Na mais dura crítica dos EUA ao papel da Rússia na crise da Síria, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, disse ontem que a relutância de Moscou em apoiar ações contra o regime de Bashar Assad poderá levar a uma guerra civil.
A advertência ocorreu após Rússia e China reafirmarem sua oposição a uma intervenção militar na Síria.
A hipótese voltou a ser discutida em meio ao choque causado pelo massacre de 108 pessoas em Houla, região central da Síria, no último fim de semana.
"[Os russos] Me dizem que não querem uma guerra civil. Eu tenho dito a eles que sua política ajudará a contribuir para uma guerra civil", disse Hillary na Dinamarca.
A coalizão internacional obtida no levante da Líbia em 2011, quando a ONU aprovou uma intervenção militar de apoio aos rebeldes, está sendo barrada por China e Rússia, disse Hillary. "Principalmente pela Rússia", frisou.
Enquanto isso, a Liga Árabe faz gestões junto a Pequim para ceder da posição cautelosa e retirar o veto a ações mais duras contra a Síria no Conselho de Segurança.
Em 21 de abril, a ONU aprovou o envio de 300 observadores desarmados por 90 dias para monitorar o cessar-fogo firmado no plano intermediado pelo enviado especial para a Síria, Kofi Annan.
Mas os monitores não inibiram a violência. A ONU reportou seguidas violações do cessar-fogo pelo regime, que manteve a repressão ao levante iniciado há 15 meses, incluindo o bombardeio de áreas residenciais.
Baseada em relatos de seus observadores na Síria, a ONU apontou sinais de execuções sumárias nas vítimas de Houla e indicou que provavelmente foram cometida por milícias pró-regime.
O governo sírio anunciou que sua investigação preliminar mostra que suas forças não estavam envolvidas no massacre.
Segundo o general Kassem Suleiman, "entre 600 e 800 membros de grupos terroristas armados", entraram no vilarejo e mataram famílias "que se recusaram a se opor ao governo".
Opinião
Um plano de paz só no papel
Haitham Maleh, advogado defensor dos direitos humanos, ex-juiz e um dos líderes da oposição síria.
O povo sírio tem sido assassinado quase desde que Hafez Assad tomou o poder em meados de 1970. Agora que o derramamento de sangue tem crescido sob o poder de seu filho, Bashar, a história se repete, e ninguém parece se importar com isso.
Em março, a comunidade internacional pôs sua fé no plano de paz que Kofi Annan, o ex-secretário-geral das Nações Unidas, assinou com Assad. Porém, essa perseguição brutal ao povo sírio que matou milhares e deslocou centenas de milhares continua. Atrocidades sangrentas acontecem assim que os inspetores da ONU viram as costas. Civis são alvejados por ousarem fazer denúncias aos inspetores, ou são mortos indiscriminadamente por protestarem. No final de semana, mais de 100 pessoas incluindo mais de 30 crianças foram massacradas na vila de Houla. Na terça-feira, mais 13 corpos foram encontrados amarrados e fuzilados no leste da Síria.
Estava claro desde o começo que não havia esperança para o plano de Annan. Ele exigia um cessar-fogo sob supervisão da ONU, mas um cessar-fogo é geralmente algo entre dois exércitos; neste caso, só há um único exército chacinando sua própria população desarmada. Em adição, a ONU autorizou pouquíssimos monitores 300 para cobrirem uma área de 185 mil quilômetros quadrados. Algumas áreas, como Homs, precisam de 10 mil monitores.
O plano de paz também exigia que Assad e seus seguidores "cumprissem as aspirações e preocupações legítimas do povo sírio", mas eles sabem que, se qualquer poder for concedido à oposição, isso significaria o fim do regime. Ditadores como Assad funcionam à base do poder absoluto as aspirações do povo não são compatíveis com a ditadura. O plano exigia que fosse concedida a jornalistas a liberdade de ir e vir pelo país inteiro. Mas a imprensa síria há 50 anos não é livre, e os jornalistas-cidadãos foram recentemente condenados à morte.
Com todos esses pontos, Annan acabou preparando o caminho para sua própria decepção. O fato de a comunidade internacional ter imaginado que o plano de paz funcionaria serviu para mostrar como sua realidade estava desconectada com a da Síria.
O Ocidente é muito bom em discursar; ele utilizou uma ampla gama de seu vocabulário para descrever a situação da Síria e o quanto ela é assombrosa. Entretanto, as ações falam mais alto que as palavras. Desde o mês de julho do ano passado que eu venho cobrando dos poderes ocidentais que expulsassem os embaixadores sírios. Infelizmente, foi preciso um massacre da escala de Houla para fazê-los concordarem comigo esta semana. Milhares de civis inocentes morreram enquanto isso. O Ocidente agora deverá reconhecer que o regime chegou a um ponto sem retorno, que essas resoluções não valem nada, e que o único futuro para a Síria será sem a dinastia política Assad.
Não estamos exigindo uma intervenção direta, mas uma zona de exclusão aérea semelhante às impostas no Iraque e na Líbia e apoio ao Exército Livre da Síria. A zona de exclusão aérea evitaria que o governo bombardeasse civis indiscriminadamente. Também ajudaria a oposição a construir uma plataforma política democrática, porque os seus líderes seriam capazes de viajar e dialogar com os civis sem medo de serem assassinados por forças do governo. E isso daria ao Exército Livre da Síria margem de manobra. O exército também precisa de armas, e o Ocidente deveria ajudar a fornecê-las mas elas devem ser distribuídas de maneira controlada e não apenas despejadas nas ruas da Síria.
A grande esperança da região é a de uma Síria livre e justa, representativa de todos os aspectos da vida síria, e que respeite as leis judiciárias e internacionais, os direitos humanos e a vida. E, no momento, os sírios precisam de toda a ajuda que puderem conseguir.
Tradução: Adriano Scandolara