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Grace Meng define o governo da China como “o monstro”. “Porque come seus filhos”, justifica. Nesta quinta-feira (18), a agência Associated Press publicou a primeira entrevista em que a chinesa, esposa do ex-presidente da Interpol Meng Hongwei, aceitou mostrar o rosto diante das câmeras.
Grace Meng fez críticas ao julgamento em que Meng Hongwei, primeiro chefe chinês da história da Interpol, foi condenado a 13 anos e meio de prisão por um tribunal da China no início de 2020. Segundo comunicado da corte, ele admitiu ter recebido mais de US$ 2 milhões em subornos. Meng também foi condenado a pagar multa de 2 milhões de yuans.
Sua esposa conta que nunca mais teve contato com o marido. Atualmente, ela mora com os filhos gêmeos na França, onde fica a sede da Interpol (na cidade de Lyon). Ela parou de usar seu nome chinês, Gao Ge, e agora se apresenta como Grace, o nome que escolheu, com o sobrenome do marido, Meng. “Eu morri e renasci”, disse à AP. Refugiada política, sua segurança é monitorada 24 horas por dia pela polícia francesa.
Meng Hongwei foi vice-ministro da segurança pública na China e chefe da filial da Interpol no país. Em 2016, foi eleito chefe da organização. Porém, em 2018, veio a queda. Grace Meng relatou que o último contato que teve com o marido, que hoje teria 68 anos (ela disse não ter sequer certeza de que ele está vivo), foi por meio de duas mensagens de celular que ele enviou em 25 de setembro daquele ano, em uma viagem de trabalho a Pequim.
A primeira a instruía a esperar para que ele lhe telefonasse. A segunda foi um emoji de uma faca de cozinha, aparentemente sinalizando perigo. Depois, não houve mais contato. Cartas enviadas pelos advogados de Grace Meng às autoridades chinesas não tiveram resposta.
“Não quero que meus filhos não tenham pai”, disse à AP, chorando. “Sempre que eles ouvem alguém batendo à porta, vão olhar. Eu sei que estão esperando que a pessoa que entra seja o pai deles. Mas quando percebem que não é, silenciosamente abaixam as cabeças. Eles são extremamente corajosos.”
Desesperada pelo desaparecimento do marido, Grace Meng soube da prisão dele por comunicados: primeiro, um da ditadura chinesa, anunciando a abertura de uma investigação por violações legais não especificadas; depois, a Interpol divulgou que Meng Hongwei havia renunciado ao cargo de presidente. A esposa criticou a organização para cooperação policial internacional por não ter assumido uma posição mais firme diante do caso.
“Alguém que desapareceu à força consegue escrever uma carta de demissão por sua própria vontade? Uma organização policial pode fechar os olhos para um crime claro como este?”, questionou.
A respeito do julgamento, Grace Meng apontou que foi um processo fabricado e que o marido foi vítima de um expurgo do Partido Comunista porque estaria tentando utilizar o prestígio de seu cargo para pressionar por mudanças no regime chinês.
“É um exemplo de divergência política sendo transformada em um caso criminal”, disse à Associated Press. “A extensão da corrupção na China hoje é extremamente séria. Está em toda parte. Mas existem duas opiniões diferentes sobre como resolver a corrupção. Uma é o método usado agora. A outra é avançar em direção à democracia constitucional, para resolver o problema na origem.”