O Equador confirmou nesta sexta-feira, 4, que 350 pessoas foram presas durante as manifestações iniciadas na noite de quarta-feira contra o aumento no preço dos combustíveis após acordo feito com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
De acordo com a ministra de Governo, María Paula Romo, o maior número de detenções foi feito na cidade costeira de Guayaquil, totalizando 159 presos. Em Quito, outras 118 pessoas foram detidas. A ministra afirmou que, apesar de alguns dos presos serem manifestantes, a grande maioria dos detidos esteve envolvida em incidentes violentos "graves".
"Os participantes destas atividades violentas e de vandalismo queimaram uma Unidade de Polícia Comunitária (UPC), temos uma dezena de patrulheiros destruídos", disse sobre o incidente em Guayaquil. Houve ainda outras prisões em províncias no norte do país.
Segundo a ministra, cerca de 3 mil pessoas participaram de atos de vandalismo e saques durante a tarde de quinta-feira, data em que o presidente Lenín Moreno decretou estado de exceção em todo o país.
Na quinta, 35 pessoas ficaram feridas, entre elas 21 policiais. O ministro da Defesa do Equador, Oswaldo Jarrín, defendeu o decreto de estado de exceção e atribuiu o controle realizado pela polícia ao número "mínimo" de ocorrências registradas nesta sexta. Romo informou que algumas vias permanecem bloqueadas e várias províncias estavam retornando a normalidade.
Mesmo assim, motoristas de transporte público e caminhoneiros permaneceram em greve na sexta, que não teve a circulação de táxis ou ônibus. As aulas em escolas foram suspensas. Em Quito, somente o serviço municipal de transporte ficou em operação, o que é insuficiente para atender a demanda da população, e as Forças Armadas do Equador também disponibilizaram seus veículos para levar os cidadãos.
Várias pessoas foram vistas caminhando ao trabalho ou pedindo carona a motoristas de veículos particulares. A presença de militares nas ruas deve durar 60 dias, podendo ser prorrogada por mais 30.
Presidente diz que não recuará
Moreno insistiu nesta sexta que não voltará atrás com a eliminação do subsídio ao preço dos combustíveis, medida que aumentou em mais de 100% os preços da gasolina e do diesel. "Em circunstância alguma vamos alterar a medida, que parece boa. Que fique claro, eliminou-se o subsídio, acabou-se a revolta, e daqui para frente vamos construir o novo Equador que todos ansiamos, que todos sonhamos", afirmou o presidente em declarações à imprensa em Guayaquil.
O mandatário demonstrou disposição para o diálogo com os manifestantes nesta sexta, mudando o tom de quinta-feira, quando apontou que os protestos teriam como objetivo desestabilizar o governo.
"Conversar? Claro que sim. Haverá mecanismos de paliar um pouco o efeito que poderia atingir alguns setores, e estamos dispostos a fazê-lo. Não me peçam para dialogar com contrabandistas que têm enriquecido enviando combustíveis a países vizinhos e, desta forma, quebrando a confiança dos equatorianos", comentou, porém criticando a greve dos motoristas de transportes.
Em resposta, o presidente da Federação Nacional de Motoristas de Transportes Pesados, Luis Vizcaíno, afirmou que não há intenção de desestabilizar o país. "Mas, lamentavelmente, neste momento o que está sendo discutido é a sobrevivência", disse à imprensa. "Se as tarifas de combustíveis forem reduzidas um pouco, creio que pode haver uma saída para que Equador volte a ter paz".
Com o objetivo de equilibrar as contas, Moreno decidiu nesta semana acabar com os subsídios aos preços de combustíveis vigentes há quatro décadas, calculados em US$ 1,3 bilhões de dólares por ano. O acordo feito com o FMI vai oferecer um empréstimo de US$ 4,2 bilhões ao Equador, que poderão ser pagos em um prazo de 15 anos.
Com o fim dos subsídios, o galão do diesel passou de US$ 1,03 a US$ 2,30, enquanto o da gasolina aumentou de US$ 1,85 para US$ 2,40.
Além do FMI, outros órgãos também farão empréstimos de US$ 6 bilhões. A dívida externa do Equador aumentou 47% no atual governo, em US$ 39 bilhões, equivalente a 36% do PIB do país.
O endividamento elevado dos últimos anos, que Moreno atribui a seu antecessor e ex-aliado Rafael Correa, afetou a liquidez, de acordo com as autoridades.
O país, que conseguiu estabilizar a economia durante décadas, graças à indústria petroleira, hoje já não o faz mais. Desde 2000, o Equador adota a dolarização, o que ajudou a manter a inflação estável.
O jornalista político da rede Ecuavisa de televisão, Carlos Rojas, explicou à reportagem que o fato da economia ser dolarizada pode ajudar a manter os preços dos produtos e das corridas de táxi e passagens de ônibus estáveis.
"Muitos economistas acreditam que, já que o Equador usa uma moeda forte e não pode imprimir sua própria moeda, isso evita que exista uma especulação maior com os preços. Então, acredita-se que os preços dos produtos vão subir, mas não muito" disse.
"Também é dito, para tranquilizar as pessoas, que a alta nos combustíveis não terá os efeitos que teve no Equador nas décadas de 1980 e 1990, e muito menos vai suceder o que aconteceu na Argentina, que é uma inflação descontrolada que leva à pobreza", conta Rojas.
As manifestações também têm um contexto político. No poder desde 2017, Moreno não tem apoio do Congresso e nem das pesquisas de opinião. Desde que rompeu com o correísmo de seu ex-padrinho político, os apoiadores de Correa no Congresso prometeram dificultar a articulação do governo.
Antes da esquerda assumir o poder no Equador, em 2007, protestos sociais levaram à derrubada de três presidentes, dois dos quais tentaram implementar ajustes econômicos.