É consenso que de não existe um favorito disparado para o conclave, mas o mais próximo que existe de um "pole-position" é, provavelmente, o cardeal Angelo Scola, arcebispo de Milão, 71 anos.
Scola bebe da mesma fonte intelectual de Bento XVI, sendo um egresso da escola teológica da revista Communio, cofundada pelo jovem Joseph Ratzinger logo após o Concílio Vaticano II (1962-1965). Como jovem teólogo, Scola publicou longas entrevistas com Henri de Lubac e Hans Urs von Balthasar, grandes teólogos de seu tempo.
Durante a graduação, Scola conheceu o famoso padre Luigi Giussani e se tornou parte do movimento Comunhão e Libertação. Recentemente, Scola vem tentando se distanciar um pouco dos ciellini, como são chamados os membros de centro-direita desse grupo, especialmente porque vários líderes políticos italianos associados a ele andam envolvidos em escândalos de corrupção. Mesmo assim, no ambiente eclesial italiano, Scola está intimamente ligado ao movimento, o que tem seus prós e contras alguns admiram profundamente o Comunhão e Libertação; outros, nem tanto. O elo do grupo com Scola ficou mais forte graças ao "Vatileaks", que incluía uma carta do sucessor de Giussani a Bento XVI em março de 2011, reclamando que os dois últimos arcebispos de Milão eram críticos demais em relação a certos aspectos da doutrina católica, e sugerindo que Scola era o melhor candidato para sucedê-los.
Intelectualmente, a área de Scola é a antropologia moral, tema que lecionou no Instituto João Paulo II para Estudos Sobre Matrimônio e Família, na Pontifícia Universidade Lateranense, antes se tornar reitor.
Os argumentos a favor de Scola são os seguintes:
Primeiro, ele é um Ratzinger com um apelo um pouco mais popular. Ele se sente à vontade com a imprensa e, às vezes, se sai melhor no improviso que quando prepara um discurso com antecedência. Seus textos podem ser densos às vezes, mas seus comentários espontâneos são acessíveis, informais e cheios de bom humor.
Segundo, como italiano, ele conhece o terreno e sabe se mover dentro da política vaticana. Considerando que achar alguém que tome as rédeas na Cúria Romana é uma prioridade perceptível para muitos cardeais, isso é uma clara vantagem.
Terceiro, Scola tem uma larga experiência pastoral, tendo liderado as arquidioceses de Veneza e Milão. Ele não é um burocrata de carreira, e muitos cardeais têm dito publicamente que desejam um papa com experiência real nas trincheiras pastorais.
Quarto, em 2004 Scola lançou o projeto Oásis, inicialmente destinado a apoiar cristãos no Oriente Médio, mas que se tornou uma plataforma de diálogo com o mundo muçulmano. Já que as relações com o Islã são consideradas um dos principais desafios do próximo papa, o histórico de Scola é outra vantagem.
Mas também há elementos que pesam contra Scola.
Primeiro, como italiano, ele acaba absorvido pelas rivalidades tribais da vida eclesiástica da Itália. Muitos bispos do país ainda têm o pé atrás com o Comunhão e Libertação, vendo-o como poderoso demais, e podem pensar duas vezes antes de votar por um papa ciellino. É importante entender que, em sua maioria, as divisões entre os italianos têm muito pouco a ver com ideologia ou concepções conflitantes sobre a Igreja, embora elas existam. Por exemplo, o círculo mais ligado ao cardeal Camillo Ruini, ex-presidente da conferência episcopal italiana, é visto como mais tradicional que o ligado ao atual presidente, cardeal Angelo Bagnasco. O que define o contraste, na verdade, é a rede de relações pessoais e de apadrinhamento.
Segundo, como Scola é um dedicado ratzingeriano em termos de perfil intelectual, aqueles para quem o próximo papa devesse adotar uma abordagem um pouco diferente ou pelo menos ter outra lista de prioridades podem vê-lo como representante de uma continuidade exagerada.
Terceiro, alguns cardeais acreditam que a solução para os problemas de gerenciamento escancarados pelo "Vatileaks" não é eleger outro italiano, mas justamente derrubar a fortificação italiana na cultura interna do Vaticano. Para esse grupo, finalmente chegou a hora de cumprir a antiga promessa de internacionalização do Vaticano, iniciada sob Paulo VI e que passou por surtos sob João Paulo II e Bento XVI.
Quarto, Scola pode sofrer simplesmente por estar sob os holofotes há muito tempo, permitindo que opiniões a seu respeito se cristalizem, e dificultando que se crie um consenso repentino sobre ele.
Quais são as perspectivas de Scola como possível sucessor papal?
É preciso levar em consideração que outro dos documentos divulgados no escândalo do "Vatileaks" era um memorando anônimo, escrito em alemão e passado a Bento XVI por um cardeal aposentado, e que foi apresentado na mídia italiana como prova de um incrível complô para matar o papa. O papel pretendia descrever observações feitas privadamente pelo cardeal Paolo Romeo, de Palermo (Sicília), em uma viagem à China. Romero teria dito que Bento XVI estaria morto dentro de um ano e seria substituído por um importante cardeal italiano. Seu nome? Angelo Scola. Em uma corrida na qual exposição demais pode ser fatal, essa não é bem uma publicidade que ajuda as chances de Scola.
Os fãs, no entanto, insistem que Scola tem tido tanta visibilidade por tanto tempo justamente porque ele é uma das figuras mais relevantes nos altos escalões da Igreja, e que o fato de ele ter aguentado firme prova que ele tem as qualidades necessárias para ser papa.
Tradução: Marcio Antonio Campos
* John Allen Jr. é um dos mais experientes vaticanistas da atualidade. Jornalista do site norte-americano National Catholic Reporter (http://ncronline.org/), ele também colabora com o canal de televisão CNN e com a National Public Radio norte-americana. Allen é autor de vários livros sobre a Igreja Católica, incluindo duas biografias de Bento XVI, uma delas escrita quando Joseph Ratzinger ainda era cardeal. Duas de suas obras foram traduzidas para o português: Opus Dei, mitos e realidade, de 2005, e Conclave, de 2002, em que ele descreve os rituais que envolvem a sucessão do papa e apontava vários favoritos para assumir o posto após a morte de João Paulo II.