Ordem! Ordem!
Quem assiste aos longos debates sobre o Brexit no Parlamento do Reino Unido já se acostumou com os chamados inconfundíveis do presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, para pôr fim à bagunça no plenário.
Mas o caos permanece. Diante da incapacidade dos parlamentares em se decidir sobre os rumos do Brexit, aprovado por margem apertada no plebiscito de junho de 2016, a saída da União Europeia segue indefinida.
O impasse forçou as partes a adiar mais uma vez o divórcio, que já havia sido postergado para esta sexta-feira (12). Na quarta (10), líderes europeus resolveram dar aos britânicos mais seis meses para decidirem seu futuro.
De fato, o Brexit mergulhou o Reino Unido em sua maior crise desde a Segunda Guerra. O olho do furacão se encontra no Parlamento britânico, que já serviu de inspiração para diversas democracias ao redor do mundo e hoje está profundamente desacreditado.
Localizado no Palácio de Westminster, em Londres, o Parlamento conta com representantes dos quatro países que integram o Reino Unido: Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. Assim como o Congresso brasileiro, o Legislativo britânico é bicameral.
A Câmara dos Lordes (correspondente ao Senado Federal) é composta por bispos da Igreja Anglicana e por membros da nobreza que herdaram o cargo ou foram apontados em caráter vitalício pela rainha sob indicação do governo. Atualmente, a casa tem 782 integrantes.
Mas é na Câmara dos Comuns (equivalente à Câmara dos Deputados de Brasília) que está o centro vida política britânica. Cada membro desta câmara representa aproximadamente 72 mil eleitores em um dos 650 distritos do Reino Unido.
As votações distritais ocorrem em um único turno: ganha o candidato que receber mais votos, mesmo que não obtenha o apoio da maioria. O intervalo entre eleições gerais é de cinco anos, mas o pleito pode ser antecipado se o Parlamento assim decidir. A última vez em que os britânicos foram às urnas foi em junho de 2017.
Presidente sem partido
Cabe à Câmara dos Comuns escolher um de seus membros para ocupar o cargo de primeiro-ministro - atualmente, o posto pertence a Theresa May. O premiê, por sua vez, escolhe parlamentares da base governista para formar seu gabinete.
Já o presidente da câmara, ao ser eleito pelos parlamentares, deve pedir desfiliação de seu partido para garantir imparcialidade. Sua função é orientar os debates sem participar deles - e só votar em caso de empate.
A Coroa britânica, representada pela rainha Elizabeth 2ª, exerce um papel simbólico. Na condição de chefe de Estado, a monarca recebe líderes mundiais e tem a prerrogativa constitucional de formar e dissolver governos.
Pelo menos desde a Segunda Guerra, dois partidos alternam-se no poder: o Conservador, que hoje está no governo, e o Trabalhista, que lidera a oposição. O Parlamento conta ainda com outras agremiações diminutas, como os Liberais-Democratas ou o Partido Nacional Escocês.
Tradicionalmente, a oposição organiza um "gabinete nas sombras". Trata-se de um grupo informal, indicativo de quem assumiria cargos em uma eventual troca de governo.
May, que enfrenta um isolamento crescente entre seus correligionários do Partido Conservador, vem negociando soluções para o impasse do brexit com o líder trabalhista, Jeremy Corbyn.
Arquitetura
A sala da Câmara dos Comuns é dividida em duas bancadas, dispostas uma de frente para a outra. À direita do presidente, sentam-se o primeiro-ministro e os parlamentares governistas. Do outro lado, ficam os integrantes da oposição.
A arquitetura do Legislativo britânico produz um ambiente parecido ao de estádios de futebol. Nas arquibancadas, os parlamentares são estimulados a promover debates acalorados, frequentemente interrompidos por gritos e vaias.
Além disso, não há lugares marcados, e a sala é pequena demais para abrigar todos os parlamentares ao mesmo tempo. São 427 lugares, geralmente, ocupados por quem chega mais cedo. Isso resulta do aumento do número de representantes ao longo dos anos, mas é também uma escolha política.
"Se a câmara for grande o suficiente para abrigar todos seus membros, nove a cada dez debates ocorreriam em uma atmosfera deprimente, com uma câmara quase vazia", afirmou em 1943 o então primeiro-ministro Winston Churchill.
Na ocasião, os legisladores discutiam o futuro do Parlamento, que fora bombardeado por aviões da Alemanha nazista em 1941. A Câmara dos Comuns passou por reformas antes de ser reaberta, em 1950.
Sinal dos tempos difíceis por que o Reino Unido passa atualmente, o Palácio de Westminster parece estar caindo aos pedaços.
A icônica torre Elizabeth, conhecida pelo nome de um dos sinos em seu interior (Big Ben), está em obras desde 2017 e deverá permanecer envolta por andaimes até 2021. E, na semana passada, a Câmara dos Comuns teve de suspender os trabalhos do dia devido a goteiras.
Curiosidades sobre a Câmara dos Comuns
Orações diárias: A câmara só inicia seus trabalhos após um clérigo da Igreja Anglicana fazer uma oração. A reza ocorre todos os dias em que há sessão, e a tradição dura mais de quatro séculos;
Aplausos proibidos: segundo a tradição da câmara, os parlamentares devem se abster de bater palmas para não interromper os discursos. Manifestações orais estão permitida;
Mesa: Foi doada pelo Canadá após a destruição da Câmara dos Comuns em bombardeio da Alemanha Nazista em 1941;
Bastão cerimonial: objeto data do século 17 e representa a autoridade da Coroa. É levado para a Câmara todos os dias e, sem sua presença, os parlamentares não estão autorizados a legislar;
Caixas de despacho: Costumavam ser usadas para carregar documentos, mas agora guardam apenas textos religiosos. Marcam o local onde premiê e líder da oposição devem discursar;
Verde: a cor do carpete e dos bancos na Câmara segue tradição de pelo menos 350 anos. Na Câmara dos Lordes é usado o vermelho, cor associada à realeza;
Linhas vermelhas no chão: delimitam área onde parlamentares podem discursar. Diz a lenda que o espaço entre as linhas é maior que o comprimento de duas espadas para prevenir duelos.
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