de baixo desempenho exportados pelo país.
Entre eles estão equipes de guarda-costas alugadas a ditadores que não confiam em seus próprios cidadãos, trabalhadores mandados para tarefas em todo o mundo e que precisam remeter seus salários de volta para a coreia do Norte e empresas do governo que exportam mísseis balísticos e outras armas para países como a Síria.
Em alguns casos, os diplomatas se envolvem em acordos sobre armas. O terceiro secretário privado da embaixada norte-coreana em Pequim também era funcionário da Haegeumgang Trading Co. A empresa, segundo um relatório das Nações Unidas, fornecia mísseis e sistemas de radar para Moçambique. A Haegeumgang também vendia ferramentas, e em 2014 uma propaganda desses produtos em um site chinês mostrava a sede da empresa no mesmo endereço da embaixada da Coreia do Norte em Pequim.
O Ministério de Negócios Estrangeiros da China não respondeu às questões enviadas.
Dublês de empreendedores
Os diplomatas norte-coreanos têm sido dublês de empreendedores desde pelo menos 1976. Naquele ano, a polícia da Noruega descobriu através de uma fiscalização que todos os membros da embaixada da Coreia do Norte em Oslo estavam envolvidos na importação e na venda de até dez mil garrafas de bebidas alcoólicas e 100 mil cigarros.
Hoje, as sanções forçaram várias embaixadas a conter suas ambições, com a intenção de se manter o mais discretas possível.
A embaixada da Coreia do Norte em Londres fica em uma casa de tijolinhos, como várias da região, em um lugar calmo em Ealing, subúrbio de Londres. A diferença é uma placa pequena, que quase não é visível do lado de fora da cerca de ferro: "Residência e escritório da embaixada da R.P.D. da Coreia".
Além dos luxuosos sedãs pretos parados na rua, raramente há sinais de vida no prédio, mesmo para os vizinhos. "Nunca vi ninguém entrar ou sair daí e estou aqui há um ano", afirma Ali Wiseman, estudante que mora em uma república a duas casas do prédio.
Seu colega de apartamento, Rupert Thomson, já viu algumas pessoas. "Vi três mulheres trabalhando no gramado da frente, mas elas evitaram olhar para mim", conta.
A maneira como a embaixada de Londres se sustenta é um mistério. Uma teoria vem de Kim Joo Il, antigo membro do exército norte-coreano que desertou e se mudou para Londres em 2007. Ele disse que frequentemente via funcionários da embaixada aos domingos em um tipo de mercado das pulgas em que as pessoas vendem tralhas no porta-malas de seus carros.
"Eles estavam sempre comprando eletrônicos, brinquedos, bonecas e apetrechos de cozinha de segunda mão. Algumas dessas coisas limpam, arrumam e revendem, e outras estão mandando para a Coreia do Norte", explicou Kim por meio de um interprete em um restaurante que possui em um subúrbio londrino.
Leste europeu
As embaixadas norte-coreanas nos países do leste europeu, onde as missões tempos atrás tinham espaços generosos, possuem um estratagema mais lucrativo. Na Polônia, existem 40 negócios listados no endereço da embaixada da Coreia do Norte em Varsóvia, incluindo uma empresa farmacêutica, várias agências de publicidade e um iate clube. Difícil saber quantas dessas empresas estão realmente funcionando.
Em Sofia, a embaixada possui vários prédios em duas propriedades. Um deles é o complexo que inclui a embaixada em si. Os visitantes podem parar em frente a uma vitrine de vidro – comum em embaixadas da cidade – repleta de fotografias. Uma captura o líder supremo olhando para a multidão, outras são de mísseis recém-lançados.
O espaço para eventos, conhecido como Terra Residence, fica a quinze minutos de caminhada para o leste. É a antiga casa do embaixador norte-coreano, construída na década de 1980 com o deslumbramento em mente, em vez do conforto. As fotos promocionais do site do Terra mostram que o interior é essencialmente uma ideia comunista de Versailles – uma série de salões imensos e austeros com candelabros, cortinas douradas e pinturas de bailarinas.
O Terra aluga o espaço para sessões fotográficas de revistas, vídeos de música e propagandas da televisão, entre elas as de um punhado de bancos nacionais e uma da versão búlgara do programa "O Aprendiz". Mas seu negócio principal são os casamentos, os bailes e os eventos corporativos.
Poucos convidados, ao que parece, sabem que estão passando a noite em uma propriedade norte-coreana. "Eu sabia que era o antigo prédio de uma embaixada, mas não tinha ideia de que era da Coreia do Norte. A atmosfera é muito agradável", afirma Bilyana Dimitrova, que foi ao casamento de uma amiga no Terra em setembro.
A assessora de imprensa do Terra, Anelia Baklova, escreveu em um e-mail que a empresa tem um contrato de aluguel de longo prazo com a embaixada da Coreia do Norte que antecede a imposição de sanções econômicas. Quando a UN aprovou sanções mais restritas, este ano e no ano passado, o Terra "congelou" seus pagamentos, contou Baklova. A empresa não foi despejada, segundo ela, por causa da "quantidade considerável de dinheiro" que gastou em reformas e manutenção.
Os e-mails mandados para a embaixada não foram respondidos.
Alguns países tiveram sucesso em acabar com negócios que alugam espaços da Coreia do Norte. Em maio, a Alemanha fechou um albergue da juventude que funcionava no que originalmente eram as habitações dos diplomatas norte-coreanos.
Os governos da Polônia e da Bulgária, porém, não conseguiram encerras as atividades suplementares. Um porta-voz do ministro de assuntos internacionais da Bulgária disse que o ministério já tocou várias vezes na questão do aluguel de espaços com as autoridades norte-coreanas no país, pedindo que "usem as propriedades de Sofia apenas para atividades diplomáticas ou consulares".
Surpreendentemente, os moradores não parecem particularmente incomodados com a ideia de viver perto de um empreendimento que contribui com dinheiro para um dos regimes reconhecidamente mais repressivos do mundo. Mas isso pode dizer mais sobre o governo da Bulgária do que sobre os perigos da Coreia do Norte.
"Quando você vive em um lugar em que é muito difícil fazer coisas triviais, não tem tempo de se preocupar com a terceira guerra mundial", garantiu Nikolova.
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