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Sucessão na Santa Sé

Escolha do novo papa eleva debate sobre renovação da Igreja Católica

No ocaso de um pontificado tido como conservador, crescem, nos ouvidos do Colégio de Cardeais, as vozes por um Papa que promova uma renovação da Igreja. Não é uma missão fácil. O Trono de Pedro foi sacudido por poucos. Os últimos — e mais conhecidos — foram João XXIII, que convocou o Concílio do Vaticano II, em 1962, e seu sucessor, Paulo VI, que concluiu o encontro, três anos depois. A partir dali, os padres deixaram de celebrar as missas em latim e de costas para os fiéis. Mas, à exceção desta reunião episcopal, todas as outras tiveram como tarefa maior defender visões antigas do catolicismo, em vez de aproximar-se dos fiéis.

Além de escândalos que se acumulam há poucos anos sob os olhos do público — o clero envolvido com pedofilia, as finanças abaladas por investimentos duvidosos —, outras polêmicas já eram, há tempos, motivo para dor de cabeça de Pontífices: o celibato, o aborto, o uso de anticoncepcionais e o homossexualismo. A reticência com que estas perguntas são tratadas já custou multidões de fiéis ao catolicismo.

"Um papa nunca aprovará o divórcio ou o aborto", afirma o ex-seminarista J. D. Vital, autor do livro "Como se faz um bispo". "Há questões discutíveis, como o celibato. Parece que Paulo VI teve abertura para este assunto, mas foi desestimulado a abordá-lo", acrescenta.

Um dos principais teólogos do século passado, o francês Yves Congar relatou o diálogo entre um embaixador de seu país na Santa Sé e João XXIII. Perguntado sobre o que pretendia com o Vaticano II, o Papa respondeu: "Eu quero espanar a poeira que se acumulou na cátedra de São Pedro desde o imperador Constantino" — o primeiro a adotar, mesmo que parcialmente, o cristianismo.

Em 380, os bárbaros invadiram Roma e puseram fim a um império que, em seu auge, dominou praticamente toda a Europa, além de boa parte do Oriente Médio. A religião caíra nas graças dos governantes do antigo regime e, agora, precisava seduzir os conquistadores.

"Os bárbaros são catequizados, mas a Igreja se barbariza", avalia o frei Oswaldo Rezende, ex-diretor da Escola Dominicana de Teologia de São Paulo. "Ela teve um papel crucial, mas não impediu a trajetória de sangue, que desencadeou a formação de civilizações."

Entrou-se na Idade Média, na qual, além da fé, a Igreja acumula o poder laico. Tem o monopólio da sabedoria em seus mosteiros, o que a põe no topo da pirâmide social. Um comodismo que só lhe foi tirado em 1517, quando um sacerdote germânico pregou, na porta de um castelo, 95 teses atacando a doutrina católica.

A reforma protestante, concebida por Martinho Lutero, exigia uma resposta. Vinte e oito anos depois de atacado, o catolicismo reagiu no Concílio de Trento.

"Foi um encontro que enrijeceu ainda mais a doutrina católica e reorganizou a Inquisição", diz Rezende. "Nos séculos seguintes, a Igreja viu suas verdades serem contestadas, como a crença de que a Terra estaria no centro do Universo. Houve até uma tentativa de setores do clero de adequar o catolicismo aos ideais da Revolução Francesa, mas o Papa Gregório XVI não gostou e escreveu, em 1831, uma encíclica proibindo a liberdade de imprensa."

E foi este o tom que, quatro décadas depois, regeu o Concílio Vaticano I. Pio IX, seu promotor, afirmou que a autoridade papal prevalecia sobre qualquer assunto ligado à moral e à fé. Quem a contestasse seria excomungado.

A Igreja sobreviveu até os anos 1960 ainda "querendo retornar à Idade Média", nas palavras de Rezende. E foi de um conclave que deu zebra, onde um cardeal idoso — de 77 anos — de quem nada se esperava, que partiu a decisão de renovar o catolicismo. Era João XXIII.

"Três meses depois de eleito, ele anuncia sua decisão de convocar o Concílio Vaticano II", observa Rezende.

Segundo Arnaldo Lemos, que largou a batina durante o movimento juvenil de 1968 e hoje é professor de Ciências Sociais da PUC de Campinas, a igreja está numa encruzilhada. "Há duas correntes: a tradição, que defende a manutenção da ordem mundial e a defesa da moralidade; e a renovação, que pede novos padrões de comportamento e de formas de viver, tanto para padres quanto para leigos", explica.

Demandas sociaisIgreja manterá postura sobre temas polêmicos, dizem especialistas

Agência O Globo

O papa que substituirá Bento XVI só será conhecido nos próximos dias, mas a lista de tarefas que o esperam já é longa. Algumas dizem respeito a questões administrativas da própria Igreja, tidas como urgentes por vaticanistas. Outras surgem de fora da instituição, como demandas não menos importantes de uma sociedade cada vez mais diversa e que busca no próximo Pontífice a abertura que não encontrou com Ratzinger.

Os tópicos incluem temas polêmicos, como aborto, uso de preservativos, casamento homossexual, pesquisas com células-tronco e ordenação de mulheres. Teólogos e especialistas em religião são unânimes em afirmar que a postura da Igreja sobre esses assuntos não mudará seja quem for o novo papa. Eles defendem que reagir de forma mais compreensiva a esses temas já seria uma grande abertura da Igreja.

Entre os 115 cardeais do conclave, afirmam, nenhum dá sinais de que poderia tratar as convicções da Igreja de maneira distinta à de Bento XVI.

"Há algumas variações entre eles, afinal, são mais de cem, mas poucas. O que determinaria a possibilidade de se escolher alguém mais aberto seria a hierarquia da Igreja perceber essa necessidade, mas ela está muito fechada em si mesma", diz Jorge Cláudio Ribeiro, coordenador do Departamento de Teologia da PUC-SP.

Defender a interrupção da gravidez ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo são hipóteses totalmente descartadas pela Igreja, frisa dom Pedro Strighini, bispo da Diocese de Mogi das Cruzes. O celibato, diz ele, é o que teria mais chances de revisão — apesar da condenação de Bento XVI, que no ano passado reprimiu os "católicos desobedientes" que ousassem desafiá-lo.

Ainda assim, dom Strighini pontua que na Igreja a alteração de uma convicção é muito demorada, e ele não acredita que isso ocorra já no próximo papado.

Para Bernardo Kocher, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), o pontificado de Bento XVI se preocupou em sustentar a imagem da Igreja como instituição e reafirmar seus dogmas. Caberá ao novo papa fazê-la resistir na vida dos fiéis e lidar com conceitos diversos de família.

"João Paulo II e Bento XVI optaram por manter valores tradicionais. O mais provável é que o próximo papa reafirme esse legado, para só então pensar em reformas", diz.

"A agenda mais urgente diz respeito à reforma do governo central da Igreja. Não são esperadas mudanças substanciais em relação à própria doutrina", diz o teólogo Paulo Fernando Carneiro de Andrade, da PUC-Rio.

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