Garoto com a camisa do Barcelona joga bola em praça turística de Cuba| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

A relação das novas tecnologias com Cuba está marcada pelo fascínio e por oportunidades, mas também por receios e pela inevitabilidade, uma metáfora das mudanças que vão acontecer na ilha nos próximos anos. O país, um dos com menor penetração da Internet nas Américas, é ao mesmo tempo uma fábrica de especialistas em informática cujo talento desperta cada vez mais interesse internacional. A rede poderia ser o caminho da implementação do socialismo igualitário que proclama seu governo. Mas ao mesmo tempo se transformou em uma janela para escapar do férreo controle estatal apesar da censura, e é um espelho do aumento das desigualdades.

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Os trabalhadores de informática, como durante décadas foram os médicos, podem se tornar o “capital humano” mais valorizado na ilha. O problema para Cuba, pelo menos até agora, é o que acontece com tantos outros profissionais aos quais proporciona uma alta preparação: assim que podem, vão embora em busca de um futuro melhor. Mas há sinais de que isso pode estar mudando.

Dos que se formaram com Hiram Centelles na Universidade de Ciências da Informática (UCI) de Havana, praticamente nenhum colega continua em Cuba. Ele foi para a Espanha em 2008, poucos meses depois de terminar a carreira de Engenheira de software e informática. O site de anúncios classificados que havia criado, revolico.com, até hoje a página mais popular de Cuba, havia sido bloqueada pelo governo e Centelles, que então tinha 24 anos de idade, já não se sentia seguro em seu país.

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Agora fala em voltar para Cuba se as reformas iniciadas pelo Governo de Raúl Castro e apoiadas pela normalização das relações com os EUA se consolidarem. Não é o único emigrado – voluntária ou forçado – que está pensando em voltar a esta nova Cuba que desponta.

Sair de Cuba não é mais a única solução

“Há oito anos, a única maneira era ir embora de Cuba, não havia opção. De uns anos para cá, especialmente desde 2014, existem muitos jovens que estão achando possível viver aqui e não contemplam ir embora porque veem que há muitas oportunidades para crescer profissionalmente. E isso é uma mudança brutal”, diz Centelles.

Asley Arboláez, programador de 31 anos, e Karel Pérez, engenheiro civil de 34 anos, são essa exceção ainda rara, embora cada vez mais comum, de jovens e especialistas em novas tecnologias que não pensam em sair de Cuba como a única maneira de crescer profissional e pessoalmente. Os dois participaram no Havana Startup Weekend realizado na capital cubana em novembro e foram convidados para o evento de empreendedores cubanos com empresas norte-americanos e Barack Obama durante a visita do presidente dos Estados Unidos em março.

Um campo reconhecido

No mundo das novas tecnologias em Cuba “existe um nível elevado e está sendo reconhecido” seu potencial, diz Arboláez. Que digam Juan Luis Santana, Juan Alejandro Hernández e Sergio León, três jovens de 25 anos fundadores da plataforma cultural Kehaypahoy. Acabam de concluir uma visita a Washington, onde se reuniram com empresários e funcionários do Governo de Obama. Agora vão para o Vale do Silício para participar, durante uma semana, de sessões de treinamento de empresas como Netflix, Google ou Facebook.

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Nas novas tecnologias é “onde estamos vendo a nova revolução cubana”, disse Faquiry Díaz, um empresário cubano-americano que aposta com sua empresa de investimentos, Tres Mares, nas novas tecnologias. “Há muitos em Cuba que estão programando nos pontos wi-fi e vendendo no exterior seus produtos. Essas mesmas pessoas poderiam estar em Palo Alto, em San Francisco ou na Espanha ganhando dez, cem vezes mais do que ganham em Cuba, mas querem estar em Cuba, não estão sendo forçados a ficar”. É o caso dos criadores de Kehaypahoy, cujo desejo é servir como uma “ponte”, por exemplo, entre as grandes empresas do ramo dos Estados Unidos e os jovens cubanos, que, como eles, querem fazer o que gostam, sem ter que abandonar seu país para isso. Para Díaz, Cuba poderia ser o “Israel do mundo das startups, por sua população muito educada e uma diáspora com laços muito fortes”. Karel Pérez não considera absurdo que Cuba poderia se tornar “a Índia da América Latina em outsourcing”. “Para muitas empresas norte-americanas seria muito simples, prático e cômodo contratar pessoas em Cuba por causa da proximidade e semelhanças culturais”, corrobora Centelles.

Um caminho ainda com muitos obstáculos

Mas que cada vez mais jovens apostem pelo desenvolvimento profissional em Cuba não significa que o caminho é fácil.

