Entrevista

Agência O Globo

"Apesar das crises, a Igreja caminha bem"

O coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC de São Paulo, Francisco Borba, defende a importância católica para a cultura do mundo globalizado e descarta que a renúncia do cardeal escocês Keith O’Brien tenha influência no conclave.

Por que a sociedade moderna precisa de uma Igreja sólida?

O Ocidente — e, por meio dele, o mundo globalizado — foi construído a partir de pressupostos cristãos. A ideia da gratuidade de Cristo, que se dá ao homem, cria a noção de dignidade do indivíduo. A ideia do bem comum é um desenvolvimento da noção de caridade cristã. O grande problema cultural que enfrentamos hoje é: a sociedade globalizada, laica, consegue se organizar abandonando o pressuposto religioso que estava na sua origem? Eu posso pensar na solidariedade e no amor, necessários para que o homem sobreviva e seja feliz, sem recorrer à existência de um Deus?

O mundo laico garante que sim …

Sim, porém, todos nós, religiosos ou não, pelo menos quando estamos diante da morte, sentimos uma nostalgia do sagrado.

O senhor disse que a Igreja, apesar de tantos escândalos, caminha bem. Por que acha isso?

A Igreja Católica viveu, logo após o Concílio do Vaticano II (1962-65), momentos de grande confusão. Não se sabia muito bem para que lado aquelas novidades iriam levar. No entanto, as ações dos papas nos períodos seguintes, notadamente João Paulo II e Bento XVI, deram uma diretriz de renovação à Igreja. Aos poucos se está construindo uma Igreja mais centrada, mais capaz de enfrentar os desafios do futuro. Apesar das crises, a Igreja caminha bem.

Mas todos concordam que o novo Papa precisará ter uma postura gerencial melhor para resolver essas divisões internas, esses problemas...

Sim. O próximo papa deve ser uma pessoa mais jovem e com mais dinamismo para enfrentar questões que exigem energia vital. Porém, a grande questão é a dimensão mística que orienta a ação gerencial. A ação gerencial não sobrevive por si só.

O senhor fala de problemas que a Igreja sofre na Europa, e não em países como o Brasil. Seria o caso de os cardeais pensarem em alguém mais voltado à Europa?

Os grandes problemas que levaram à perda de fiéis na sociedade ocidental, não apenas na Igreja Católica, mas em todas as religiões, são questões que nasceram na cultura iluminista europeia. O futuro papa tem que ser capaz de responder a esses problemas. Não necessariamente precisa ser um europeu, mas ele precisa saber dialogar com a realidade cultural europeia.

O escândalo envolvendo o cardeal escocês Keith O’Brien e sua renúncia vão influenciar no conclave?

Acho que este é mais um problema interno da Igreja escocesa. O conclave não deve ser influenciado. Se O’Brien tivesse chance de ser papa ou pertencesse a uma Igreja como a latina, para a qual os olhos dos cardeais estão voltados, sim, a renúncia teria maior impacto. Mas o país mais importante para o catolicismo de língua inglesa é os EUA.

Francisco Borba, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC de São Paulo.

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O papa Bento XVI publicou ontem um documento que muda as regras do Vaticano e abre caminho para antecipar o conclave que elegerá seu sucessor. A mudança significa que não será necessário esperar 15 dias para que seja escolhido o novo pontífice.

Bento XVI renuncia na próxima quinta-feira. O decreto modifica a lei imposta por seu antecessor, papa João Paulo II, que determinava a quinzena como período para a preparação da reunião.

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A nova medida, chamada de Motu Proprio, permite que a escolha do novo pontífice comece assim que todos os cardeais estejam em Roma. O decreto também pode ser usado eventualmente para atrasar o conclave em outras situações.

Sem a medida, o conclave deveria começar no dia 17 de março, o primeiro domingo após o período de 15 dias do cargo vago. A data é uma semana antes do Domingo de Ramos, que abre os rituais da Semana Santa e da Páscoa, um dos principais períodos religiosos do cristianismo.

De acordo com as regras para a escolha do novo pontífice, o próximo papa necessitará em todas as votações da maioria de dois terços dos votos dos cardeais presentes. Além disso, caso ocorra a simonia (compra de votos) todos os culpados serão excomungados, mas o voto será considerado válido.

Também está previsto que os cardeais eleitores deverão se abster de qualquer forma de pacto, acordo, promessa e outros compromissos que possam obrigá-los a dar ou negar o voto a outros.

Relatório

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Bento XVI decidiu entregar "exclusivamente" a seu sucessor o relatório elaborado por três cardeais sobre o vazamento de documentos confidenciais do pontífice, o escândalo conhecido como "VatiLeaks".

"O Santo Padre decidiu que os resultados deste relatório, cujo conteúdo apenas Sua Santidade conhece, permaneçam exclusivamente à disposição do novo Pontífice", informa uma nota oficial do Vaticano.

O texto, entregue ao pontífice em dezembro do ano passado, foi elaborado por três cardeais de confiança do papa e continha investigações que iam além do caso envolvendo seu mordomo.

O conteúdo é sigiloso, mas, segundo reportagem do jornal italiano La Repubblica, especula-se que os religiosos não mediram palavras para revelar casos de mau uso de dinheiro, disputas de poder e relações homossexuais.

BaixaCardeal britânico renuncia após acusações de "atos inapropriados"

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Folhapress

O arcebispo de Saint Andrews e Edimburgo, cardeal Keith O'Brien, renunciou ontem após ser acusado de "atos inapropriados" contra outros sacerdotes da Igreja Católica na década de 1980. Ele era o principal cardeal britânico e o único representante do Reino Unido que podia votar no conclave que escolherá o sucessor do papa Bento XVI.

Segundo o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, O'Brien entregou sua carta de renúncia ao papa Bento XVI no dia 18. Seu sucessor deverá ser escolhido em meados de março.

O'Brien deixa o cargo um dia após a publicação de denúncias contra ele no jornal britânico The Observer. O dominical informou que três atuais sacerdotes e um ex-padre de "comportamentos inapropriados" durante orações noturnas na década de 1980.

Os sacerdotes o acusam de se aproximar de forma indevida durante as sessões, quando as supostas vítimas ainda eram seminaristas do Colégio de Saint Andrew e o atual cardeal era bispo. Não foi especificado que tipo de comportamento O'Brien tinha com os futuros sacerdotes.

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Segundo o jornal, um dos denunciantes, um ex-sacerdote, disse que foi acusado na época de deixar a igreja para se casar. "Eu sabia que ele sempre teria poder sobre mim. Na época, disseram que deixei o sacerdócio para me casar. Não fiz isso, fui embora para preservar minha integridade".

As denúncias foram apresentadas ao Vaticano no dia 11, data em que Bento XVI anunciou que sairia do cargo de pontífice. O'Brien negou as acusações, mas entregou sua carta de renúncia uma semana após a denúncia.