• Carregando...
Estudantes brincam em pneus pintados em frente à escola, onde os prédios são construídos com tijolos de plástico, em Abidjan, Costa do Marfim, 24 de junho de 2019
Estudantes brincam em pneus pintados em frente à escola, onde os prédios são construídos com tijolos de plástico, em Abidjan, Costa do Marfim, 24 de junho de 2019| Foto: Yagazie Emezi / The New York Times

Ela saiu de casa antes de o sol nascer. Seus quatro filhos ainda dormiam na casa de concreto em Abobo, um labirinto de lojas e casas ocupadas por trabalhadores portuários, motoristas de táxi, operários de fábricas e vendedores ambulantes.

Ela e uma amiga adentraram Angré, o bairro de classe alta onde vivem médicos e empresários, e passaram a enfiar os restos de plástico da classe consumidora em bolsas penduradas no ombro enquanto os galos cantavam e o sol iluminava as paredes das casas, cobertas de buganvílias.

Mariam Coulibaly faz parte de uma legião de mulheres em Abidjan que recolhe plásticos descartados pelas ruas da cidade e os vende para reciclagem. Agora, elas são personagens centrais de um projeto que transforma plástico em tijolos para construir escolas em todo o país.

Elas se uniram a uma empresa colombiana para converter os resíduos de plástico – uma praga da vida moderna – em um recurso capaz de ajudar as mulheres a ter uma renda decente ao mesmo tempo que limpam o ambiente e desenvolvem a educação.

Coulibaly vê na iniciativa uma oportunidade de melhorar de vida, quem sabe até ascender à classe média. "Não somos bem pagas pelos compradores atuais", disse ela. "Isso vai nos ajudar."

No ano passado, o empreendimento construiu nove salas de aula com tijolos de plástico reciclados em Gonzagueville, bairro sem planejamento na periferia de Abidjan, e em dois pequenos vilarejos agrícolas, Sakassou e Divo. As duas primeiras escolas foram erguidas com tijolos importados da Colômbia, mas, no segundo semestre, uma fábrica em Abidjan, ainda em construção, vai começar a produzir os tijolos localmente.

As novas salas de tijolos de plástico são absolutamente necessárias. Hoje em dia, algumas salas precisam comportar 90 alunos, segundo a ministra da Educação do país. A empresa responsável pela construção da fábrica, a Conceptos Plásticos, tem um contrato com o Unicef para entregar 528 salas de aula a aproximadamente 26.400 estudantes, 50 por ambiente.

No pequeno vilarejo de Sakassou, os moradores pegam água do poço com o auxílio de uma bomba de pé, criam porcos e galinhas e cozinham em fogueiras. Até este ano, a escola que as crianças frequentavam era feita de tijolos de barro e madeira. O tijolo de barro sofre erosão do sol e da chuva e precisa ser constantemente reparado.

Já as três novas salas de aula de plástico podem durar praticamente para sempre. A justaposição dos tijolos dá a aparência de peças pretas e cinzentas de Lego. Eles são retardadores de chamas e deixam o ambiente fresco no verão quente. Recentemente, os moradores usaram uma das salas com decoração alegre e colorida para organizar uma reunião da comunidade. "Isso é dez vezes melhor", elogiou Joachim Koffi Konan, diretor da escola em Sakassou.

  • Estudantes brincam em pneus pintados em frente à escola, onde os prédios são construídos com tijolos de plástico, em Abidjan, Costa do Marfim, 24 de junho de 2019
  • A diretora Tirangue Doumbia chama os alunos para a sala de aula construída com tijolos de plástico em Abidjan, Costa do Marfim, 24 de junho de 2019
  • Estudantes e moradores da vila de Sakassou ao lado de tijolos de plástico em frente à escola, na Costa do Marfim, 25 de junho de 2019
  • Uma sala de aula antiga feita de terra, em Sakassou, Costa do Marfim, 25 de junho de 2019
  • O interior da primeira sala de aula construída com tijolos de plástico, em Abidjan, Costa do Marfim, 24 de junho de 2019
  • Na comunidade de Abobo, as mulheres se reúnem para selecionar e vender os objetos de plástico, em Abidjan, Costa do Marfim, 29 de junho de 2019
  • Líderes e residentes da vila se reúnem no interior de uma das novas construções feitas com tijolos de plástico, em Sakassou, Costa do Marfim, 25 de junho de 2019
  • Membro da associação de mulheres de Abobo seleciona plásticos, em Abidjan, Costa do Marfim, 24 de junho de 2019
  • Mariam Coulibaly e mulheres da sua associação vão para o Mercado de Adjame à noite para coletar plásticos, em Abidjan, Costa do Marfim, 25 de junho de 2019
  • Estudantes espiam pela janela de uma sala de aula construída com tijolos de plástico, em Abidjan, Costa do Marfim, 24 de junho de 2019

As Mulheres Guerreiras

O projeto não teria sido possível sem as habilidades de organização de Coulibaly, presidente de uma associação comunitária que reúne 200 mulheres destemidas, chamada "The Fighting Women" (As Mulheres Guerreiras). Faz 20 anos aproximadamente que ela recolhe lixo, desde os 15. O marido é motorista de woro-woro, um serviço de táxi comunitário.

Após recolher o lixo naquela manhã recente, ela foi para casa fazer o serviço doméstico e voltou ao trabalho à noite, dessa vez no encerramento da ampla feira ao ar livre de Adjamé.

Ela e outras mulheres percorreram com destreza os becos pouco iluminados, passando pelo vendedor de peixe e pelo alfaiate ainda debruçado sobre a máquina de costura. Pegaram as bolsinhas triangulares de plástico usadas para vender pequenas quantidades de água na rua. Enquanto esperam pela inauguração da fábrica, vendem o plástico que conseguem a intermediários – a maioria homens – em um mercado de reciclagem em Abobo-Baoulé.

Em um sábado recente, um dos compradores, um ex-vendedor ambulante de inhame chamado Sidibé Moussa, pesou a colheita de plástico de cada uma pendurando-a em uma balança de bronze. Ele revende o plástico para uma fábrica que o transforma em cadeiras, sandálias e bacias. As garrafas são normalmente lavadas, preenchidas com suco e revendidas na rua.

No mercado de reciclagem, as mulheres exercem múltiplas tarefas, como secar o attiéké, um cuscuz de mandioca, em lonas de plástico espalhadas pelo chão entre palmeiras e sacos cheios de restos de plástico. As mulheres e as crianças esmagam latas de alumínio com as mãos, batendo nelas com o mesmo tipo de pilão grande de madeira usado para fazer foufou, um alimento básico feito de banana-da-terra e mandioca.

O salário mínimo oficial do país é de cerca de 25 dólares por semana, embora muitas pessoas ganhem muito menos. As mulheres afirmam ganhar entre 8,50 e 17 dólares por semana. Coulibaly usa o dinheiro para pagar a mensalidade da escola particular dos três filhos em idade escolar; eles sonham ser piloto, médico e policial.

Todas as mulheres da associação contribuem com uma quantia que, depois, é redistribuída, garantindo que até mesmo uma mulher doente tenha alguma renda.

Quando começarem a vender para a fábrica, elas poderão dobrar ou até triplicar a renda, diz a empresa. Isso porque a fábrica vai comprar tipos de plástico, como embalagens de salgadinhos e partes de aparelhos celulares, que hoje as mulheres não conseguem vender.

Alguns dos vizinhos de Coulibaly receiam que ela e as outras integrantes sejam exploradas, mas ela disse estar segura de que o projeto lhes garantirá os melhores pagamentos, equipamentos e sacos, conforme prometido. O projeto recebeu a bênção de Kandia Camara, ministra da Educação da Costa do Marfim, que argumentou que o projeto, no mínimo, vai empoderar as mulheres.

"Para nós, não é uma profissão humilhante. É um trabalho organizado para elas, para sua autonomia financeira, para sua dignidade, para a família, para a sociedade e para que contribuam para o desenvolvimento do país", explicou Camara em uma entrevista concedida em seu gabinete decorado com fotografias dela com outras mulheres proeminentes, como Ivanka Trump e Christine Lagarde, ex-diretora do Fundo Monetário Internacional.

O projeto foi concebido pelo médico Aboubacar Kampo, que recentemente terminou um mandato como representante da Costa do Marfim para o Unicef. Ele recrutou a Conceptos Plásticos, empresa de reciclagem com fins lucrativos, para a missão social de construir moradias e criar empregos para pessoas pobres.

Os fundadores da empresa, Oscar Andrés Méndez e a esposa, Isabel Cristina Gámez, concordaram em trabalhar com Kampo após terem visitado a Costa do Marfim no ano passado. Eles se solidarizaram ao verem mulheres, com bebês no colo, recolhendo lixo em Akouedo, um aterro sanitário conhecido como um local de despejo de dejetos tóxicos. "Aquilo teve um grande impacto sobre nós", recordou Méndez.

O casal se mudou para Abidjan em junho para colocar em prática o projeto, e tem planos de expandi-lo para outras partes da África Ocidental. Ambos esperam empregar trinta pessoas na fábrica e comprar plástico de mais ou menos mil mulheres no primeiro ano de operação.

Méndez contou que as primeiras salas de aula custaram cerca de 14.500 dólares cada; já as de concreto custam 16.500 dólares. Ele espera reduzir o preço em 20 por cento a partir do momento em que os tijolos forem produzidos localmente.

Não existe escassez de resíduos plásticos. Abidjan produz cerca de 270 toneladas por dia, mas apenas cinco por cento desse montante é reciclado, revelaram os organizadores do projeto. Para a construção de cada sala de aula, são necessárias cinco toneladas de plástico descartado.

Kampo prevê expandir a ideia para moradias de plástico para os professores e sanitários para as escolas. Os professores em Sakassou moram em casas compartilhadas, enquanto suas famílias são abrigadas em outros vilarejos. Em Gonzagueville, há 14 sanitários para 2.700 crianças e seus professores.

Antes de tudo isso acontecer, a líder do Fighting Women considerava mudar sua área de atuação e começar a vender refrescos gelados, mas agora, Coulibaly afirma, "acreditamos que existe futuro no plástico".

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]