Jan Mattlin estava tendo o que é considerado um "dia ruim" em Kauniainen: foi de carro para a estação de trem da cidade e descobriu que não havia onde estacionar. Levemente irritado, telefonou ao jornal local para sugerir um pequeno artigo sobre a falta de vagas, mas, para sua surpresa, o editor colocou a história na primeira página.
"Temos poucos problemas por aqui; talvez eles não tivessem outra notícia para encabeçar a edição", supõe Mattlin, sócio de uma firma de capital privado.
Esse é o encanto da vida em Kauniainen, uma cidadezinha finlandesa próspera que pode se gabar de ser o lugar mais feliz do mundo.
A Finlândia foi considerada a nação mais feliz do planeta pela Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável da ONU, em abril passado, com base nos resultados de uma pesquisa feita em 156 países; e uma segunda enquete concluiu que os 9.600 moradores de Kauniainen são os mais satisfeitos de todos, levando o prefeito, Christoffer Masar, a brincar, dizendo que o município é o mais feliz da face da Terra.
Alguns finlandeses ficaram surpresos; outros, desgostosos.
Segundo a consciência global, o estereótipo finlandês é o de um sujeito melancólico, introvertido e mais propenso ao suicídio que outras nacionalidades. Já os próprios nativos fazem questão de reforçar parte dessa crença, representada pelo provérbio que diz que, se alguém sorrir para um estranho naquele país, ou está bêbado, ou é estrangeiro, ou é maluco.
Leia também: Por que a Finlândia é exemplo no combate a incêndios florestais?
"Meu problema com a palavra 'felicidade' é que nunca sabemos do que estamos falando; pode ser satisfação com a qualidade de vida, pode ser a alegria de viver o dia a dia. É um conceito ambíguo", afirma o professor Frank Martela, pesquisador sobre o bem-estar da Universidade de Helsinki, e que cresceu a alguns quilômetros de Kauniainen.
Mas será que a felicidade pode realmente ser medida? Se sim, será que os finlandeses são mesmo tão alegrinhos? Para tentar responder a essas perguntas, uma visita a Kauniainen parecia indispensável. E, à chegada, admito que as razões para a satisfação dos munícipes não me pareceram óbvias.
A cidade, situada na periferia de Helsinki, a capital finlandesa, é bonitinha, mas não espetacular; resume-se a um conjunto harmonioso de casas espalhadas por um bosque esparso de pinheiros, concentrado à volta de uma praça bastante comum.
Nesta época do ano, a luz só dá as caras de verdade lá pelas nove, e volta a desaparecer por volta das três e meia da tarde. Se você perguntar a um morador se ele é feliz, obterá uma resposta estudada, mas nunca esfuziante. "Mas o que é felicidade?", questiona, retoricamente, o prefeito Masar, no almoço que compartilhamos na única delicatessen local.
No Moms, único bar que fica aberto até tarde, alguns jogadores de futebol esbanjavam um humor sarcástico, ainda que chateados com a derrota sofrida naquela mesma noite.
"Quando a gente perde só dá para ficar feliz depois da segunda cerveja", explica Antti Raunemaa, que também é executivo no ramo da construção.
A bartender sugere outro destino onde certamente eu encontraria mais sorrisos. "Talvez o McDonald's de Espoo?", oferece Jenny Lindholm, acenando na direção da próxima aldeia. "Não tem mais nenhuma opção, sério mesmo." Só que tinha, sim, se bem que não no tipo de lugar em que um caçador de felicidade pensaria a princípio.
Com um nome sem graça, o Centro de Educação de Adultos, um prédio alto na periferia da cidade, não parecia muito promissor, mas era ali, e não no bar, que um grande número de moradores se divertia naquela noite.
Leia também: Finlândia encerra projeto de ‘bolsa família’ universal
No porão tinha gente tecendo tapetes em teares imensos, e trabalhando com cerâmica; no térreo, havia um coral. Nos andares superiores, pessoas pintando réplicas dos ícones da Igreja Ortodoxa ou praticando ioga.
