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No início deste ano, Amy Coney Barrett, juíza do Tribunal de Apelações do 7.º Circuito dos EUA, falou ao podcast "SCOTUS 101" da Heritage Foundation sobre como era trabalhar para o ministro da Suprema Corte Antonin Scalia, lecionar na Notre Dame Law School e equilibrar sua carreira com a criação de sete filhos.
Barrett, cuja fé católica foi atacada no Senado durante sua audiência de confirmação para o Tribunal de Apelações, em 2017, manifesta também suas opiniões sobre a religião e a lei.
Agora que foi indicada por Donald Trump para ser a mais nova ministra da Suprema Corte americana, transcrevemos aqui os momentos mais marcantes da entrevista:
Elizabeth Slattery: Estamos muito satisfeitos por termos Amy Coney Barrett no estúdio conosco hoje. Barrett é juíza do Tribunal de Apelações do 7.º Circuito dos EUA. Bem-vinda ao “SCOTUS 101.”
Amy Coney Barrett: Obrigada por me receber.
Slattery: Vamos começar pelo início da sua carreira. Depois de concluir a faculdade de Direito, você foi assistente do juiz [Laurence] Silberman no Tribunal de Apelações de Washington, D.C. O que você tem a dizer sobre esse período?
Barrett: Foi um ótimo trabalho. Aprendi muito com o juiz Silberman. Bem, aquele foi meu primeiro emprego depois da faculdade de direito. Comecei em julho, depois de me formar em maio. Então eu era definitivamente muito nova e, como assistente de um juiz tão formidável e inteligente quanto o juiz Silberman, realmente aprendi muito.
Acho que sempre fui durona. O juiz Silberman definitivamente reforçou isso em mim. Digo, ali estava eu, uma advogada recém-formada, tendo de debater com alguém muito experiente. Ele é formidável. Ele realmente é capaz de compreender os detalhes dos casos e escrever com clareza e rapidez. Digo, ele consegue colocar seu raciocínio no papel. Então foi uma ótima experiência.
E devo dizer que ele passou um tempo como Subsecretário do Trabalho no início de sua carreira na Sala de Trabalho perto do Tribunal de Apelações de Washington.
Então ele realmente me ensinou a importância de ser um mentor. Parte disso aconteceu em meio aos muitos almoços aos quais ele gostava de nos levar. Ali a comida não era o destaque, mas a conversa, sim. Ele também gostava da velha AB Pizza, que tinha um cardápio bem melhor.
O juiz Silberman sentou-se atrás de mim na minha audiência de confirmação e participou do meu juramento na cerimônia de posse. Ele é um mentor muito importante na minha vida.
Tiffany Bates: E então você passou a ser assistente na Suprema Corte para o ministro [Antonin] Scalia. Você pode nos contar um pouco sobre o seu tempo com ele?
Barrett: Sim. Foi uma prova de fogo. Você é jogada lá e é uma quantidade enorme de trabalho. No início é um pouco sofrido. O ministro Scalia participava do cert pool [conjunto de certificados, mecanismo pelo qual a Suprema Corte dos Estados Unidos gerencia o fluxo de pedidos], então você começa no verão e é colocada para escrever memorandos.
Na época, oito dos nove juízes estavam no cert pool. Portanto, é um pouco estressante quando você percebe que está escrevendo coisas que oito ministros da Suprema Corte lerão.
E quando as deliberações começam, em outubro, esses são os casos mais difíceis. Eles estão lá porque são difíceis o suficiente para dividir os tribunais inferiores.
E a forma como o ministro Scalia administrava seu gabinete era tal que todos tínhamos de estar preparados para discutir todos os casos. Portanto, tínhamos uma reunião antes da discussão, na qual nós quatro estávamos presentes. É um debate de igual para igual. Todo mundo diz o que pensa.
O ministro Scalia era, obviamente, muito perspicaz e brilhante, e não queria que você concordasse com ele. Ele queria que você dissesse o que pensava. Discordar dele, como eu às vezes fazia, e argumentar com alguém como o ministro Scalia, foram coisas que realmente me ensinaram muito.
Aprendi muito sobre defesa oral e a ser articulada. E quem melhor para ensinar a escrever do um escritor excelente como ele? Então foi um ótimo ano.
Bates: Com certeza.
Barrett: E, devo acrescentar (seria negligente se não dissesse) que, nos dois anos, tive excelentes colegas no gabinete.
Slattery: Após seus estágios, você trabalhou em uma grande banca por alguns anos e depois passou os 15 anos lecionando na Notre Dame Law School, onde ainda leciona. Quais são algumas de suas disciplinas favoritas?
