Os líderes dos protestos no Haiti chamaram a população para as ruas nesta segunda-feira (14) para uma sexta semana de manifestações exigindo a renúncia do presidente Jovenel Moïse. Dezenas de milhares marcharam para bairros ricos no fim de semana, queimando pneus, enquanto a polícia de choque bloqueava as ruas.
Protestos quase diários em Porto Príncipe, outras cidades e no campo interromperam vias de transporte e fecharam empresas e escolas, paralisando a nação caribenha de 11 milhões de habitantes. Pelo menos 18 pessoas morreram em confrontos com a polícia e em outros atos de violência.
Moïse, que venceu uma eleição controversa em 2017 e sobreviveu a várias ondas de protestos, apareceu em público mais recentemente no mês passado – em um discurso pré-gravado transmitido pela televisão. O seu mandato ainda deve durar mais três anos.
Os haitianos estão cansados da pobreza, escassez e corrupção. O país é perenemente o mais pobre do Ocidente; mais da metade da população vive com menos de US$ 2,40 (R$ 9,90) por mês.
Qual foi o estopim das últimas manifestações?
A crescente escassez de combustível em meados de setembro, além da inflação acentuada, a falta de água potável, a degradação ambiental e a escassez de alimentos levaram os haitianos a bloquear ruas e rodovias, atacar propriedades e saquear empresas. Os distúrbios levaram a grandes marchas contra o governo.
Mas não é apenas pela crise econômica. Em grande parte, é o sentimento de corrupção devastadora nos níveis mais altos que ficou impune.
Um movimento anticorrupção, os "Petrochallengers", pressionou Moïse no ano passado a concordar com uma investigação formal. Auditores do Senado relataram em maio que sucessivos governos haviam desviado bilhões de dólares do programa de petróleo da Venezuela PetroCaribe – um plano de pagamento que deveria ajudar a melhorar os serviços públicos no país, mas nunca o fez. O relatório dos auditores implicou o Moïse diretamente.
As pessoas também estão enfurecidas com o fato de a ilha ter recebido milhões de dólares em ajuda desde um terremoto em 2010, mas os serviços públicos e a infraestrutura permanecerem precários da mesma maneira.
"Não há apenas uma luta política em andamento hoje, mas a manifestação de uma crise sistêmica", disse Jake Johnston, pesquisador sobre o Haiti no Centro de Pesquisa Econômica e Política. "O Haiti está enfrentando uma ampla rejeição de um sistema político e econômico que em 30 anos falhou em fornecer resultados para a maioria da população. Existe uma desconfiança geral de políticos e eleições. E as promessas de desenvolvimento econômico após o terremoto claramente não foram cumpridas”.
Quem está protestando?
Milhares de haitianos de diversas origens – jovens, trabalhadores sindicais, professores universitários, artistas, associações empresariais. Analistas dizem que isso torna essas demonstrações únicas: não são apenas os protestos mais duradouros que Moïse enfrentou, mas também a classe média e a elite intelectual estão participando. A oposição política está participando, mas nenhuma força específica está dirigindo o movimento.
"Estamos na miséria e estamos morrendo de fome", afirmou Claude Jean à Reuters na sexta-feira. "Não aguentamos mais."
Quais são as alegações contra Moïse?
Antes de Moïse se tornar presidente, ele era diretor de pelo menos uma empresa que, segundo os auditores do governo, recebeu dinheiro da PetroCaribe para projetos falsos de infraestrutura.
Por meio da PetroCaribe, a Venezuela fornecia petróleo aos países do Caribe com pagamentos diferidos por 25 anos a baixas taxas de juros. O Haiti recebeu mais de US$ 2 bilhões que ainda está devendo. Segundo os auditores do Senado, o dinheiro foi roubado. Moïse negou irregularidades.
Como o governo dele respondeu?
Moïse não apareceu em público desde o discurso pré-gravado, transmitido na televisão às 2 da manhã, no qual pedia diálogo.
Como os protestos aumentaram de tamanho e, em alguns casos, em violência, a polícia respondeu com gás lacrimogêneo e balas de borracha. Os confrontos deixaram pelo menos 18 mortos e 189 feridos, segundo a Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos.
O Haiti tem sofrido uma longa história de turbulência política. O país teve 14 presidentes desde sua primeira eleição democrática em 1990. Dois chegaram ao poder através de golpes. Apenas três completaram mandatos de cinco anos.
O que dizem os outros?
As Nações Unidas pediram aos manifestantes e às autoridades que "se abstenham da violência". A Missão de Apoio à Justiça da ONU no Haiti disse que está "profundamente preocupada" e apoiaria "soluções pacíficas".
Um fator que mantém Moïse no poder é o apoio dos Estados Unidos. As autoridades americanas foram limitadas em seus comentários públicos sobre os protestos. A embaixadora Michele Sison disse à Associated Press na semana passada que "estamos pedindo às várias partes interessadas que entrem em diálogo com boa fé".
O que vai acontecer agora?
Moïse anunciou a criação de um "comitê de diálogo" na semana passada para encontrar uma solução para a crise. Mas a oposição, que em junho publicou um documento abrindo caminho para uma transição, rejeitou categoricamente essas conversas.
Uma coalizão de 107 organizações da sociedade civil divulgou um documento de oito páginas na sexta-feira apoiando uma transição. Mas analistas previram que Moïse tentaria esperar as manifestações para permanecer no poder.
Anthony Maingot, professor emérito de sociologia e antropologia da Universidade Internacional da Flórida, descreveu a situação como terrível – e as opções como limitadas.
"Mesmo que eles mudem de presidente, o país continuará em colapso", disse Maingot, ex-presidente da Associação de Estudos do Caribe. "A corrupção é desenfreada, e o país não pode sustentar sua população densa com suas terras pobres".