Em 14 de janeiro os tunisianos comemoram a deposição do ditador Ben Ali, mas neste domingo (14) eles tomaram as ruas da capital Túnis para protestar contra a inflação e as medidas econômicas do governo| Foto: ANIS MILIAFP

As palavras de ordem "trabalho, liberdade e dignidade", usadas na Revolução de Jasmim de 2011, voltaram ao protagonismo em protestos que há uma semana ocupam as ruas de mais de 20 cidades da Tunísia.

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O país, reconhecido como propulsor da Primavera Árabe e considerado exemplo de transição democrática, comemorou neste domingo (14) com milhares nas ruas o sétimo aniversário da revolta que derrubou o ditador Zine el-Abidine Ben Ali.

Naquele momento, a Tunísia inaugurou uma transição política que buscava, além de instaurar um novo sistema democrático, combater a corrupção do regime anterior e a falta de emprego, assim como conquistar a liberdade de expressão e o respeito aos direitos humanos.

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Ante a falta de avanço nesses objetivos e o insustentável aumento do custo de vida, com inflação que supera 6% ao mês, o recém-criado movimento social Fech Nestannew (Pelo que esperamos?, em português) liderou uma mobilização contra a Lei de Finanças de 2018.

Elaborada pelo governo de Youssef Chahed, a legislação pretende implantar a austeridade no gasto público e aumentar impostos para cumprir as condições do empréstimo de R$ 9,38 bilhões concedido em 2016 pelo Fundo Monetário Internacional.

O governo tem respondido com forte repressão aos protestos, que descreve como vandalismo.

Na quarta-feira (10), forças do Exército ocuparam as ruas para controlar os enfrentamentos entre manifestantes e polícia, que resultaram, segundo o Ministério do Interior, em quase 800 detenções, entre elas as de ativistas acusados acusados de desordem pública e de três integrantes da Frente Popular, único partido de oposição de esquerda em um Parlamento controlado pela coalizão do partido laico Nidá Tunísia e do islamista Ennahda ("renascimento", em árabe).

Frente às dezenas de feridos, a Anistia Internacional pediu ao governo o fim da força excessiva e da intimidação dos manifestantes, ao mesmo tempo em que denunciou a controversa morte de Khomsi el-Yerfeni na cidade Tebourba.

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Segundo a versão oficial, ele teria sido asfixiado por gás lacrimogêneo; testemunhas e familiares que afirmam que o manifestante foi atropelado por um carro da polícia durante os protestos da segunda-feira (8).

"Violência, roubos e vandalismo também aconteceram em 2011. Cada vez que há protestos, há pessoas que se aproveitam da situação, mas sabemos que a maioria dos confrontos são provocados por infiltrados pagos para desacreditar os manifestantes, que na maioria são pacíficos", afirma a ativista e escritora Lina Ben Mhenn, que critica a falta de avanços no país depois da saída de Ben Ali.

"A corrupção avança a cada dia e, em lugar de lutar contra isso, o governo aprovou a Lei da Reconciliação em 2014, que garante a impunidade aos políticos corruptos", diz Ben Mhenn, citando uma medida que já anistiou 1.750 funcionários do regime de Ben Ali.

Nova Constituição, velha política

A Tunísia promulgou sua primeira constituição democrática em 2014. Nos dois partidos que controlam a atual gestão há figuras que já trabalharam em governos autoritários anteriores.

É o caso do atual presidente Béji Caid Essebsi, que foi ministro de Defesa e de Relações Exteriores durante o regime autoritário de Habib Bourguiba, antecessor de Ben Ali.

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Assim, os políticos têm priorizado sua permanência no poder, sem um real interesse em promover a transição democrática e a construção de uma economia sustentável, afirma o analista Michael Ayari em livro recém-publicado.

O país, que começou 2018 com desemprego de 15% -porcentagem dobra no caso dos jovens-, uma dívida pública de 70% do PIB e uma profunda desvalorização do dinar, a moeda local, enfrenta agora o desafio de preparar as primeiras eleições municipais desde a revolução, previstas para 6 de maio depois de terem sido repetidamente adiadas em um clima de incerteza e de opiniões polarizadas.

Enquanto muitas tunisianas e tunisianos afirmam que a revolução trouxe benefícios em termos de abertura política, alguns apontam a deterioração progressiva da economia como a principal preocupação atual.

"O trabalho piorou e o custo de vida aumentou muito. Tudo bem, há mais liberdade, liberdade de fala. Mas ninguém consegue comer palavras", diz Lotfi Aouadi, 51 anos, administrador de uma escola de artes marciais em La Marsa, cidade próxima à capital tunisiana. No entanto, ele se mostra otimista e confiante com o sucesso da transição revolucionária, pois acredita que a transformação do país precisa de tempo para avançar.

Jovens são os mais afetados pelo desemprego

A crise econômica na Tunísia tem sido o principal empecilho da transição democrática que o país vem realizando nos últimos anos, prejudicando principalmente os jovens, entre os quais o desemprego chega a quase 40%.

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Desde 2011, mais de 25 mil tunisianos migraram por rotas marítimas em busca de uma alternativa de futuro, segundo informações da OIM (Organização Internacional das Migrações) das Nações Unidas.

O desemprego é a principal causa de migração para os jovens entre 18 e 34 anos, de acordo com dados do Instituto Tunisiano de Estudos Estratégicos; 54% dos jovens afirmaram ter o desejo de abandonar o país.

"As medidas políticas do novo orçamento [previsto pela nova Lei de Finanças], que preveem um aumento dos preços que prejudicaria principalmente as classes sociais mais modestas, tem mobilizado a juventude, já afetada pela falta de emprego e pela marginalização", diz Sonia Temimi, historiadora e professora da Universidade da Tunísia.

Ela acredita que a indignação que levou aos protestos dos últimos dias é resultado de uma política de governo que nos últimos sete anos continuou reproduzindo um sistema econômico injusto e aumentou a distância entre o litoral tunisiano próspero e o interior do país, mais pobre.

Terrorismo e a falta de ação do governo

O mercado de trabalho piorou ainda mais depois de dois atentados em 2015, um no Museu do Bardo, na capital Túnis; e outro em um hotel na cidade turística de Sousse, nos quais morreram 60 pessoas, que levaram a uma crise no turismo, principal atividade da economia tunisiana.

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"Tivemos os ataques terroristas, mas o governo não impôs medidas necessárias para proteger nossa principal fonte de renda nem para criar alternativas", afirma a ativista Lina Ben Mhenn.

A falta de horizontes econômicos e a decepção da juventude faz com que a imigração clandestina se torne para muitas pessoas na Tunísia uma saída em busca de um futuro melhor, segundo Temimi, que alerta para os riscos da empreitada: no a OIM contabilizou nas duas primeiras semanas deste ano a chegada de 1.476 imigrantes e a morte de 192 pessoas que tentavam a travessia do Mediterrâneo.