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Favoritos para papa

Oscar Rodriguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa

Se você fosse um produtor de Hollywood e estivesse fazendo um filme sobre um papa que faz a Igreja Católica parecer rejuvenescida, "pra cima", e pedisse a seu diretor de elenco por uma sugestão para o papel, o indicado certamente se pareceria bastante com o cardeal Oscar Rodriguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa, em Honduras. Hoje com 70 anos, Rodriguez Maradiaga tinha apenas 58 anos quando foi nomeado cardeal em 2001, e chegou causando impacto. Estamos falando de um bispo alto e bonitão que toca saxofone e piano, que sabe pilotar aviões, que fala seis línguas fluentemente, que tem um sorriso largo e um carisma genuíno, e que é visto como um grande defensor dos pobres. Ele é um sucesso nos circuitos de palestras e entre a imprensa, no mundo todo.

Em Honduras, Rodriguez há muito tempo é o líder nacional em termos de autoridade moral e influência social. Nos anos 90, pediram-lhe que liderasse uma comissão para devolver a força policial ao controle civil. A certa altura das negociações, Rodriguez teve uma emergência dentária e precisou voar para Houston, nos Estados Unidos, e descobriu lá mesmo que tinha sido eleito chefe de polícia! Ele teve de correr para deixar claro que não queria o posto, mas a moral da história é evidente: em tempos de crise, ele era a única pessoa em quem a maioria dos hondurenhos confiava. Rodriguez Maradiaga tem sido um oponente tão feroz dos cartéis do tráfico na América Central que ele chegou a ter de andar por aí com escolta militar, de tantas ameaças de morte que havia recebido de narcoterroristas.

Quanto ele voltou para Tegucigalpa, após o conclave de 2005, mesmo sem ter sido eleito, o jornal local El Heraldo dedicou uma seção especial ao cardeal com a manchete "Nossa esperança, nosso líder, nosso orgulho". Por algum tempo Rodriguez Maradiaga era descrito como "papa à espera", um candidato tão óbvio para ser o primeiro pontífice do mundo em desenvolvimento que se esperava que ele já estivesse escolhendo as cortinas do apartamento papal. Mas é inevitável que tanta visibilidade atraia uma reação – com outros bispos resmungando que Rodriguez parecia estar em campanha para papa – e oportunidades para tropeços.

Rodriguez representou a Santa Sé tanto no Fundo Monetário Internacional quanto no Banco Mundial, e afirmou que "o capitalismo neoliberal traz injustiça e desigualdade em seu DNA". Os críticos às vezes dizem que suas boas intenções não batem com os aspectos práticos da política econômica. Em 2006, o cardeal respondeu aos críticos: "Não somos prêmios Nobel de Economia", ele falou, a respeito dos católicos socialmente engajados, "mas conhecemos a humanidade, e na maior parte das vezes isso basta".

Em 2002, Rodriguez causou furor nos Estados Unidos ao comparar as críticas da imprensa à Igreja no caso dos abusos sexuais às perseguições dos imperadores romanos Nero e Diocleciano, bem como de Hitler e Stalin. Ele insinuou que a imprensa norte-americana estava tentando desviar a atenção do conflito árabe-israelense, por influência do lobby judaico. Os comentários causaram protestos tanto das vítimas quanto da Liga Antidifamação. Recentemente, o grupo Snap, de vítimas de abusos, colocou Rodriguez Maradiaga em uma lista de candidatos ao papado com um histórico problemático sobre o tema. Em uma entrevista posterior ao National Catholic Reporter, o cardeal disse que pretendia chamar a atenção para o sofrimento das pessoas no Terceiro Mundo, sugerindo que a atenção massiva da mídia americana aos escândalos era desproporcional.

Críticos também dizem que Rodriguez brincou com fogo em 2009, quando aparentemente mandou mensagens contraditórias a respeito do golpe em Honduras. Quando o esquerdista Manuel Zelaya assumiu a presidência, em 2006, o cardeal parecia apoiá-lo, mas depois se tornou um crítico, afirmando que Zelaya estava se radicalizando por influência do venezuelano Hugo Chávez. Quando os militares hondurenhos tomaram o poder em junho de 2009, Rodriguez primeiro não se manifestou, depois leu um pronunciamento em cadeia nacional que parecia abençoar a ação. Ao ser criticado por tomar uma posição vista como antidemocrática, o cardeal recuou, insistindo que só queria evitar derramamento de sangue.

Apesar de ser um assunto interno, Rodriguez também é visto como o lado perdedor numa disputa de poder no Vaticano em 2011. O hondurenho é o presidente eleito da Cáritas Internacional (a federação de serviços de caridade católicos), cuja secretária-geral foi impedida de se candidatar à reeleição pela Secretaria de Estado, como parte de um esforço maior para trazer a Cáritas para mais perto da órbita das autoridades vaticanas. Defensores da Cáritas esperavam que Rodriguez conseguisse convencer o secretário de Estado, Tarcisio Bertone, seu colega salesiano, a recuar da medida, mas não funcionou. Apesar de tudo isso, muitos observadores ainda levam a sério uma candidatura de Rodriguez Maradiaga.

Nascido em Tegucigalpa, em 1942, ele entrou para a ordem salesiana em 1961 e foi mandado para o ensino superior. Doutorou-se em Filosofia, Teologia, Teologia Moral e Psicologia Clínica. Rodriguez fez todo o seu treinamento teológico no pós-Vaticano II. Entre outros locais, ele estudou na Academia Alfonsina, em Roma, onde teve aulas com o célebre teólogo moral Bernhard Häring, um liberal. Rodriguez chama de "ídolo" o famoso redentorista, falecido em 1988. Ele foi nomeado bispo auxiliar de Tegucigalpa em 1978, com apenas 35 anos. Tornou-se arcebispo em 1993 e cardeal em 2001.

