Tradição
Companhia de Jesus ocupou a região no início do século 16
A histórica influência jesuíta na região ocupada pela Companhia de Jesus desde o século 16, na então República do Guaíra, onde o grupo se instalou para explorar madeira e catequizar os índios fez com que a localidade fosse buscar na congregação o padre da sua primeira missa. Dante Passamaia, de Formosa do Oeste, foi o escolhido e tornou-se o primeiro padre da vila que somente nove meses mais tarde receberia o nome de Jesuítas. Um caso raro em que a igreja existiu antes da cidade.
A tradição de entregar a paróquia somente a jesuítas foi mantida até o início dos anos 80, quando o distrito, enfim, foi promovido a município. Um dos últimos párocos da congregação, o espanhol Felipe Danpé, comandou a construção da nova igreja. Uma obra que quase pôs tudo a perder, por ter avançado sobre terrenos que a Sinop não havia doado. Foi necessária uma ida a Maringá de Marino Braga e do padre Inácio Scherer, irmão do arcebispo metropolitano de São Paulo, cardeal dom Odilo Scherer, para convencer Pipino a ceder a escritura da gleba "invadida".
Com a papelada regularizada, a Igreja Santo Inácio de Loyola seguiu localizada na esquina das avenidas Padre Vieira e Santo Inácio. O endereço revela outra peculiaridade de Jesuítas. Na planta original do município, foi determinado que todas as vias teriam nome de santos, padres ou papas. Uma regra da qual fogem apenas as ruas abertas para chegar aos novos loteamentos.
Marino Braga aperta os miúdos olhos azuis para ter certeza de que não está sendo enganado pelo visor da câmera. "Levaram a placa dali", exclama, e golpeia o chão com a bengala, enquanto a ponta do seu nariz fica mais vermelha que o normal. "Era de bronze! O padre Toninho falou que daqui a cem anos ainda estaria lá", prossegue, indignado.
A placa de bronze, posicionada desde o ano passado ao pé de uma Cruz de Caravaca, determinava o local da primeira missa realizada em Jesuítas, no dia 26 de março de 1962. O município de pouco mais de 9 mil habitantes, a 624 quilômetros de Curitiba, na Região Oeste do estado, se desenvolveu em torno da sua igreja, da extração de madeira e das lavouras de café. Um processo apoiado de maneira fundamental da Companhia de Jesus, da qual faz parte o papa Francisco, primeiro jesuíta a comandar a Igreja Católica. E que teve Marino Braga, hoje aos 77 anos, como um de seus protagonistas.
Quando chegou de Cornélio Procópio em 1959, a família Braga encontrou "mato em pé e água no corpo" no distrito de Formosa do Oeste "que nem nome tinha". A missão de desbravar a região foi oferecida por Ênio Pipino, presidente da Sinop Terras S/A, empresa responsável pela colonização de boa parte do Noroeste do Paraná em meados do século passado. Pipino era dono das terras e queria desenvolver ali uma lavoura de café. Os Braga eram proprietários de uma serralheria e tinham interesse na extração de peroba, cedro, ipê, marfim e palmito.
Vila
Os primeiros três anos de desmatamento abriram espaço para a criação de uma vila. E os moradores logo se mobilizaram para a construção de uma igreja, o que evitaria os deslocamentos até Formosa do Oeste. Marino Braga nem se lembrava, mas presidiu a comissão de construção da igreja. Também pôs a mão na massa. "Trabalhávamos durante a semana para nós e aos domingos para Santo Inácio de Loyola", conta. "Tenho até hoje o Ford-61 que era o nosso trator para arrastar pau e mato."
Impulso
A missa de quarta-feira passada, horas depois da eleição no Vaticano, deixou no ar a esperança de um impulso ao catolicismo na cidade. "A igreja recebeu um grande público, muitos leigos começaram a comentar da relação entre a congregação do novo papa e a origem da cidade", diz o padre Laudemir da Rocha, que se espantou com a maior audiência em pouco menos de 40 dias em Jesuítas.
Para quem acompanhou de perto a expansão da cidade no vácuo da igreja, o novo pontificado é visto com ânimo maior ainda. "Para nós foi emocionante. A cidade tem uma história bonita e o papa Francisco tem carisma, desapego material, atenção aos pobres. Missionários são assim. Está na formação deles", define a comerciante Clemilde Decheci Felipin. "Com todos falando do papa, por ser sul-americano e jesuíta, seria ótimo que isso chamasse a atenção das pessoas para a cidade. Até dos argentinos, que estão a 100 quilômetros daqui", torce Rosana Conrado, secretária paroquial.
Devolução
Quem visitar Jesuítas conhecerá a história da cidade que se desenvolveu guiada pela Congregação de Jesus. Circulará por suas ruas com nomes de santos, papas e padres. E, provavelmente, encontrará uma nova placa de bronze no pé da Cruz de Caravaca. Marino Braga prometeu tomar providências para devolver o marco zero da cidade ao seu lugar original: a pracinha entre as ruas Papa Pio XI e Papa São Maurício.