O esperado acordo de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que encerraria meio século de confronto armado, ficou para depois. Passada a data - 23 de março - anunciada em setembro pelo líder das Farc, Rodrigo Londoño Echeverri, o Timochenko, analistas agora tentam explicar o que está dando errado. O grande impasse é em relação ao quinto e último ponto das negociações, que inclui a desmobilização e a entrega das armas por parte dos guerrilheiros. Enquanto o governo de Juan Manuel Santos exige uma data precisa para o desarmamento final, a guerrilha dá apenas o dia de início: 31 de dezembro deste ano.
ELN e Farc repartem funções
A desconfiança é, segundo analistas, uma das sequelas mais profundas do longo conflito, que vitimou quase um quarto de milhão de pessoas, 80% delas civis, e fez milhões de refugiados internos, tornando o país um dos três com mais refugiados internos do mundo, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados (Acnur).
“Para tentar reverter essa situação, é preciso, como questão inicial, conhecer e entender este fenômeno em um contexto em que os danos pós-traumáticos são generalizados. É necessária dar uma leitura correta, dimensionada e contextualizada da realidade colombiana, e estabelecer uma política institucional e social para sua abordagem”, acredita Menéndez.
Outro entrave é a atuação do Exército Nacional de Libertação. Alguns analistas acreditam que as duas guerrilhas estão repartindo funções e espaço, para que, no “pós-conflito” possam cumprir seus antigos objetivos em comum. Ou seja, numa visão mais pessimista, a negociação com o governo é uma ferramenta para manter a luta revolucionária. O presidente, que mantém diálogos preliminares de paz com o ELN, já advertiu, em várias oportunidades, que a guerrilha não pode sentar na mesa de negociações enquanto mantiver reféns. A resposta veio na semana passada, quando o grupo libertou um funcionário público sequestrado em setembro de 2015.
“É uma inteligente associação simbiótica que agiliza o cumprimento dos objetivos previstos. Ao fim e ao cabo, a negociação com o governo, incluída aqui a violência como mecanismo de pressão sistemática, não é mais que uma ferramenta da luta revolucionária das Farc-ELN”.
“Apesar de haver declarado o cessar unilateral de fogo e de hostilidades, as Farc continuam intimidando, perseguindo e extorquindo. Além disso, impõem sua agenda e manipulam recorrentemente o governo”, explica Vicente Torrijos, professor de Ciência Política da Universidade do Rosário.“Sim, as Farc acabarão assinando um acordo. Mas só o farão quando o governo concordar com todas suas pretensões, o que ele vem fazendo para preservar o diálogo como seu grande ganho histórico. Precisamente, por essa delicada equação, haverá um acordo. Mas não será um acordo de paz”.
Na semana passada, o secretário de Estado americano, John Kerry, teve um “histórico encontro” com as Farc, em Havana, onde o acordo está sendo negociado.
“A paz da Colômbia avança”, comemorou no Twitter o chefe da equipe negociadora dos rebeldes, Iván Márquez.
Mas parte da população ainda rejeita o processo. A última pesquisa mostra que 57% dos colombianos estão céticos sobre o sucesso das negociações e 70% culpam Juan Manuel Santos, visto por muitos como um presidente complacente com a guerrilha. A desconfiança é, para analistas, uma das sequelas mais profundas do conflito, que matou 200 mil pessoas, 80% civis, e fez milhões de refugiados internos.
“Depois de tanto tempo, depois de tanto esforço, se as negociações de paz não chegarem ao fim dia 23 de março, pois que se marque outra data: não quero oferecer ao povo colombiano um acordo fraco só para cumprir prazos”, justificou o presidente colombiano, ao anunciar que o acerto não seria alcançado na data prevista.
Garantias
No começo do ano, as Farc se dividiram com relação ao último passo a ser dado. Trata-se do ponto que trata do desarmamento, do destino físico dos guerrilheiros condenados e do que será feito das áreas hoje em poder das Farc. Recentemente, a Organização dos Estados Americanos (OEA) pediu garantias de segurança aos desmobilizados no processo de reintegração - ou seja, para ex-combatentes em geral. Em seu último informe, o presidente geral da organização expressou sua preocupação após mais de 3,5 mil mortes violentas registradas.
“Isso indica que estamos frente a uma população altamente vulnerável”, disse ao Globo Roberto Menéndez, chefe da Missão de Apoio ao processo de paz na Colômbia. “Deixar as armas colocará em estado de vulnerabilidade integrantes das Farc e do ELN (Exército de Libertação Nacional), o que mostra a necessidade de um esquema de segurança que abarque não apenas a proteção, mas especialmente a prevenção. Deverá ser parte de um mecanismo mais amplo que garanta, de maneira oportuna e eficaz, os direitos das vítimas, defensores de direitos humanos, líderes comunitários e sociais e a população em geral.