Barrett: Dei aula de muitas coisas. Sou professora há muito tempo. Lecionei Processo Civil, Tribunais Federais e Direito Constitucional, um seminário sobre interpretação legal, um sobre teoria constitucional e lecionei sobre provas e evidências. Realmente amo ensinar todos esses assuntos por diferentes razões.
Minha bolsa se concentrou principalmente em Direito Público. Assim, tribunais federais e direito constitucional e meus seminários sobre interpretação eram minhas principais áreas de interesse acadêmico, assuntos fáceis de despertar o interesse nos alunos. Os alunos realmente gostam desse tipo de coisa. Adorei dar essas aulas.
Também adoro ensinar processo civil. Esse é um desafio diferente. Primeiro ano, primeiro semestre, os alunos nem sempre entendem por que o processo civil é tão importante se parece tão chato. Algumas das minhas avaliações de ensino no final do processo civil diziam coisas como: "Uau, estou impressionado por você ter transformado um assunto tão chato em algo tão interessante", o que considerei uma vitória.
Mas é muito divertido ensinar alunos do primeiro semestre, do primeiro ano e ser um de seus introdutores na faculdade de Direito. E o processo civil é algo que é o pão de cada dia do litigante; você, Tiffany, agora que está em um escritório de advocacia, tenho certeza que está vendo isso.
A matéria de provas e evidências é algo que gosto de ensinar, mas foi uma surpresa. Me ofereci para ensinar isso porque estavam precisando. Ninguém estava ensinando na época, então fiz isso para ajudar e é totalmente diferente das outras aulas que dou. E foi muito divertido porque eu podia usar clipes de filmes e problemas e fazer os alunos discutirem os movimentos em sala de aula.
Agora, eu continuo ensinando. Eu ensino no meus dois seminários e não é muito prático ter aulas em mais de um dia por semana, por causa de minha agenda de sessões em Chicago. Então eu não posso mais dar aulas demoradas, mas sinto falta. Amo as grandes disciplinas, assim como os seminários.
Slattery: Seu marido também é advogado. Ele é um ex-procurador dos EUA e agora está em uma empresa e também leciona na Notre Dame. Então você pode me dizer como você e seu marido equilibraram a criação de sete filhos com suas carreiras?
Barrett: Bem, parte do motivo é que meu marido é maravilhoso. Quer dizer, somos uma equipe e compartilhamos a responsabilidade. Nós dividimos as consultas médicas e odontológicas. Obviamente, há muito a fazer, mas de forma alguma eu carrego a maior parte. Portanto, o fato de ele estar tão disposto a ajudar realmente tornou tudo possível.
E, às vezes, quando as pessoas ouvem que temos sete filhos, imaginam sete bebês, mas obviamente há, graças a Deus, uma variação de idade. Nosso filho mais velho está na faculdade e o mais novo está na segunda série.
Portanto, temos um intervalo entre um filho e outro e temos um motorista aos sábados. Posso lhe dizer que é motivo de comemoração em uma família ocupada quando você tem outra pessoa que pode ajudar a levar as crianças à escola.
Além disso, em South Bend (cidade no estado de Indiana), temos muitos, muitos amigos. É uma comunidade muito amigável e um ótimo lugar para criar uma família. Portanto, temos ajuda para a carona.
Quero dizer, meu marido certa vez descreveu minha agenda no Google como uma pintura cubista, porque tem muitas cores e blocos diferentes. A agenda dele se parece um pouco com isso também. Portanto, nossas agendas são definitivamente cheias, mas temos a sorte de ter uma boa creche e bons amigos.
Bates: Então, agora que você é juíza no 7.º Circuito, como tem sido a transição do mundo acadêmico para o tribunal?
Barrett: Bem, de certa forma, o mundo acadêmico é uma boa preparação para o que faço agora, porque os acadêmicos passam muito tempo lendo e escrevendo. E é assim que passo a maior parte dos meus dias agora, lendo, pesquisando e escrevendo.
Como acadêmica, passei muito tempo sendo mentora de alunos e agora tenho um grupo menor. Eu tenho meus quatro assistentes. Então, em muitos aspectos, existem coisas que são iguais, mas obviamente há uma grande diferença entre escrever artigos de revisão jurídica e escrever opiniões judiciais.
Como professora de direito, às vezes me perguntava se alguém leu ou se importou com algum dos artigos que publiquei em revistas jurídicas. Mas, quando escrevo uma decisão judicial, sei que há pelo menos duas pessoas, os litigantes, que se importarão muito com o que escrevo. E estou ciente de que estou exercendo o poder judiciário dos Estados Unidos. É uma responsabilidade enorme e é bem diferente.