Com subsídio estadual e municipal, o centro oferece aulas noturnas a preços acessíveis "sobre basicamente qualquer coisa em que haja interesse", explica Roger Renman, o diretor.
A qualquer hora do dia ou da noite é possível encontrar pelo menos quinze por cento da população reunida ali, alguns pagando menos de US$ 1 por hora de aula, dependendo do curso.
Há centros semelhantes espalhados pelo país, mas o de Kauniainen é especialmente ativo, principalmente para uma cidade desse tamanho.
"É o tipo de serviço que faz com que a cidade seja mais alegre que a maioria. Graças a ele, o pessoal tem o que fazer... coisas como essa, por exemplo!", diz Seija Soini, executiva aposentada que toma aulas de pintura e estava fazendo o retrato da sobrinha. "Vale como psicoterapia."
E o centro é só uma opção, ainda que a principal, entre as atividades oferecidas para os moradores. O que falta a Kauniainen em lugares para estacionar não falta em serviços públicos.
Nesta cidadezinha minúscula, há mais de cem clubes esportivos e culturais, todos, de uma forma ou de outra, subsidiados pelo município: são instituições para a minoria sueca, para a maioria finlandesa, há uma encosta para os esquiadores, uma escola de música infantil, uma escola de arte infantil, um ginásio de esportes, um rinque de patinação e até uma escadaria externa, conhecida como "kuntoportaat", usada por aqueles que querem manter a forma e tonificar os músculos, subindo e descendo.
Há vinte anos, quando os moradores começaram a questionar se deviam construir uma pista de hóquei no gelo ou uma quadra de handebol, a Prefeitura resolveu a disputa financiando ambos. A única instituição cuja ausência é gritante é a delegacia: como o índice de criminalidade é praticamente inexistente, não há necessidade de uma.
Tudo isso complementa um sistema de saúde pública universal, barato e de boa qualidade, educação superior gratuita e creches a preços acessíveis.
Nas escolas, os alunos raramente são avaliados e os professores, inspecionados, mas, apesar de uma ligeira queda recente, o sistema de ensino continua sendo um dos melhores do mundo.
Caminhando a meu lado pelas instalações de seu colégio, a diretora Leena-Maija Niemi mostra as salas de aula e playgrounds que os próprios alunos ajudaram a projetar, detalhe que, segundo ela, contribui para o senso de pertencimento.
Para garantir tudo isso, os impostos são altos para os padrões norte-americanos: uma pessoa que ganha $ 45 mil por ano pode pagar o dobro na Finlândia do que pagaria em alguns estados dos EUA. Porém a população não se queixa, pois tem um retorno garantido, ou seja, uma sociedade com o mínimo de desigualdade, grandes oportunidades e um forte senso de solidariedade.
"Para mim, felicidade tem a ver com a satisfação que se tem com a vida e a consciência das possibilidades. Se você for analisar por esse ângulo, então, sim, este é um lugar feliz, porque as oportunidades aqui são muitas", afirma Finn Berg, antigo presidente da Assembleia Municipal.
Como também a riqueza: embora a proporção de salários baixos em Kauniainen seja a mesma que no resto da Finlândia, o percentual de salários altos é quase o dobro da média nacional, de acordo com Masar, o prefeito.
Uma vez que os impostos municipais são proporcionalmente mais baixos do que no resto do país, Kauniainen se tornou um destino bastante atraente para quem tem condições de se mudar para cá.
O fato, porém, é que há vantagens para todos. Individualmente, os ricos pagam menos impostos, mas, coletivamente, geram uma arrecadação maior, permitindo que a Prefeitura gaste quatro vezes mais em atividades culturais, per capita, do que o distrito finlandês médio, o triplo em esportes e o dobro em creches.
"Tudo isso gera um nível básico indiscutível de contentamento. Ando pensando sobre o conceito de felicidade, e cheguei à conclusão de que ela nada mais é do que a satisfação que se tem com a própria vida. E não sou nem um pouco infeliz", constata Berg, o contido ex-vereador.
The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
Deixe sua opinião