O escritor e Nobel de Literatura alemão Günther Grass acusou Israel de ameaçar a paz mundial em poema publicado nesta quarta-feira (4) nos jornais "Zeitung", "La Repubblica" e "El País". No texto, intitulado "O que deve ser dito", Grass pede que a Alemanha suspenda a venda de submarinos para o governo israelense e alerta para o perigo de um ataque contra o Irã, cujo programa nuclear é criticado pelo Ocidente. O texto virou motivo de polêmica em Tel Aviv e em Berlim.
"Por que eu só digo agora que o poder nuclear de Israel ameaça a já frágil paz mundial? Porque isto deve ser dito já que amanhã pode ser tarde demais", escreveu o renomado escritor. "E também porque nós - suficientemente incriminados como alemães - podemos ser cúmplices de um crime sem precedentes", acrescentou Grass, afirmando que o Holocausto não deve ser usado como desculpa para se calar diante da capacidade nuclear de Israel.
Acredita-se que Israel seja o único país no Oriente Médio a ter armas nucleares, suspeita que o governo nem confirma nem nega. Para o escritor, o armamento poderia ser carregado em submarinos militares, recentemente vendidos ao Estado israelense pelos alemães. Apesar do acordo, Berlim alertou na época para o risco de uma escalada de tensão com o Irã.
Noticiado amplamente pela imprensa israelense, o poema também foi alvo de críticas na Alemanha, onde qualquer condenação a Israel costuma ser vista como tabu devido ao massacre de judeus perpetrado na década de 40 pelo regime nazista. Dieter Graumann, presidente do Conselho Central Judeu na Alemanha, disse estar "chocado" com o que chamou de "panfleto odioso".
"Grass quer empurrar para Israel a responsabilidade pelos riscos à paz mundial. Isso mostra que um autor extraordinário está longe de ser um analista político extraordinário", criticou Graumann.
O Gabinete da chanceler federal alemã, Angela Merkel, tentou minimizar a polêmica. Em comunicado, seu porta-voz disse que na Alemanha os artistas têm liberdade de expressão. O embaixador israelense em Berlim, Emmanuel Nahshon, rejeitou as acusações de Grass e disse que "os israelenses querem viver em paz com os vizinhos".
"É uma tradição europeia acusar os judeus antes da Pessach. Israel é o único Estado do mundo cujo direito à existência é abertamente questionado", reclamou o diplomata.
Já o porta-voz de política externa no Parlamento, Philipp Missfelder, considerou o poema com "erros históricos" e mostrando "desconhecimento da situação no Oriente Médio".
Grass ganhou fama mundial com o romance "O tambor", de 1959. O escritor e artista plástico de 84 anos virou símbolo de causas da esquerda alemã e sempre foi um crítico das intervenções militares do Ocidente, como no caso da Guerra do Iraque. Conhecido como símbolo da geração de alemães que alcançou a maioridade durante o regime nazista, Grass viu sua fama ser manchada após a revista "Der Spiegel" publicar, em 2006, documentos que comprovavam sua participação na SS de Hitler.
Em 2007, o poeta confirmou a história, dizendo que não sabia o que era a SS até entrar em combate em Dresden. Em um artigo publicado pela "New Yorker", ele - que sempre atuou como ativista de esquerda - tentou explicar os motivos que o levaram a se alistar na Alemanha nazista, quando tinha apenas 17 anos. Alguns críticos dizem que, desde então, Grass não recuperou sua autoridade moral.
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