Apesar da atuação internacional intensa de Rodriguez, observadores dizem que ele tem sido um líder habilidoso, de muitas maneiras, da Igreja local. Em 2010, havia 170 matriculados no seminário nacional, um recorde em um país que tem pouco mais de 400 padres. Antes de Rodriguez assumir, havia menos de 40 seminaristas.

A defesa de Rodriguez é fácil de fazer.

Primeiro, ele seria um símbolo cativante do crescimento do catolicismo fora do ocidente, e não apenas por acidente de nascimento. Há tempos Rodriguez se vê como um defensor dos direitos das pessoas do mundo em desenvolvimento. Em 2006, o jornalista italiano Enzo Romeo publicou uma biografia do cardeal intitulada O Oscar de vermelho: cardeal Rodriguez Maradiaga, a voz da América Latina. Entre muitas de suas típicas frases de efeito denunciando injustiças está "o colonialismo do passado era baseado em navios de guerra; o novo colonialismo está baseado em dinheiro".

Segundo, Rodriguez parece ter sido feito sob medida para o posto de "missionário-chefe" da Igreja Católica: um carismático poliglota com longa experiência de ação internacional. Seu sucesso ao gerar vocações em Honduras sugere que não se trata apenas de um charme superficial, mas de uma capacidade real de inspirar fé.

Terceiro, Rodriguez seria capaz de desempenhar o papel de mediador em muitos dos conflitos internos do catolicismo. Pelos padrões seculares, ele não tem nada de liberal; afirmou publicamente que qualquer político católico que apoiasse leis de direito ao aborto estava automaticamente excomungado, e em 2009 ele apoiou a posição de Bento XVI, para quem apenas distribuir preservativos não resolveria o problema da aids. Ainda assim, Rodriguez é o queridinho da centro-esquerda da Igreja por sua histórica promoção das causas de justiça social, sua simpatia pela Teologia da Libertação, e seu pedigree teológico como discípulo de Häring.

Quarto, Rodriguez foi secretário-geral do Celam, a conferência episcopal latino-americana e caribenha, de 1987 a 1991, e seu presidente de 1995 a 1999. Hoje, é presidente da Cáritas Internacional. Essas posições não apenas indicam o amplo respeito que ele conquistou, tanto na América Latina quanto nos ambientes católicos de todo o mundo, mas também significam que ele tem um bocado de experiência administrativa. Numa época em que muitos cardeais acreditam que o próximo papa precisa ser um gerente mais atento, esse é um perfil atraente.

Quinto, Rodriguez fala italiano fluentemente, e estudou na Cidade Eterna, o que lhe dá uma posição confortável para ser o bispo de Roma.

Mesmo assim, existem dúvidas suficientes sobre Rodriguez para que muitos analistas o vejam como azarão.

Primeiro, ele já foi considerado um candidato forte da última vez, em 2005, e mesmo assim não decolou no conclave. Ele nem mesmo foi o latino-americano mais votado (esse posto ficou com o argentino Jorge Mario Bergoglio).

Segundo, Rodriguez é visto por alguns cardeais como um tanto à esquerda no espectro. Não é loucura imaginar veículos de comunicação conservadores afirmando, nas manchetes, "Marxista é eleito papa", caso Rodriguez seja escolhido. E, não importa quão genuína seja a preocupação de muitos cardeais com a pobreza, eles podem não estar prontos para correr esse tipo de risco.

Terceiro, os antigos comentários sobre a crise dos abusos sexuais podem voltar para assombrá-lo, por mais que ele tenha repetidamente ressaltado sua preocupação com as vítimas e seu apoio à expulsão dos sacerdotes culpados. Se ele for eleito, os assessores do Vaticano terão que trabalhar até de madrugada para explicar o histórico do novo papa. E, num conclave especialmente determinado a encontrar alguém que tenha ficha limpa nesse quesito, essa é uma preocupação real.

Quarto, Rodriguez não tem experiência de trabalho dentro do Vaticano, e a derrota no caso da Cáritas pode sugerir a alguns cardeais que ele não tem o capital político para se impor. Se ele não conseguiu nada com um colega salesiano no comando, podem se perguntar, ele realmente conseguiria botar a velha guarda na linha?

Por essas razões, Rodriguez Maradiaga parece destinado a ficar na segunda ou terceira divisão dos candidatos a papa desta vez. Mas, depois de uma enorme surpresa, como foi a renúncia de Bento XVI, quase tudo parece pelo menos plausível.

Tradução: Marcio Antonio Campos

* John Allen Jr. é um dos mais experientes vaticanistas da atualidade. Jornalista do site norte-americano National Catholic Reporter (http://ncronline.org/), ele também colabora com o canal de televisão CNN e com a National Public Radio norte-americana. Allen é autor de vários livros sobre a Igreja Católica, incluindo duas biografias de Bento XVI, uma delas escrita quando Joseph Ratzinger ainda era cardeal. Duas de suas obras foram traduzidas para o português: Opus Dei, mitos e realidade, de 2005, e Conclave, de 2002, em que ele descreve os rituais que envolvem a sucessão do papa e apontava vários favoritos para assumir o posto após a morte de João Paulo II.

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