A única renúncia de um presidente na história dos Estados Unidos foi detonada por uma investigação jornalística. Marco da imprensa, o caso começou com uma invasão ao comitê do Partido Democrata no edifício Watergate, em Washington. O crime estava diretamente ligado ao chefe de estado Richard Nixon e completa 40 anos no próximo dia 17.
Dois repórteres do jornal The Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein, cobriram o caso por quase dois anos. Com uma apuração exemplar, a dupla revelou que o comitê para reeleição de Nixon mantinha um grupo de sabotagem aos democratas. O escândalo resultou na prisão dos envolvidos e na queda do presidente.
A série de reportagens sobre o caso é uma das mais emblemáticas na história da comunicação. "É um momento que mostra o poder da investigação da imprensa, que mantém um papel fundamental na manutenção de uma sociedade democrática", diz Francisco Karam, professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina.
Para Karam, o grande diferencial da cobertura é que, após o arrombamento do comitê democrata, somente o Washington Post prosseguiu investigando os envolvidos. "É um exemplo para quem começa na profissão. Os repórteres se debruçaram sobre os fatos, conversaram com centenas de pessoas e isso resultou num ato de grande significado, que é a renúncia de um presidente."
Para a professora do curso de Jornalismo da Universidade Positivo Elza Oliveira Filha, o exemplo de Watergate deve ser continuamente lembrado. "Precisamos mostrar a necessidade do aprofundamento na investigação jornalística. Temos muitas reportagens de denúncia hoje, mas poucas matérias investigativas", diz.
Elza, que sempre indica filmes e livros sobre o tema aos alunos, afirma que a apuração de Woodward e Bernstein representa o melhor do trabalho jornalístico. "É o caso que mostra que temos um papel fundamental na hora de mudar o mundo."
Impacto
Além de servir de padrão para o jornalismo investigativo que inspira reportagens como as séries "Diários Secretos" (sobre desvio de verbas na Assembleia Legislativa do Paraná) e "Polícia Fora da Lei" (que denúncia abusos de poder da força policial paranaense), publicadas pela Gazeta do Povo , o escândalo do Watergate teve grandes conse-quências políticas. A mais evidente é a mudança no governo norte-americano.
"Nixon foi o último presidente dos EUA a representar o conservadorismo atrasado da década de 1950. Sua saída coincidiu com o declínio desse modelo", diz o cientista político Luis Gustavo Grohmann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Segundo ele, a renúncia de Nixon, o fracasso na Guerra do Vietnã e a crise de acumulação de capitais nos anos 70 mudaram a agenda política norte-americana. "O país partiu para uma agenda neoliberal depois do caso, que também reforçou o controle da corrupção no governo."
O historiador Sean Purdy, da Universidade de São Paulo, acrescenta que, além das mudanças políticas, Watergate também serviu para difundir a desconfiança do governo. "Posteriormente, descobriram que Nixon espionava movimentos sociais. Todo o caso piorou com a arrogância do presidente, que achava que podia fazer o que queria no cargo."
Herança
Purdy afirma que o escândalo "ensinou" os governos posteriores a lidar com a mídia. "Na época, a guerra do Vietnã foi televisionada. Em 2003, a imprensa americana não tinha cobertura exclusiva da Guerra do Iraque. O que se via na tevê era o que tinha sido vendido pela gestão de [George W.] Bush", observa.