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Exemplar

Um aluno destacado do padre mais temido pelos estudantes

O músico e teólogo padre José Penalva era conhecido pelos rigores com que lidava com seus alunos, no Studium Theologicum de Curitiba, uma das faculdades do ramo mais tradicionais do país. Muitos futuros padres temiam reprovar em Teologia Fundamental, sua cadeira, e nunca mais conseguirem se formar.

Penalva morreu em 2002. Em seus guardados, além de partituras e composições, foram encontrados trabalhos de estudantes que conseguiram vergar suas altíssimas exigências. Um dos autores dessas relíquias era dom Odilo Scherer, que estudou entre 1973 e 1976 no velho prédio da Avenida Getúlio Vargas, 1.193. Não é prova vaticana de nada. Mas é um bom sinal. Na biblioteca do Studium há outros documentos que mostram que o mais brasileiro dos papáveis tinha vocação intelectual.

Dom Odilo retornou ao Studium em 2009 para participar de uma Semana Teológica, as mesmas semanas que ajudava a organizar quando era estudante e fazia parte do diretório acadêmico. Na ocasião, chegou a declarar que os pilares de sua formação foram os padres claretianos José Penalva e João Batista Engler, que lecionavam Teologia Dogmática; e o franciscano Francisco van de Water, professor de Sagrada Escritura.

No claustro

Memória da Igreja Católica do Paraná passa pelo Seminário São José

O Seminário São José foi criado em 1896, mas se transferiu para a atual sede, no bairro Orleans, em 1959. Abriga ainda hoje os seminaristas em início de formação. Atualmente, há 23 postulantes na casa. Um dos três prédios que abriga a instituição é casa dos estudantes de filosofia. No local funciona também um colégio regular, de ensino médio, o Metropolitano, com pouco mais de uma centena de alunos. Leigos e seminaristas convivem nas mesmas salas de aula.

O arcebispo emérito de Curitiba, dom Pedro Fedalto, 86 anos, escolheu o Seminário São José para viver sua aposentadoria. Ali ele dá aulas para cinco estudantes, recebe fiéis e cuida de um museu interno, com documentos e objetos religiosos.

Dono de memória privilegiada e de gosto pela história, dom Pedro é dos que colaboram com os jornalistas que procuram o Seminário São José em busca de informações sobre dom Odilo Scherer. Com precisão, cita a vida pastoral do cardeal em Toledo e as pessoas com quem estudou.

"Se Deus é brasileiro, o papa é gaúcho". A suposta blague de João Paulo II, em 1980, na cidade de Porto Alegre, hoje soa como uma profecia. Ou quase. É fato que o papabile dom Odilo Pedro Scherer nasceu em terras rio-grandenses. Ele é de Cerro Largo, no Noroeste do Rio Grande do Sul. Mas veio guri de colo para o sudoeste do Paraná e viveu no estado por nada menos do que quatro décadas, incluindo os 12 anos de sua formação para o sacerdócio.

Veja fotos da passagem de Dom Odilo por Curitiba

Em Curitiba está boa parte dos endereços da memória de Scherer, em particular o Seminário São José, no km 99 da BR-277, no bairro Orleans; o Seminário Rainha dos Apóstolos, no Batel; e o Studium Theologicum, bem de frente à Praça Ouvidor Pardinho, no Rebouças. Se a fumacinha branca for favorável ao brasileiro, vai se tornar impossível não apontar com o dedo o local onde o novo papa cursou o ginásio e o ensino médio, a faculdade de Filosofia e a de Teologia.

"Para falar a verdade, a rotina do nosso colégio já não é mais a mesma", brinca o padre Luciano Ferreira de Lima, 32 anos, vice-reitor do Seminário São José, uma das joias da arquitetura moderna da capital, plantada numa área de 120 mil metros quadrados. Desde que a preferência por dom Odilo Scherer veio à tona, o local tem sido visitado por jornalistas, em busca de fotos, documentos e informações sobre o cardeal. O material foi xerocado e envelopado para atender aos pedidos. Faz parte do lote até o número da matrícula de Scherer – 126.

Só não é permitido "colar" as notas dos boletins. Mas nem seria preciso escondê-las. Nos sete anos em que dom Odilo viveu no São José, entre 1963 e 1969, teve média geral em torno de 9,8. Sua avaliação mais baixa, no ano em que chegou, foi 7,4 em Português, natural para um menino de 13 anos, vindo de uma então distante Toledo, dado a falar alemão com seus pais – Edwino e Francisca Wilma – e com os 12 irmãos.

Sinais

Os sinais de passagem do cardeal pelo seminário da arquidiocese ainda estão sendo recolhidos. A cada nova remexida nos arquivos aparece uma ata esquecida em que seu nome aparece em meio a Brünings, Marochis e Cecatos. Há pilhas e pilhas de álbuns fotográficos antigos para serem analisados. Algum deles deve guardar uma relíquia de Odilo jogando bola, na biblioteca ou servindo à missa. Numa das imagens encontradas se vê o menino muito louro e miúdo posando em meio a uma centena de outros candidatos ao sacerdócio.

Naquela época, o seminário menor, como é chamada a fase em que se cursa o atual fundamental e médio, chegava a ter 150 estudantes. Em 1963, ano da entrada do futuro cardeal, eram 124. Não havia casas em volta do local e a BR-277 era apenas um projeto. Estar no seminário significava estar afastado. E ocupado: o prédio do São José fora inaugurado em 1959, mas ainda estava em obras. Calcula-se que Odilo tenha ajudado a plantar a grama do primeiro campo de futebol e dado uma mãozinha na conclusão da capela – provavelmente a primeira erguida no Paraná nos moldes do Concílio Vaticano II, que ocorreu entre 1961 e 1965, o que a faz objeto de análise do Patrimônio Histórico.

Coral

O monsenhor Francisco Fabris, 72 anos, 46 morando no Seminário São José, conviveu três anos com o Odilo seminarista. Regeu-o no coral – e ainda tem fitas cassete daquele tempo. Lembra que o guri Scherer tocava violão, bem a gosto da romântica Ação Católica dos anos 50 e dos ventos da renovação dos anos 1960. "Era um garoto sadio", reforça o monsenhor, sobre o jovem que descreve como um seminarista de bom trato e dado aos estudos. É Fabris quem revela dois detalhes saborosos da vida do cardeal – um diz respeito a sua iniciação pastoral, outro àquele que teria sido sua maior influência.

Os seminaristas de Toledo eram chamados de "a turma do Oeste". Iam menos para casa da família, por causa da distância. Nos feriados e mesmo em férias, acompanhavam os padres do seminário para uma espécie de missão na paupérrima região de Adrianópolis, conhecida pelas minas de chumbo. O local deve ter sido sua iniciação missionária. Quanto à influência, ela atende pelo nome de padre Eugênio Mazzarotto, de célebre clã de religiosos curitibanos.

Eugênio dava aulas de francês no seminário – com folga, as maiores notas eram de Odilo. Fora uma presença tão marcante na vida dos estudantes que quando morreu, em 1971, muitos, já padres, vieram velá-lo. Scherer estava entre os que vararam a noite tocando e cantando canções francesas em torno do corpo do amigo e professor. É a imagem mais bela que Fabris tem do jovem Odilo. Por ela, vai se emocionar em vê-lo eleito papa, mas não há de se espantar.

Dom Odilo Pedro Scherer

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