O último dos povos livres da floresta
Não existe uma palavra no idioma Huaorani para definir "futuro". A lacuna semântica soa dramática quando uma das últimas etnias não contatadas do planeta pode ser eliminada por uma disputa de terras.
Para conseguir avançar no combate ao aquecimento global, a conferência de Copenhague que acontece daqui a duas semanas precisará do estímulo renovador das ideias arrojadas. Um bom estopim pode ser encontrado no Equador, defensor de um projeto ousado a ponto de parecer subverter a lógica. Ao invés de extrair petróleo e vendê-lo, o país sul-americano almeja receber dinheiro para deixá-lo no subsolo.A ideia tem origem e respaldo governamental. Apresentado em 2007 pelo ex-ministro de Energia Alberto Acosta, o Projeto Ishpingo-Tiputini-Tambococha (ITT) recebe o nome de três pontos de concentração de petróleo localizados na Amazônia equatoriana, que formam o campo ITT (ver quadro).Segundo a proposta do então ministro, países desenvolvidos comprariam certificados de garantia do governo equatoriano, que por sua vez se compromete a jamais extrair os 846 milhões de barris existentes no campo ITT, que corresponde a 20% das reservas do país. O petróleo é o principal produto de exportação do Equador, e financia 35% do orçamento do Estado.O modelo de pagamento é similar ao de créditos de carbono implantados pelo Protocolo de Kyoto, que possibilitam a nações poluidoras comprar a redução na emissão de dióxido de carbono (CO2) feita por outros países.
Os possíveis compradores, porém, negociarão não apenas o gás carbônico proveniente da exploração do petróleo. Além de evitar a emissão de 407 milhões de toneladas do gás (mais do que o Brasil produz em um ano), os detentores dos certificados estarão garantindo a conservação de uma das mais ricas paisagens naturais do planeta.
O campo ITT está dentro do Parque Nacional Yasuní, no extremo leste da Amazônia. Além de possuir conhecida diversidade de fauna e flora, esta parte da floresta constitui o último refúgio da tribo indígena não contatada Huaorani. Buscando preservar seu isolamento, os huaoranis foram obrigados a fugir da própria reserva quando a maior parte dela foi concedida a empresas de exploração de petróleo.
Além do campo ITT, no Yasuní também foi criado o bloco 31, concessionado à Petrobras em 2002. Com a entrada dos índios no campo e a de Rafael Correa na Presidência, a empresa brasileira começou a ter problemas de licenciamento ambiental. Em 2008 a concessão foi devolvida, e hoje está nas mãos da estatal equatoriana Petroamazonas.
Esperanza Martínez, coordenadora da ONG Amazonía por la Vida defensora do projeto ITT , espera que o bloco 31 também faça parte do projeto de conservação, mas afirma que a prioridade é o ITT. "Nesses dois blocos já houve alguma exploração de petróleo no passado e o desgaste ambiental está mais avançado. Porém o bloco 31 tem pouco óleo cru, e atualmente está parado", relata.
Para Esperanza, o projeto de vender a não retirada do petróleo avançou desde a criação, dois anos atrás. "Atualmente contamos com algum respaldo internacional. São pessoas e governos que têm simpatia pela proposta. Sabemos que a implantação será resultado de muitos anos de trabalho, mas a essa altura penso que é muito difícil haver retirada de petróleo nesses campos novamente. As empresas fazem contracampanha, dizendo que realizam uma atividade limpa, mas sabemos não se é verdade", opina.
A coordenadora acredita que o projeto é transnacional, e que a mensagem também será passada a outros países. "Estamos promovendo um Equador pós-petroleiro. Queremos que a comunidade internacional entenda a necessidade de proteger a área e que todo o planeta assuma sua responsabilidade", defende.
Ela refuta, porém, semelhanças entre os certificados ITT e os créditos de carbono: "Kyoto é injusto para países pobres como o Equador. Segundo o protocolo, os compradores exercem controle sobre bosques e florestas. Queremos um acordo que preze pela justiça climática".
Financiamento
Após estudos realizados pela ONG e por especialistas do governo equatoriano, foi concebido um modelo de financiamento que tenta manter a isonomia entre o Equador e os compradores dos certificados.
Segundo o projeto, a comunidade internacional contribui através de um fundo administrado pela ONU. Devem ser depositados US$ 550 milhões ao ano, durante 13 anos, totalizando US$ 7 bilhões em caixa. Este valor representa o preço do petróleo que fica no solo e do carbono que não vai para a atmosfera. Após os 13 anos, os contribuintes sob a intermediação da ONU investirão na compra de ações relacionadas à produção de energia renovável no Equador e em programas de desenvolvimento social do país. Em troca, o governo do Equador assina o compromisso irrevogável de deixar o petróleo intocado para sempre.
O economista Carlos Larrea, professor na Universidade Andina Simón Bolívar, acredita que o acordo é bom para ambas as partes. "O Equador contribui com o mundo ao não emitir gases do efeito estufa, conservar o Parque Yasuní e os índios não contatados. E os países desenvolvidos ainda lucram ao investir em energia limpa", relaciona.
Larrea também crê na exportação do projeto: "O sistema pode ser implantado em qualquer país em desenvolvimento que tenha diversidade ambiental e grande produção de combustíveis fósseis, como Indonésia, Nigéria, Venezuela e, claro, o Brasil".
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