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Em meio a um quadro global desanimador, o relatório anual da ONU sobre fome trouxe uma boa notícia para a América Latina: a região é a que mais tem chance de cumprir a meta de redução da proporção de famintos à metade até 2015. O diretor da FAO para a América Latina, Fernando Sotobaquero, disse, porém, que o dado não surpreendeu a agência e é resultado dos esforços empreendidos nesta década por vários países para enfrentar a fome e a desnutrição.

Os programas Fome Zero, que Sotobaquero julga uma referência, e Bolsa Família colocam o Brasil no rumo de cumprir sua parte no pacto. Mas, segundo o representante da FAO, com uma economia estabilizada, o crescimento do país deveria ser maior - um dos fatores que ele julga fundamentais para o combate da fome e da miséria.

- O Brasil tem sua economia estabilizada e é bem visto internacionalmente, mas deveria ter um ritmo de crescimento econômico maior - disse Sotobaquero, em entrevista por telefone ao GLOBO ONLINE, de seu escritório em Santiago do Chile.

A seguir, leia a íntegra da entrevista.

GLOBO ONLINE - O relatório sobre o combate à fome divulgado nesta terça-feira pela FAO diz que os países da América Latina e do Caribe são os que mais têm chances de reduzir a fome pela metade até 2015. O que diferencia a região?

FERNANDO SOTOBAQUERO - Na América Latina, separamos os países em três grupos. O primeiro consideramos já ter alcançado a meta. É formado por países como Cuba, Chile e Equador. O segundo provavelmente cumprirá a meta em dez anos e inclui Brasil, Uruguai, Bolívia, Costa Rica e Colômbia. Já o terceiro, se as tendências atuais continuarem, não deve conseguir - até os índices de desnutrição têm aumentado. Esse grupo é formado essencialmente por países da América Central.

GLOBO ONLINE - Que fatores levaram esses países do primeiro grupo a já ter alcançado a meta?

SOTOBAQUERO - Há uma combinação de fatores. Entre os principais, há relação entre o crescimento econômico e a redução da fome ou da pobreza. Há uma correlação: onde há crescimento da economia, é mais fácil haver uma redução dos indicadores da desnutrição. Um outro elemento é a existência de programas agressivos de educação. No caso do crescimento econômico, importa muito a elevação do produto interno bruto (PIB) agrícola, uma vez que a pobreza extrema, em muitos países, é mais difícil combater em áreas rurais. Por fim, nos últimos cinco anos houve também o aumento de programas sociais, que ajudam a melhorar o acesso aos alimentos.

GLOBO ONLINE - O senhor afirmou que o Brasil está entre os países do segundo grupo. O que falta ao país?

SOTOBAQUERO - O Brasil tem um desempenho muito bom em relação aos programas sociais, como o Fome Zero e o Bolsa Família. Isso deveria ser combinado com um ritmo de crescimento maior. O Brasil tem sua economia estabilizada e é bem visto internacionalmente, mas deveria ter um ritmo de crescimento econômico maior. O problema da desigualdade, como na maioria dos países da América Latina, ainda é uma questão pendente.

GLOBO ONLINE - O senhor saberia apontar qual o impacto do programa Fome Zero nos esforços brasileiros para atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio (estabelecidas pela ONU e entre as quais está a redução da proporção de famintos à metade)?

SOTOBAQUERO - Não tenho em minhas mãos avaliações sobre o impacto. Mas o Fome Zero, dentro do contexto internacional, marca um momento muito importante no qual uma sociedade em conjunto reconhece o problema da fome e põe a questão em sua agenda política. Fazer isso já é um grande passo. O programa mostra à sociedade que há necessidade de modificar algumas estruturas, para gerar mais emprego e renda, fazendo com que as pessoas tenham mais acesso aos alimentos. O Fome Zero é uma espécie de referência. Há uma boa combinação de ações estruturais e de assistência.

GLOBO ONLINE - Existe uma fórmula eficaz para a redução da fome?

SOTOBAQUERO - Ao que parece, a fórmula mágica para reduzir a fome combina três fatores: o crescimento econômico, a redução da desigualdade social e econômica e o investimento social. É necessário ter gastos em educação, além de programas voltados para populações mais vulneráveis, sejam as que vivem em áreas rurais ou em partes pobres das cidades.

GLOBO ONLINE - Qual dessas questões é o maior problema enfrentado nos países latino-americano para alcançar a meta de redução da fome?

SOTOBAQUERO - Essa nossa região é a mais desigual, em termos de diferença de renda e desigualdade de oportunidades. Esse é um grande problema. Ainda que o país tenha um crescimento expressivo, o impacto na redução de pobreza e da fome é menor do que o que teria um país mais igualitário.

GLOBO ONLINE - O senhor disse que os países do primeiro grupo já alcançaram as metas e deveria ter propostas mais ousadas. O que o senhor sugeria?

SOTOBAQUERO - É muito bom que esses países já tenham reduzido a fome pela metade. Mas deveria ter muito menos pessoas com fome. Embora a vitória seja enorme, poderiam estipular a meta para reduzir a fome a um terço.

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