Ser servidora pública é bem diferente de ser uma cidadã comum, mesmo que eu me dedique a dar aulas. Então acho que a responsabilidade é muito diferente. Foi uma transição muito grande.
Slattery: Mudando um pouco de assunto, sua fé tem sido objeto de bastante escrutínio. Essa questão surgiu durante sua audiência de confirmação e você disse que um juiz nunca pode subverter a lei ou distorcê-la de alguma forma para corresponder às convicções pessoais.
Você meio que se tornou um meme com o "dogma ao vivo e a cores". Você poderia falar um pouco sobre como os juízes lidam com os conflitos entre fé e trabalho?
Barrett: Bem, a declaração que você acabou de citar da minha audiência de confirmação é no que eu acredito e tem sido minha posição desde que eu estudava direito, quando escrevi com meu professor o artigo tão criticado durante meu processo de confirmação.
Não acho que a fé deva influenciar a maneira como um juiz decide os casos. Como disse, não acho que um juiz deva torcer a lei para alinhá-la ou para ajudá-la a corresponder de alguma forma às próprias convicções do juiz. E isso é verdade, quer derive da fé ou de valores: se todos têm convicções, todos têm crenças. Isso não é exclusivo para pessoas de fé.
E então, de alguma forma, as pessoas parecem pensar que eu disse o oposto. Mas acho que uma das responsabilidades mais importantes de um juiz é colocar suas preferências e crenças pessoais de lado, porque nossa responsabilidade é cumprir a lei.
Bates: Isso é ótimo. Então, uma pergunta final, se você pudesse ter uma conversa com qualquer juiz da Suprema Corte, vivo ou morto, quem você escolheria e sobre o que falaria?
Barrett: É difícil escolher um, porque há obviamente muitos homens e mulheres que trabalharam no tribunal com quem seria interessante conversar, mas recentemente li a excelente biografia de Evan Thomas sobre a ministra [Sandra Day] O'Connor, então direi ministra O'Connor.
Já conhecia a ministra O'Connor antes, mas não neste tipo de ambiente em que você está imaginando, onde poderia me sentar e realmente conversar com ela. Quem não o faria? E certamente que mulher não gostaria de ouvi-la falar sobre as histórias de debate não apenas entre os pares na Suprema Corte, mas também na profissão jurídica?
Achei que a biografia de Thomas ficou muito bem feita ao falar sobre a vida dela e de suas experiências pessoais. Algumas biografias jurídicas são muito pesadas ao descrever opiniões, e ler mais sobre a experiência e a vida dela apenas me fez conhecê-la melhor.
Também me senti grata porque minha experiência profissional tem sido muito diferente da dela. Lembre-se, ela só poderia ser contratada como assistente, mesmo depois de se formar como a primeira da classe. E eu sou a primeira mulher de Indiana a se sentar no 7.º Circuito. E isso nem vale a pena notar porque ninguém realmente considera estranho ter uma mulher na corte.
As pessoas nem se importam quando são três mulheres que estavam no painel do 7.º Circuito, e isso é por causa de mulheres como a ministra O'Connor.
Mas, devo acrescentar um, eu sei que é contra suas regras... Mas devo dizer John Marshall, a partir do que descobri recentemente... Sabia que ele tinha sido o presidente da corte durante o impeachment da ministro [Samuel] Chase, mas não sabia até recentemente que ele realmente testemunhou no Senado durante o julgamento de impeachment porque ouviu uma conversa entre o ministro Chase e o ministro Bushrod Washington que foi relevante.
Então, ele teve de enviar um depoimento à Câmara durante a investigação e testemunhou no julgamento. E lembre-se que ele também presidiu o julgamento por traição de Aaron Burr.
Portanto, pensando em como ele estabeleceu um judiciário independente ao navegar por esse tipo de coisa em tempos conflituosos, seria algo que valeria a pena ouvi-lo. Além, obviamente, de todas as outras coisas interessantes sobre as quais você poderia conversar com John Marshall.
Slattery: Sim, isso é fascinante. Não tinha ouvido isso sobre o ministro Marshall, então vamos permitir que essa resposta permaneça.
Barrett: Obrigada.
Bates: Bem, juíza Barrett, muito obrigada por se juntar a nós.
Barrett: O prazer é meu. Obrigada por me receber.
Elizabeth Slattery, ex-jurista da The Heritage Foundation, é jurista sênior e diretora adjunta do Centro para Separação de Poderes da Pacific Legal Foundation. Tiffany Bates, ex-analista de política jurídica no Centro Meese de Estudos Jurídicos e Judiciais da The Heritage Foundation, é associada da Consovoy McCarthy PLLC.
© 2020 The Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês.