A Filtermist, uma empresa com inúmeros negócios por toda a Europa, está lutando enlouquecidamente para resolver um problema repleto de incógnitas. Em menos de 60 dias, salvo se os políticos britânicos tiverem um surto repentino de coleguismo, o país cairá fora da União Europeia sem um acordo que esclareça o que virá depois.
Como os demais negócios britânicos, a Filtermist, que fabrica exaustores do vapor de óleo contido no interior de fábricas, é uma empresa que não pode simplesmente ficar parada e esperar que tudo dê certo. Na iminência cada vez mais palpável dessa turbulenta separação, os operários de uma fábrica da empresa na pequena cidade de Telford, no interior da Inglaterra, se apressam na montagem de 800 exaustores a ser armazenados no continente europeu.
A Filtermist vai enviar as unidades a uma fábrica no sul da Alemanha, bem no centro da União Europeia. Desse modo, aconteça o que acontecer – se a Grã-Bretanha e a Europa fizerem um acordo, ou se esse tormento desconcertante chamado Brexit provocar um caos nas fronteiras –, a empresa poderá contar com esse estoque para atender seus clientes na Europa depois de 29 de março, dia em que, supostamente, a Grã-Bretanha deixará o bloco europeu.
Essa é a natureza extenuante, porém inevitável, das relações de mercado, no momento em que o Brexit passa da teoria à realidade: as consequências podem ser totalmente inesperadas e potencialmente prejudiciais, e as empresas têm de se preparar. Temendo a catástrofe, estão estocando produtos, estudando novas rotas de remessa e criando planos alternativos, sem, no entanto, ter a menor ideia de como será o fim dessa aventura.
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"Estamos lutando contra o quê?", pergunta James Stansfield, diretor-executivo da Filtermist. Enquanto não tiver uma resposta, sua empresa de 50 anos enviará estoque extra para a Alemanha.
"Isso implica recursos extras e ainda mais horas extras. Toda empresa está armazenando. É muito chato. Decepcionante."
E isso ainda ameaça ser caríssimo. Segundo recente estimativa do Centre for European Reform, um instituto pró-União Europeia de pesquisa, a economia britânica está 2,3% menor do que estaria não fosse a votação que deu início ao Brexit em junho de 2016.
Insegurança
A principal causa dessa queda é a insegurança que tem desestimulado o comércio. Uma importante associação comercial informa que os investimentos na indústria automobilística britânica despencaram quase pela metade no ano passado, quando as empresas ainda esperavam para ver como Brexit evoluiria.
Essa insegurança está se intensificando em face de um impasse épico. O Parlamento votou contra um acordo de saída que havia sido negociado entre a primeira-ministra Theresa May e líderes europeus. Alguns parlamentares se opõem ao acordo porque a Grã-Bretanha se separaria do mercado comum europeu; outros se opõem porque a Grã-Bretanha ainda ficaria muito ligada à Europa.
May sobreviveu a uma votação crucial no fim de janeiro que poderia ter atrasado o Brexit; portanto, não é impossível que seu acordo ainda seja aprovado pelo Parlamento, especialmente se a principal alternativa for uma separação tumultuosa e sem acordo. A Grã-Bretanha ainda pode estender o prazo, convocar novo referendo sobre deixar a União Europeia ou até mesmo cancelar a coisa toda. Porém, salvo se uma maioria apoiar algum acordo negociado, a Grã-Bretanha sairá estrepitosamente da UE.
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Isso poderá afetar profundamente o mercado comum europeu, uma área de livre comércio que vai da Irlanda à Grécia. A fiscalização alfandegária será quase certamente reativada nos portos britânicos e europeus, com papelada, inspeções e outras burocracias que certamente retardarão a circulação de mercadorias.
Muitas empresas que operam atravessando o canal da Mancha vêm se preparando para um divórcio traumático, mas com esperanças de ter a surpresa agradável de uma separação tranquila.
Atualmente, o mercado europeu concede aos bancos multinacionais o direito legal de usar agências na Grã-Bretanha para atender clientes do continente. É provável que o Brexit acabe com esse arranjo. Em vista disso, bancos globais vêm transferindo milhares de empregos da Grã-Bretanha para centros bancários europeus.
