O cardeal dom Geraldo Majella Agnelo está no Vaticano para participar do conclave. Na entrevista a seguir, exclusiva para a Gazeta do Povo, o arcebispo emérito de Salvador (BA) fala sobre os desafios do próximo papa, se diverte quando a repórter pergunta se ele está preparado para ser papa e diz que a uma pessoa de fé não pode se lembrar de Deus somente em momentos difíceis. "É [preciso] lembrar que Deus é o ponto de partida e o ponto de chegada. Todos nós estamos de passagem nesta terra, a caminho da eternidade", diz dom Geraldo.
Qual será o principal desafio do próximo papa?
Cada época tem os seus desafios. Hoje, talvez mais do que nunca, um desafio grande é a indiferença: ou a pessoa não quer se comprometer com a fé, não tem fé nenhuma, ou quer dizer como deve ser a sua fé.
Sabemos que 44% dos católicos do mundo estão na América. Há uma tendência de que o futuro papa seja americano? A Igreja está preparada para isso? E, especificamente, para um papa brasileiro?
É um pouco cedo para a gente dizer isso porque cada papa é uma pessoa diferente. Não é por ser estrangeiro, por ser europeu ou da América que vai fazer diferença. Eu penso que não. Certamente, o papa deve ter uma visão espiritual, ser um homem de fé. Não é uma pessoa simplesmente escolhida por um grupo político. Também tem o lado da escolha divina.
Como se identifica uma pessoa de fé?
Como ela testemunha a fé na vida, no testemunho da sua vida. A grande preocupação de hoje é conscientizar o cristão do por que crer em Jesus Cristo, do por que professar sua fé. Como diz São Pedro em sua Segunda Carta: "Nós devemos saber dar razão à esperança da nossa fé". Não é se lembrar de Deus somente nos momentos de dificuldade econômica, nas horas de doença. É lembrar que Deus é o ponto de partida e o ponto de chegada. Todos nós estamos de passagem nesta terra, a caminho da eternidade.
Neste sentido, imagino que os cardeais, além de rezar, estejam estudando e analisando a vida de cada participante do conclave para identificar seus atos ou seus testemunhos de fé.
Sobretudo estamos rezando porque estudar a vida de cada um é impossível. Evidentemente, cada um de nós tem os seus conhecimentos. Alguém que trabalha aqui sabe da vida de muitos, não de todos. Isso é impossível. Mas se sabe quem aparece como seguidor de Cristo, sendo, portanto, uma pessoa de fé, que testemunha a Cristo.
Há um consenso entre os cardeais brasileiros neste processo de escolha do novo papa? Os senhores seguem a mesma linha?
Eu acho que nós temos sim a mesma linha. Todos estamos convictos da necessidade de que seja um homem de fé, que a testemunha em sua própria vida. E procuramos alguém nesta linha, que saiba ir pelo mundo para falar de Deus a seus fiéis, alguém que seja um apóstolo, um bom pastor. Assim deve ser o Vigário de Cristo na terra, sensível às necessidades de hoje.
Então é conveniente que domine idiomas, principalmente o italiano? E as ferramentas tecnológicas das redes sociais?
Grande parte do Colégio Cardinalício domina o italiano, muitos não com a propriedade da língua materna, mas conhecem e se comunicam muito bem. Claro que isso é importante porque uma pessoa que se isola, que não se comunica, que não olha para o outro, não tem condições de assumir o papado.
Depois que Bento XVI renunciou por falta de forças físicas e espirituais, a curiosidade sobre o futuro papa aumentou. Ele precisa ser capaz de manter o ritmo das viagens pelo mundo e o controle do seu entorno, desde as questões domésticas às finanças vaticanas?
A gente pensa em tudo isso, sim. Pensamos em alguém que seja capaz de se comunicar com o mundo. É difícil levar essas questões do lado humano da Igreja divina. E a gente leva aquela desilusão quando toma conhecimento de casos escabrosos. Se não são bem administradas, bem empregadas, se alguns ficam bem e outros continuam do mesmo jeito... Isso não pode ser!
O senhor prevê muitas mudanças na Cúria Romana?
Levantar toda a situação, fazer uma nova administração é complicado. Definir o retrato é esse; a visão é essa, não é fácil. Mas devemos prosseguir, devemos procurar até chegar às últimas consequências.
Nesses últimos dias, pude entrevistar cardeais de distintos países. Todos manifestam humildemente não acreditar que serão eleitos. Mas, uma vez no conclave, vivem esta possibilidade. O senhor está preparado se for eleito papa?
Eu não fiz nenhuma preparação (risos). Na minha idade, 79 anos, eu ainda tive a oportunidade de chegar ao segundo conclave. Eu atualmente me dedico à pastoral das crianças. Já fui à Ásia. Hoje, deveria estar em Moçambique de tão absorvido que estou nesta tarefa. Agora é rezar e trabalhar bem neste conclave.