Um problema-chave, todos concordam, é o embargo norte-americano, que continua impedindo que seja possível ter acesso, de Cuba, a ferramentas essenciais para os programadores ou as plataformas de pagamento online, embora as flexibilizações ditadas por Obama estejam abrindo algumas portas.

Os obstáculos também vêm de dentro da ilha, e para resolvê-los é preciso que o Governo tome decisões que vão além deste campo. O Congresso do Partido Comunista, a reunião que em abril delineou o caminho político e econômico da ilha para os próximos anos, não deu respostas suficientes. Entre as demandas internas está a de finalmente conceder licenças para criar cooperativas neste setor, a única via aberta, juntamente com o emprego autônomo (empreendedores autônomos), para trabalhar fora da asa do Estado. Centelles também gostaria de ver a criação de empresas de sociedade limitada, enquanto Díaz recorda que neste campo é necessário permitir o investimento de capital de risco.

Outra das perguntas ainda sem resposta: o que vai acontecer com o controle estatal sobre o conteúdo. Sites que não seguem a linha oficial, como o jornal digital 14yMedio, da blogueira cubana Yoani Sánchez, ainda não têm acesso direto na ilha. E isso não só acontece com páginas de conteúdo político. Até hoje, Revolico continua bloqueado em Cuba, embora os cubanos tenham acesso ao site usando vários subterfúgios.

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Acesso à Internet, o maior impedimento

Mas tudo isso, ressalta Centelles, é pregar no deserto enquanto não for resolvido um problema básico: o acesso à Internet.

Embora existam cada vez mais pontos wi-fi nas cidades e que proliferem os blogs e os usuários de Twitter, “o boom da Internet ainda não atingiu Cuba”, lamenta Arboláez.

Cuba se comprometeu com a União Internacional de Telecomunicações (UIT) a cumprir a “Agenda Conectar 2020”, que prevê que até 2020 a metade dos cubanos terá acesso à Internet.

Mas isso requer, enfatiza Centelles, “que seja investido mais em infraestrutura para dar acesso à Internet”. A questão é como. E a resposta passa, de acordo com David Vázquez, da revista especializada cubana Cachivache Media, por resolver primeiro questões difíceis sobre o modelo que é buscado. Por agora ainda não há respostas.

“Falta consenso tanto entre as instituições responsáveis, como entre os especialistas e também com a população sobre o que queremos em Cuba com a Internet e as novas tecnologias, e como queremos alcançar isso”, diz o comunicador de 26 anos.

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Faz tempo que o Google tenta desembarcar em Cuba. O gigante poderia fornecer wi-fi ou banda larga, mas a oferta continua encontrando reticências. Cuba é incapaz de enfrentar sozinha o investimento de milhões de dólares necessários para melhorar a infraestrutura da ilha para fornecer amplo acesso e com qualidade suficiente para todos os cubanos. Mas deixar que isso seja feito por uma gigantesca empresa norte-americana?

“O que não se pode é entregar numa bandeja de prata a essas empresas o desenvolvimento dessas estruturas enormes, porque como país e como sociedade estaríamos entregando um poder econômico, cultural e político a uma corporação estrangeira que tem claramente definidos seu objetivo, que é, basicamente, ganhar dinheiro “, diz Vázquez.

Um laboratório experimental

Seria possível encontrar um meio termo? Um laboratório já em andamento é o museu do artista cubano Kcho, o primeiro que em Cuba ofereceu wi-fi gratuito e que agora se aliou com o Google para oferecer um espaço interativo, nos arredores de Havana, onde é possível desfrutar de alguns produtos ainda proibidos na ilha, inclusive a realidade virtual. Tudo isso com a bênção explícita das mais altas autoridades da ilha (sua oficina-museu foi inaugurada por Fidel Castro).

No entanto, não é a mesma coisa um espaço artístico pequeno e limitado em seu espaço que dar espaço – ou banda larga – a uma empresa como o Google em toda Cuba. E o problema é o tempo e a urgência das mudanças, se Cuba não quiser perder o impulso digital. “Em Cuba existe muito talento e só é preciso um pouco mais de Internet para ser um hub interessante na área das Américas, América Central e Caribe”, profetiza Centelles. Além disso, “já perderam o controle da Internet”, afirma Faquiry Díaz. “Neste momento, o melhor seria adotar a Internet para ajudar a criar uma economia do saber, empregando todos esses trabalhadores de informática e mostrando muitos dos valores positivos da revolução cubana”. Sobre qual modelo de Internet escolher a partir daí, o empresário lembra que Cuba não seria o primeiro país a aplicar “uma Internet aberta para negócios e uma mais fechada para o que querem dentro”. É o que fazem, lembra, países que já inspiraram Havana no passado, como China e Vietnã.