Mary Noriega ouviu dizer que haveria galinha.
Ela disse que odiava ser tratada "como gado", esperando por horas em uma fila de mais de 1.500 pessoas para comprar comida enquanto soldados armados verificavam cartões de identificação para se certificar de que ninguém tentava comprar itens básicos mais de uma ou duas vezes por semana.
Mas Mary, assistente de laboratório com três filhos, disse não ter escolha. As coisas tinham piorado tanto, disse, que ela já havia começado um esquema de troca com os vizinhos para por comida na mesa.
"Sempre soubemos que esse ano iria começar mal, mas acho que está péssimo", disse.
Os venezuelanos aturam escassez e longas filas há anos. Mas como o preço do petróleo, principal exportação do país, caiu, a situação ficou tão terrível que o governo enviou tropas para patrulhar filas enormes que se estendem por vários quarteirões. Alguns estados proibiram as pessoas de passar a noite nas portas das lojas, e funcionários do governo ficam a postos, prontos para prender quem tenta burlar o sistema de racionamento.
A Venezuela depende da venda de petróleo para importar alimentos, remédios e outros itens básicos, mas mesmo antes do preço do petróleo cair, o país já estava no meio de uma profunda recessão, com uma das taxas de inflação mais alta do mundo e a escassez crônica de itens básicos.
A escassez e a inflação são mais um desafio político para o presidente Nicolás Maduro, que prometeu continuar a revolução de inspiração socialista iniciada por seu antecessor, o carismático esquerdista Hugo Chávez.
Estima-se que a Venezuela tenha as maiores reservas de petróleo do mundo. Quando o preço estava alto, sua exportação perfazia mais de 95 por cento da renda em moeda forte. Chávez usou a riqueza do petróleo para financiar despesas sociais, como o aumento de pensões e subsídio a supermercados. Agora a renda foi cortada.
"Sempre fui chavista", disse Mary, usando o termo que designa um leal partidário de Chávez, mas "outro dia, encontrei uma camiseta com a foto dele, joguei no chão e pisei em cima, e depois usei para limpar o chão. Estava muito irritada".
Os economistas preveem agora que a escassez vai se agudizar e a inflação, que já está em 64 por cento, vai subir ainda mais. O preço do petróleo venezuelano foi de US$96 o barril, em setembro, para US$38, no mês passado. Maduro passou duas semanas seguidas em janeiro viajando pelo mundo na tentativa de conseguir investimento e convencer outras nações produtoras de petróleo a reduzir a produção para forçar a alta do preço.
Depois de meses brincando com o tabu político de aumentar o preço da gasolina vendida aqui, a mais barata do mundo, ele disse que finalmente tinha chegado o momento de fazê-lo.
No dia 6 de fevereiro, Maduro ordenou a apropriação de uma rede de supermercados acusada de esconder produtos como parte de uma "guerra econômica" contra seu governo.
Embora ele não tenha dado o nome da empresa, referia-se à cadeia Día a Día, que possui lojas em bairros mais pobres. Nesse mesmo dia, acusações criminais foram arquivadas contra um gerente de uma cadeia de supermercados acusado de desestabilizar a economia. Acusações semelhantes já tinham sido arquivadas contra dois executivos da maior rede de farmácias do país, a Farmatodo.
Muitos economistas argumentam que as políticas do governo são uma grande parte do problema, incluindo a moeda supervalorizada, o controle de preços que desestimula fabricantes e agricultores e restrições governamentais no acesso aos dólares que levaram a uma grande queda das importações.
Em entrevistas, consumidores disseram que a crise econômica significava comer sardinha em lata em vez de galinha, ou alimentos cozidos em vez de fritos, porque está difícil encontrar óleo vegetal.
Muitos disseram que comem carne com menos frequência porque não a encontram ou está muito cara. Peixe fresco pode ser mais difícil de encontrar, em parte porque, segundo os pescadores, é mais rentável usar seus barcos para vender diesel venezuelano subsidiado no mercado negro em vez de propriamente pescar.
A mídia social aqui está cheia de apelos urgentes de pacientes que tentam encontrar medicamentos de prescrição.
Gastón Silva, chefe da cirurgia cardiovascular do Hospital da Universidade de Caracas, disse que, por causa da escassez de produtos médicos, apenas cerca de 100 operações cardíacas foram realizadas no ano passado, que somavam 300 ou mais em anos anteriores. Alguns pacientes que tinham sido hospitalizados aguardando cirurgia durante um mês ou mais foram mandados para casa em novembro porque não havia suprimentos suficientes, e as salas de cirurgia permaneceram fechadas por mais de oito semanas, disse Silva. Ele afirmou que a escassez se deve ao controle cambial do governo, que impediu que importadores tivessem acesso ao dinheiro que precisam para fazer compras no exterior.
"Estamos em um momento difícil", ele disse. "Se uma coisa está em falta, tudo bem. Se não houver peças para carros, damos um jeito. Comida é problemática. Mas a saúde é extremamente problemática." Em uma manhã recente, centenas de pessoas faziam fila na frente de um supermercado atacadista. Lá dentro, muitas prateleiras estavam vazias. A grande seção de eletrodomésticos e eletrônicos estava vazia. Não havia carne fresca; um freezer estava cheio de pés de porco congelados.A maioria das pessoas veio comprar apenas três itens vendidos por preços controlados pelo governo: sabão em pó, óleo vegetal e farinha de milho. Cada compra entrava em um banco de dados, garantindo que os compradores não tentariam comprar os mesmos artigos controlados por pelo menos sete dias.
Soldados patrulhavam a fila do lado de fora, policiais estavam do lado de dentro e funcionários do governo checavam cartões de identificação, verificando se algum deles era falsificado para ser usado para burlar o sistema de racionamento ou para encontrar imigrantes com vistos expirados. Um funcionário da Imigração disse que criminosos seriam presos.
"É patético", disse Yenerly Niño, de 18 anos, acrescentando que esperava há mais de cinco horas para comprar os três produtos subsidiados.
"Você faz o que precisa ser feito. Se não fizer, não come", disse ela.
Catalina Lobo-Guerrero e Patricia Torres contribuiram com a reportagem
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