A escolha de Jorge Mario Bergoglio para suceder Bento XVI não surpreendeu apenas a opinião pública internacional. Ela também não era prevista pelos cardeais brasileiros que participaram do conclave. Ainda que seu nome fosse evocado nas discussões entre os cardeais desde a semana passada, a votação do argentino que obteve mais do que os 77 votos necessários não era esperada por seus pares.
Isso ficou claro ontem, durante entrevista de alguns dos cinco cardeais brasileiros que estiveram presente na votação. "Não preciso dizer a vocês que foi uma surpresa", confirmou dom Raymundo Damasceno, arcebispo de Aparecida. "Foi uma surpresa para todos nós."
Para dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo que foi considerado um dos grandes favoritos do conclave, a votação de Bergoglio demonstra que "a Igreja não é só feita de cálculos humanos".
"As cotações prévias foram para o espaço", disse dom Odilo, criticando de forma indireta os prognósticos feitos pela imprensa internacional. "Eu lhe pergunto: com que critério foram feitos esses cálculos? Foram cálculos humanos, mas a Igreja não é feita só de cálculos humanos", questionou. "A Igreja é humana, mas é conduzida pelo Espírito Santo."
Dom Geraldo Majella Agnelo, arcebispo emérito de Salvador e cardeal que participou de seu segundo conclave, lembrou a eleição do alemão Joseph Ratzinger, em 2005, para destacar o quão inesperada a escolha de Bergoglio foi. "Não houve discussão, já era previsto", lembrou, referindo-se a Bento XVI. "Agora este papa parece que não era tão esperado", reconheceu.
Ligações com o Brasil
Apesar da surpresa, cardeais brasileiros destacam as ligações do papa Francisco com o Brasil. A amizade com o arcebispo emérito de São Paulo, dom Cláudio Hummes, e a sua atuação marcante na Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, em 2007, são grandes vínculos do novo pontífice com o país, segundo cardeais.
"Ele convidou dom Cláudio a estar do lado dele durante o primeiro pronunciamento do balcão da basílica de São Pedro", disse dom João Braz de Aviz.
O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Raymundo Damasceno, lembrou que Francisco esteve algumas vezes no Brasil para reuniões do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam).
Especialistas esperam maior presença latina na Igreja
Folhapress
Primeiro latino-americano a ocupar o cargo mais alto da Igreja Católica, o papa Francisco, segundo o filósofo Mario Sergio Cortella, representa um "revigoramento da estrutura da igreja".
Cortella acredita que o agora pontífice argentino vai corrigir um "desvio histórico": a baixa representatividade dos latino-americanos no Colégio dos Cardeais.
"Com todo respeito ao mundo italiano, é um contrassenso que a Itália tenha 27 cardeais e o Brasil, 9. Não é problema de disputa pelo poder, mas de representatividade."
O filósofo espera que o papa reinvente sua relação com a América Latina "ou com lugares onde há maior número de católicos, quebrando uma lógica eurocêntrica".
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a eleição de um latino-americano representa uma ruptura do padrão europeu predominante na Santa Sé.
De acordo com o padre José Oscar Beozzo, coordenador do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular, a eleição de Bergoglio é também "o reconhecimento de que a geopolítica e a geografia do catolicismo mudaram".
"Há um reconhecimento que, independente de como vai se desenvolver, marca uma escolha por 'deseuropeizar' o catolicismo."
Para Beozzo, a eleição do papa Francisco é uma virada histórica. "Isso já estava atravessado na garganta de todo mundo, ainda mais com a opção de Bento XVI em focar investimentos na Europa".
Carreira
Cortella também aponta para o fato de que Bergoglio não fez uma carreira interna no Vaticano e, portanto, "não está atrelado às estruturas e aos compromissos internos como gestão, atividades financeiras e bancárias".
Eventuais dificuldades que o novo papa poderá enfrentar por não ter construído sua carreira na Santa Sé, segundo Cortella, poderão ser contornadas com a escolha do novo Secretário de Estado.
"O fato de o novo papa ser latino-americano não significa que ele não possa escolher um europeu como secretário. Qualquer um teria essa dificuldade. João Paulo II também não tinha tanta presença no Vaticano e, se há um papa que soube lidar a dominar a condição do Vaticano, foi João Paulo II."
Nome
Para Cortella, a escolha do nome do novo papa traz consigo uma "mensagem simbólica muito forte". Segundo Beozzo, a escolha do nome representa uma posição em favor dos mais pobres e fez com que o novo papa "ganhasse a Itália".
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