Para milhares de imigrantes não autorizados no Sul do Texas, a movimentada estação de ônibus no centro de McAllen se tornou uma nova Ellis Island improvisada. Eles fazem fila diariamente, logo após serem liberados da detenção, sem ter tempo nem mesmo de colocar os cadarços de volta em seus sapatos. Seguram firme as sacolas ofertadas pelo governo com seus poucos pertences e mantêm os filhos ainda mais próximos.
Como a Ellis Island, a estação de ônibus é um portal – um ponto de entrada e saída na jornada de meses dos migrantes para além da fronteira sudoeste dos Estados Unidos. No entanto, ao contrário daquela locação histórica no porto de Nova York, todos os imigrantes que passam pelo terminal de ônibus de McAllen – jovens ou velhos, saudáveis ou doentes – foram efetivamente presos pelas autoridades quando chegaram aos Estados Unidos.
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Hoje, a maioria dos imigrantes que chegam à fronteira fugiram de suas casas na América Central e viajaram pelo México. Alguns entram nos EUA pela Califórnia ou pelo Arizona, mas a maioria cruza o rio Grande, no Texas, e depois se entrega ou é pego pelos agentes da Patrulha de Fronteira. Eles são detidos em instituições federais em McAllen e outras cidades do sul do Texas e depois liberados.
Ônibus contratados pelo governo deixam muitos deles na Estação Central. Eles fazem fila do lado de fora, pegam seus bilhetes lá dentro e depois vão até um centro de serviços de imigração vizinho administrado pela Catholic Charities. Voltam mais tarde para entrar nos ônibus que vão para cidades por todo o país, onde a maioria pretende se juntar a parentes que já estão vivendo nos Estados Unidos.
Fluxo contínuo
Recentemente, a atenção se voltou para as centenas de crianças migrantes que foram separadas de seus parentes como parte da política de tolerância zero à imigração do governo Trump. Mas milhares de outros homens, mulheres e crianças chegam de forma constante e silenciosa à fronteira dos Estados Unidos.
Eles continuam a vir, independentemente de políticos, políticas, ou de quem ocupa a Casa Branca. Fazem isso, segundo eles, porque querem escapar da violência, da pobreza ou das gangues de seus países de origem. A maioria hoje em dia vem da Guatemala, Honduras e El Salvador, alguns dos lugares mais empobrecidos e caóticos do planeta.
"Em nosso país, é muito difícil viver com o estado em que a economia está", disse a mulher de 36 anos, mãe de quatro crianças, que viajou com os filhos de Olancho, em Honduras, por 33 dias e mais de três mil quilômetros. "Já vimos outros casos de pessoas encontrando o sucesso aqui, por isso vamos tentar também. Essa é a ideia da imigração – venha para cá e mude para melhor, certo?"
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Em apenas um dia de julho, cerca de 125 imigrantes não autorizados foram liberados da detenção e trazidos para o terminal. Quatro ônibus os deixaram em grupos de mais ou menos 30 do fim da manhã até o começo da tarde. Eles aguardaram atrás de uma fileira de cones de trânsito esfarrapados do lado de fora da entrada lateral da Estação Central.
Alguns agarravam as caixas azuis que as autoridades lhes deram quando foram soltos – dentro havia carregadores para os monitores com GPS que teriam que usar nos tornozelos. Alguns não conseguiam andar direito porque seus sapatos estavam sem cadarço. Enquanto ficaram presos, os fios, considerados armas em potencial, foram confiscados e depois devolvidos na hora da libertação.
A maioria dos migrantes havia sido mantida sob custódia apenas alguns dias, principalmente porque não tinham histórico criminal. As tornozeleiras têm a função de rastrear seu paradeiro e desencorajá-los de fugir enquanto seus casos prosseguem no sistema judicial de imigração. Alguns pediram asilo, temendo perseguição em seus países de origem.
Histórias
Rosa Marisol Vielman Marroquim, de 31 anos, saiu do primeiro ônibus vinda do centro de detenção com sua filha de 11 anos às 10h50. Usava o aparelho preto fino em seu tornozelo direito sobre as botas de caminhada desamarrada.
Ela e a filha haviam deixado Petén, na Guatemala, 15 dias antes. Estavam indo para Nova Jersey para se juntar ao namorado de Vielman. "Deixei a Guatemala por causa da situação econômica de lá e por medo do crime", contou. "Achei que os Estados Unidos eram um lugar bonito."
