Com a presença de 103 dos 115 cardeais que elegerão o futuro papa, começou na manhã de ontem a Congregação Geral, encontro que antecede o conclave. O grupo passará em revista a atual crise da Igreja e definirá quando começa o processo de escolha.
A expectativa do porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, é que a data seja definida nos próximos dias, já que existem opiniões divergentes entre os cardeais. "Como sabemos, tem aqueles [cardeais] que estão com mais pressa, mas existem aqueles que preferem dedicar mais tempo para as congregações [reuniões prévias]", disse.
Segundo Lombardi, os 12 ausentes terminariam de chegar hoje ao Vaticano. Com isso, não haveria mais qualquer impedimento formal para o início do conclave.
A reunião na manhã de ontem, ocorrida na Sala Nova do Sínodo, foi meramente introdutória. Os 142 cardeais presentes (39 com mais de 80 anos e por isso sem poder de voto) encontraram os lugares estabelecidos para cada um, por ordem de antiguidade; fizeram um juramento de segredo, se comprometendo a não divulgar o que for discutido ali dentro; e rezaram em latim.
Houve um intervalo de 30 minutos no final da manhã para um café, quando os cardeais puderam ter encontros particulares. Nesses encontros, eles começam a discutir mais reservadamente o que esperam para o futuro, como o perfil do novo pontífice.
"Esse é um momento significativo para contatos pessoais, trocas de informações, até em um nível mais particular", disse o porta-voz do Vaticano.
Vatileaks
Segundo Lombardi, os cardeais não receberão o dossiê secreto do chamado caso Vatileaks, feito por três cardeais a pedido do agora papa emérito. O documento só será conhecido pelo novo pontífice.
Isso não impede, no entanto, que quem estiver interessado pergunte aos colegas informações sobre a crise. "Pode haver o caso de alguns membros do colégio dos cardeais que querem saber informações sobre a situação da cúria e da Igreja e ali eles poderão perguntar. É uma possibilidade.
Depois deste intervalo, abriu-se espaço para que os cardeais fizessem intervenções. Treze pediram a palavra, mas nada do conteúdo discutido foi divulgado.
Os trabalhos são presididos pelo decano, Angelo Sodano, pelo camerlengo, Tarcisio Bertone [responsável pela administração do Vaticano no período de sede vacante], e pelo secretário do colégio de cardeais Lorenzo Baldisseri.
Por sorteio, ficou estabelecido que três cardeais (Giovanni Battista Re, Crescenzio Sepe e Franc Rode), auxiliarão Bertone pelos próximos três dias. Depois, um novo sorteio acontecerá e outros três serão escolhidos.
Os cardeais também decidiram enviar uma mensagem ao papa emérito Bento XVI, o que deverá ser feito nos próximos dias.
Papa precisa ter prudência, bom humor e zelo sacerdotal, diz monsenhor
Inês Migliaccio, especial para a Gazeta do Povo
Na opinião do subsecretário do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, o monsenhor José Aparecido Gonçalves de Almeida, sacerdote brasileiro que trabalha há cerca de 30 anos no Vaticano, a prudência, o zelo sacerdotal e o bom humor estão entre as principais características que os cardeais analisam no perfil daqueles que podem suceder Bento XVI.
"A prudência é uma virtude básica para o governo. Como destacava João Paulo I em Ilustríssimos Senhores, existem os santos, os sábios e os prudentes. Os santos, que rezem por nós. Os sábios, que nos deem lições. E os prudentes, que nos governem", disse, citando o livro que o papa João Paulo I escreveu quando ainda era cardeal uma coleção de cartas fictícias para personagens históricos.
Em relação ao zelo sacerdotal, ele enfatizou que é imprescindível o amor e o cuidado de todas as almas. E, sobre o bom humor, citou alguns santos da Igreja, como Santo Tomás More que, antes de ser decapitado, pediu ao carrasco para tomar cuidado com sua barba.
Ele se lembrou também do contato próximo que teve com o papa Bento XVI. "É um homem muito agradável, de bom coração e com toda sua amabilidade, foi muito firme nas resoluções da Igreja: identificou a problemática dos legionários de Cristo e solucionou o problema; aperfeiçoou a legislação quanto aos casos de pedofilia; e exigiu a transparência do Banco do Vaticano", disse.
Monsenhor Aparecido acha importante destacar neste momento em que o mundo manifesta interesse pelo futuro papa que a Igreja não é constituída só por cardeais. "Nesses 30 anos de Roma, trabalhando com diáconos, monges, freiras, sacerdotes e leigos, conheci gente muito boa. Esses escândalos são de fato uma tristeza, mas não deixam de ser uma realidade muito particular de um todo muito mais rico e divino", afirmou.