A empresa farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk fornece mais da metade da insulina usada por diabéticos residentes na Grã-Bretanha. A empresa produz a maior parte de sua insulina nos arredores de Copenhague, transporta o produto em caminhões até Calais e de lá em barcos até o porto inglês de Dover.
Pinder Sahota, vice-presidente do laboratório para o Reino Unido, informa que, como o risco de um Brexit sem acordo está crescendo, a empresa aumentou seu estoque para 16 semanas de suprimento. A Novo Nordisk fez reservas de fretagem aérea para assegurar o fornecimento à Grã-Bretanha, mesmo que as linhas marítimas se desorganizem.
Segundo Sahota, esse é um dos maiores desafios logísticos que seu setor já enfrentou.
O chefe executivo da Airbus, fabricante europeia de aviões comerciais, reforça o receio de que um Brexit sem acordo poderá significar um grande golpe para a economia britânica, e alerta que isso talvez force a empresa a retirar da Grã-Bretanha a fabricação de asas.
"Não se enganem", alerta o diretor executivo, Tom Enders, num vídeo postado no YouTube. "Há muitos países por aí que adorariam construir asas para as aeronaves da Airbus."
John Nollett se cansou de se preocupar com fatores além de seu controle. Sua empresa, a Pressmark Pressings, produz autopeças numa fábrica em Atherstone, uns 160 km a noroeste de Londres. Ele e seus sócios adquiriram o negócio em junho de 2016, fechando a compra apenas duas semanas após o referendo do Brexit.
"Achávamos que não seria uma catástrofe, que o governo estaria preparado. Mas, para dizer a verdade, tem sido uma barafunda. Nada está esclarecido ainda."
Quase um terço dos 92 operários da fábrica são do Leste Europeu, incluindo Polônia, Romênia, Eslováquia e Letônia – todos membros da União Europeia. Enquanto a Grã-Bretanha fizer parte da Europa, eles têm o direito de permanecer e trabalhar na Grã-Bretanha.
Sem acordo
Mas o que acontece se não houver acordo? Limitar a imigração foi a principal aspiração dos que votaram a favor do Brexit. O próprio Nollet se queixa de que "alguns dos imigrantes que recebemos não se ajustam à cultura do Reino Unido". No entanto, incomoda-o o fato de que, se os trabalhadores do Leste Europeu forem retirados, seu custo com mão de obra pode aumentar em até 30%.
Outro problema seria com o aço que ele importa da Bélgica. A empresa faz peças para a fornecedora de uma fábrica da Nissan no nordeste da Inglaterra. Caso a fornecedora não entregue peças à Nissan a cada meia hora, pode ser multada.
A Pressmark aumentou em 50% suas reservas de aço para garantir o suficiente para 15 dias. As bobinas ficam em um canto da fábrica, numa área concretada e revestida de graxa.
A empresa pegou US$ 263.000 emprestados para financiar o aço adicional. Isso, combinado com uma queda nas vendas de automóveis na Grã-Bretanha, levou Nollett a adiar a compra de novas prensas.
"Por que investiríamos numa fábrica se vamos perder volume?", pergunta. "O Brexit deixa todo mundo inseguro."
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Para a Filtermist, o Brexit representa um transtorno para a expansão do negócio, que emprega cerca de 90 pessoas na Grã-Bretanha. As vendas aumentaram em quase um terço entre 2017 e 2018, já que fábricas no mundo todo agora procuram proteger seus funcionários contra os perigos do ar industrial. A Filtermist automatizou parte de sua produção e encontrou empregos para os operários substituídos por robôs.
Não faltam preocupações para Stansfield, o diretor-executivo; entre elas, a desaceleração econômica na China. O Brexit, porém, constitui um perigo particularmente grave: os fabricantes podem terminar trocando a Grã-Bretanha por outras áreas industriais na Europa, principalmente nos setores aeronáutico e automotivo. Essa foi a questão que o diretor da Airbus esclareceu. "Ele deu voz ao que muitos estavam pensando", observa Stansfield. "Vai afetar a todos."
A Filtermist pertence a um conglomerado sueco. Stansfield já se acostumou a receber ligações de incrédulos membros suecos da diretoria que supõem que ele, sendo inglês, consegue adivinhar os mistérios do Brexit.
"Ligam perguntando o que está acontecendo, o que vai acontecer, e temos de responder que não sabemos nada."
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