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O LEGADO DE BENTO XVI

O Brasil descobre quem é Bento XVI

O dia 12 de maio de 2007 foi de pânico na equipe de segurança de Bento XVI no Brasil. Sem avisar, o papa quebra o protocolo e começa a abrir caminho pelo público formado por cerca de 2 mil ex-traficantes, drogados, prostitutas e criminosos. O cenário é a Fazenda Esperança, em Pedrinhas, a 15 km do Centro de Guaratinguetá (SP), um centro de recuperação de dependentes químicos.

A tensão dos agentes durou pouco mais de 10 minutos, tempo que o papa levou para descer do palco preparado para a ocasião e percorrer cerca de 200 metros, contando ida e volta, com um sorriso ininterrupto. Como ocorre na Sala Paulo VI, em Roma, nas audiências papais, os jovens estendiam as mãos e objetos pessoais, aos gritos, tentando tocar o pontífice ou receber uma bênção. E o papa correspondia, para o desespero dos seguranças. A preocupação chegou ao auge quando o boné de um dos presentes caiu e Bento XVI se abaixou para pegá-lo e devolvê-lo ao seu dono. "O homem e cidadão Bento XVI foi uma surpresa para todos", diz Ricardo Correa Ribeirinha, 37 anos, um dos ex-dependentes químicos que estavam no local.

A "surpresa", no entanto, começou três dias antes, quando o papa desembarcou na Base Aérea de Guarulhos (SP). Antes de chegar ao Brasil, Bento XVI era visto como uma pessoa "séria" e "sisuda", fama conquistada por sempre defender posições polêmicas da Igreja, como a proibição ao aborto ou ao uso de preservativos, principalmente durante os anos em que foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. O Brasil, no entanto, viu um outro homem descer do avião. "Um papa surpreendentemente caloroso", escreveu na ocasião o site de notícias UOL. "Bento XVI revelou o seu lado carismático", publicou o jornal Folha de S.Paulo. Com o seu sorriso, "o papa perdeu um pouco da imagem de papa europeu", apontou o site G1.

Palavras fortes

Os gestos simples e amáveis foram acompanhados de palavras firmes. Logo no primeiro discurso, ao lado do presidente Lula, ainda em Guarulhos, depois de dizer que o Brasil ocupa um "lugar especial no seu coração", o pontífice afirmou a necessidade do "respeito pela vida, desde a sua concepção até o seu natural declínio", em uma clara alusão às tentativas de descriminalização do aborto e da eutanásia no país.

No dia seguinte, o papa convidou os cerca de 50 mil jovens no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, a viver a castidade, recusando uma "vida dissoluta, paradoxalmente vazia, ao fazer perder o bem precioso da vossa liberdade e da vossa verdadeira felicidade". E repetiu as palavras da encíclica Deus caritas est, sobre o verdadeiro amor, que "requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos".

Depois de pedir santidade aos mais de 1 milhão de católicos presentes na canonização de Frei Galvão, no dia 11 de maio, falou a 400 bispos na Catedral da Sé sobre a responsabilidade no discernimento e na formação dos novos padres para evitar o risco de "desvios no campo da sexualidade". Chamou de "ferida" a difusão do divórcio e das uniões livres, além de alertar os presentes a lutar contra a ignorância que faz os católicos "vulneráveis ao proselitismo agressivo das seitas".

Na Fazenda Esperança, criticou os traficantes, dizendo que Deus "vai-lhes exigir satisfações" pelo mal que provocam. Em Aparecida, deu diretrizes concretas para os bispos da América Latina na abertura da V Conferência Episcopal Latino-Americana (Celam), afirmando sua preocupação pelas "formas de governo autoritárias" e "sujeitas a certas ideologias", distintas da "autêntica libertação cristã", em uma menção velada à Teologia da Libertação.

A despedida do papa foi seguida de manifestações de apoio e agradecimento por parte de católicos e não católicos, mas também de críticas, principalmente de grupos favoráveis à Teologia da Libertação e ao aborto. O balanço dado nos meios de comunicação sobre a influência da viagem também mudou de acordo com a cor ideo­­lógica das fontes. Nesse cenário, apenas uma opinião permaneceu unânime entre os que o conheceram: na sua timidez, o papa venceu com ternura a fama de "rottweiler de Deus".

Nos seus quase 8 anos de pontificado, o papa Bento XVI teve a oportunidade de encontrar chefes de estado em viagens polêmicas ou em encontros privados no Vaticano. Confira alguns desses momentos.

Bento XVI e líderes mundiais

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