Juana Susana Orozco Gomes, de 21 anos, estava parada do lado de fora das portas de vidro do terminal, segurando a filha de três anos no colo. Quase sussurrando descreveu a viagem desde a Guatemala, uma caminhada que teria sido extraordinária se não fosse tão comum entre os que estavam naquela fila. "Atravessamos uma montanha para cruzar a fronteira", contou.
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Ela e os outros se reuniam do lado de fora do terminal. Estavam alertas, nervosos, quietos ou falando baixo. Era difícil imaginar que alguns haviam arriscado a vida para estar ali, pagando milhares de dólares para serem guiados por traficantes de pessoas, conhecidos como coiotes, ou com a coragem de fazer a jornada sozinhos.
Centenas de corpos foram encontrados nos últimos anos no mato rasteiro do desolado sul do Texas ao norte da estação de ônibus – migrantes como eles, cuja jornada acabou em desidratação, insolação ou hipotermia.
No quarto e último ônibus do dia estava uma mulher de 36 anos e sua filha de dez que haviam saído da Nicarágua dois meses antes. "Pensei que alguma coisa iria acontecer comigo durante a viagem até aqui, mas graças a Deus, nada aconteceu", disse ela.
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Algumas pessoas que dividiam a fila com ela falaram da fome e sobre a superação de dificuldades que não quiseram contar em detalhes. Dentro da Estação Central, com a viagem para Nova Jersey finalmente resolvida depois de falar com os funcionários atrás do balcão, um homem que havia deixado Honduras em 4 de julho olhou para o chão do saguão, reprimindo as lágrimas quando perguntado sobre a família que havia deixado para trás. Seu filho de 12 anos esperava em silêncio a seu lado.
O homem, Santiago Antonio Rodriguez Hernandez, não podia encontrar as palavras para explicar o que sentia. Nas mãos, segurava, como se fossem preciosos, dois itens que haviam dado a ele e a outros imigrantes no caminho do terminal. Eram os primeiros presentes que havia recebido na América: maçãs vermelhas.
Centro de processamento
Eles chegaram com roupas demais para o Texas em julho. Alguns usavam moletons ou casacos, ou os carregavam pendurados nos braços ou amarrados na cintura. Vários haviam acabado de ser libertados de um lugar que os migrantes chamam de La Hielera – a caixa de gelo.
É o que eles chamam de centro de processamento da Patrulha da Fronteira na avenida Ursula, em McAllen, conhecida por suas temperaturas congelantes. Os detidos se mantêm aquecidos com cobertores que parecem folhas de alumínio gigantes.
Vielman, a mulher de Petén, na Guatemala, ficou detida ali por cinco dias com a filha, Yerlin. Ela contou do frio e disse ter sido mantida em uma área de espera separada da filha – podia ver Yerlin, mas apenas de longe. "Não podíamos conversar a não ser por uma hora por dia. Foi duro, mas pedi a ela para ser forte e não chorar, e disse que íamos ficar bem."
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Enquanto ela falava, voluntários passavam pelas proximidades. Todos os imigrantes soltos na estação de ônibus são ajudados pela Catholic Charities do Vale do Rio Grande, que administra um centro de descanso para imigrantes a alguns quarteirões de distância. Os voluntários ajudam os imigrantes a conseguir suas passagens de ônibus e os levam até o centro, onde podem comer, descansar, ligar para os parentes e colocar roupas novas sem qualquer custo.
Sem a assistência da Catholic Charities, e o sistema pontual e organizado que eles estabeleceram, o cenário na estação de ônibus seria confuso e caótico.
Entre o passado e o futuro
Os cerca de 125 migrantes deixados na estação naquele dia eram um número típico. Desde 2014, o centro de descanso ajudou quase 100 mil migrantes liberados na estação central.
Os migrantes mais recentes falaram tanto do futuro quanto do passado. Iam atravessar o país para novas cidades e todos tinham audiências e compromissos marcados com os oficiais de imigração nesses locais. Seu status de imigração, naquele momento, era incerto. Mas eles estavam ansiosos para o que quer que viesse a seguir.
"Quero trabalhar em Miami", explicou Gerardo Mendoza, de 27 anos, de Honduras.
"Quero jogar futebol na escola", disse Anthony, de 16 anos, da Guatemala.
"Aqui é tão lindo", afirmou o hondurenho Nelson, de 36 anos. "O Estados Unidos inteiros são assim?"
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