Showbiz
Popstars levam rios de dinheiro
Por mais que o discurso sempre tenha sido de uma relativa aversão a valores culturais do Ocidente, Muamar Kadafi e família já deram suas requebradas ao som de música pop moderna, preferencialmente norte-americana. No setor de entretenimento frise-se, particular o ditador líbio também gastou boa parte de sua fortuna: só de cachê desembolsou, em média, US$ 1 milhão (o equivalente a R$ 1,6 milhão) por artista nos últimos anos.
As festas eram sempre no estilo privé e em locais geralmente paradisíacos: Caribe, um dos destinos favoritos. Por lá se apresentaram, apenas para a família Kadafi e os mais chegados, artistas como Beyoncé, Mariah Carey e Usher. Os shows são curtos, uns não têm mais de quatro músicas de duração.
Alguns artistas juram ter tido crise de consciência geralmente, depois que a mídia divulga a origem do dinheiro que receberam. As cantoras Beyoncé e Nelly Furtado, por exemplo, se prontificaram a doar o cachê a instituições de caridade assim que notícias sobre as apresentações vieram à tona. Se doaram mesmo, não se sabe.
Outros não viram tanto problema assim. O cantor Lionel Richie, por exemplo, apresentou-se ao ditador e convidados na festa do 20.° aniversário do bombardeio dos Estados Unidos à Líbia do qual Kadafi, principal alvo dos mísseis, escapou ileso. Nem mesmo o fato de ser norte-americano pesou para o astro.
Preferências
De pop romântico a gangsta rap, familiares de Kadafi não fazem economia para garantir uma noite animada.
Mariah Carrey (foto 2)
US$ 1 milhão por show de 4 músicas. Fez o show (no Caribe) e não se pronunciou sobre o assunto.
Nelly Furtado
US$ 1 milhão por show de 45 minutos de duração. Fez o show (num hotel na Itália), mas diz ter doado o dinheiro para caridade assim que soube quem era o contratante.
Usher
Cachê não divulgado. Fez o show (no Caribe) e não se pronunciou sobre o assunto.
Beyoncé (foto 3)
US$ 1 milhão por show de cinco músicas. Fez o show (no Caribe), mas diz ter doado o dinheiro para as vítimas do terremoto do Haiti assim que soube quem era o contratante.
50 Cent
Cachê não divulgado. Fez o show (em Veneza) e não se pronunciou sobre o assunto.
Lionel Ritchie
Cachê não divulgado. Fez o show no 20º aniversário do bombardeio dos EUA sobre a Líbia, do qual Kadafi escapou ileso, e não se pronunciou sobre o assunto.
Jennifer Lopez (foto 4)
US$ 2 milhões. Recusou a oferta.
Nos idos de 2003, Muamar Kadafi acumulava 34 anos como uma espécie de "dono" da Líbia. Foi o ano da conversão do líder do país norte-africano: de pária internacional, passou a ser tolerado e até parceiro de algumas potências ocidentais. Não demandou grande esforço a tais países aceitarem no grupo o "cachorro louco", como era chamado. Oito anos depois, US$ 70 bilhões da riqueza líbia que até então só Kadafi e a elite alimentada por ele usufruiam estavam aplicados em empresas e ações por todo o mundo. Agora, com a liderança do ditador em jogo, o dinheiro não deve fazer o caminho de volta para a Líbia.
O discurso da conversão do líder líbio incluiu admissão de crimes, pedidos de desculpas, renúncia a terrorismo e a planos nucleares. A prática significou abertura de mercado. Gás e petróleo, as maiores riquezas do país, passaram a ser também explorados por estrangeiros. A demanda de infra-estrutura cresceu, e então as multinacionais foram chamadas brasileiras, entre elas.
Beneficiados
Uma das principais contrapartidas foi a abertura do cofre do fundo soberano líbio ao mundo ocidental. