A crise política que culminou com a renúncia do presidente da Bolívia Evo Morales, e do seu vice-presidente Álvaro García Linera, neste domingo (10), começou um dia depois das eleições de 20 de outubro. Em um resultado questionado que levou a protestos de rua cada vez mais radicais, o presidente e seu grupo mais próximo de poder, como o vice, não aguentaram a pressão popular.
Apesar de ter apresentado conquistas sociais e econômicas durante a campanha, Evo também foi afetado por escândalos de corrupção e acusações de uma guinada autoritária. No dia da eleição, uma primeira contagem rápida apontou que Evo obteve 43,9% dos votos, enquanto o opositor Carlos Mesa conquistou 39,4%, que afirmava que poderia haver fraude.
A princípio, o sistema de contagem rápida de votos do Tribunal Supremo Eleitoral previa um segundo turno entre Evo e Mesa. No entanto, após 20 horas sem novas informações sobre o andamento da contagem, o tribunal passou a indicar uma vitória de Morales no primeiro turno e, logo depois, declarou o presidente reeleito com 47,08% dos votos contra 36,51% de Mesa.
Em um vídeo no Twitter, Mesa afirmou que o tribunal descumpriu com sua palavra ao não divulgar a recontagem dos votos até ter 100% das urnas apuradas. Segundo ele, o órgão liberou apenas um relatório por meio do TREP - sistema de acompanhamento eleitoral do país - quando 80% das urnas estavam apuradas, e interrompeu a recontagem.
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Um dia depois, o governo da Bolívia e uma missão de observação da Organização dos Estados Americanos (OEA) concordaram em estabelecer uma “equipe de acompanhamento permanente” para a apuração das eleições gerais.
As mobilizações nas ruas começaram quando as autoridades eleitorais, sem explicação alguma, retomaram na noite de segunda-feira (21 de outubro) a recontagem de votos que foi interrompida no dia anterior. Manifestantes atearam fogo em urnas de votação e sedes eleitorais, sindicatos e organizações empresariais.
Pedido por segundo turno
Em 23 de outubro, o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) se reuniu para debater a situação das eleições presidenciais da Bolívia. A conclusão foi de que vários princípios que regem uma eleição democrática foram violados e que, diante da margem apertada, a melhor opção é assegurar um segundo turno eleitoral.
Além da OEA, entidades da sociedade civil e a oposição continuaram acusando o presidente boliviano de orquestrar uma fraude para vencer no primeiro turno, com o auxílio das autoridades eleitorais. Evo, por sua vez, denunciou que "estava em processo um golpe de Estado", em referência aos protestos. "Quero que o povo boliviano saiba que até agora suportamos humildemente para evitar a violência e não entramos em confronto", disse.
A apuração deu a vitória a Evo no primeiro turno, o que causou mais protestos no país, com 29 feridos e 57 presos. Segundo os resultados oficiais do Tribunal Supremo Eleitoral, Evo teve 47,8% dos votos e Mesa, 36,51%. Mas, após as manifestações, ele prometeu realizar um segundo turno se uma revisão da contagem de votos que lhe deu a vitória em primeiro turno encontrar evidências de fraude, em uma tentativa de acalmar o sexto dia de protestos e críticas internacionais sobre sua reeleição para um quarto mandato consecutivo.
Em 30 de outubro, a Bolívia e a OEA concordaram em realizar uma auditoria do resultado das eleições presidenciais. O ministro das Relações Exteriores acrescentou que a auditoria seria "vinculante", ou seja, sua conclusão deveria ser acatada pela OEA e pelo governo boliviano.
Mas os protestos se intensificaram após o início da auditoria. Assembleias populares nas cidades de La Paz e Santa Cruz rejeitam a checagem e exigem uma nova votação sem Evo. As assembleias populares, com a participação de milhares de pessoas, decidiram manter os protestos nas ruas, greves e bloqueios de estradas até que haja novas eleições. O comitê de Santa Cruz também pediu a renúncia imediata de Evo e do vice.
“Golpe a caminho”
Em um comício em 3 de novembro, Luis Fernando Camacho, chefe de uma poderosa entidade civil na rica região de Santa Cruz, lançou um ultimato a Morales para que ele renunciasse em 48 horas, e convocou os militares a se colocarem "do lado do povo". Camacho, líder do Comitê Cívico de Santa Cruz, leu uma carta dirigida aos chefes das Forças Armadas, a quem pediu para "estarem ao lado do povo" na crise.
O ministro das Relações Exteriores da Bolívia, Diego Pary, afirmou em 4 de novembro que havia um "golpe de Estado a caminho" no país. O ministro não descartou a possibilidade de um segundo turno. Pary afirmou que o governo de Morales se comprometeu com a OEA a "cumprir a decisão que será tomada" após a auditoria iniciada pela organização.
Polícia se rebela
Unidades da polícia nas cidades de Cochabamba (centro), Sucre (sudeste) e Santa Cruz (leste) se rebelaram contra a polêmica vitória eleitoral de Evo Morales e exigiram a renúncia do presidente, que denunciou um "golpe" em andamento na Bolívia.
Os agentes do comando de Santa Cruz fecharam a unidade e vários policiais subiram no teto do prédio com bandeiras bolivianas, como os rebelados em Cochabamba.
Policiais que faziam a guarda externa do palácio presidencial da Bolívia, em La Paz, deixaram seus postos e se amotinaram em um quartel no sábado. O local passou a ser protegido apenas por oficiais e suboficiais.
Grupos de policiais estavam se mostrando abertamente descontentes com o governo do país. Dentre suas demandas estão melhores condições de trabalho e a renúncia do presidente.
Renúncia
Em 10 de novembro, o comandante-chefe das Forças Armadas e da Polícia da Bolívia, o general Williams Kaliman, pediu ao presidente Evo Morales que renunciasse em meio a protestos que duravam três semanas. Mais cedo, Evo anunciou a convocação de novas eleições presidenciais e a renovação do quadro de magistrados do Tribunal Supremo Eleitoral depois que a OEA apontou uma série de irregularidades na votação.
Uma hora após a declaração do general Williams Kalin, Evo Morales anunciou a renúncia pela televisão. "Renuncio a meu cargo de presidente para que (Carlos) Mesa e (Luis Fernando) Camacho não sigam perseguindo dirigentes sociais", disse Evo, referindo-se aos líderes opositores que convocaram protestos contra ele desde o dia seguinte às eleições de 20 de outubro. Morales era o presidente latino-americano há mais tempo no poder.
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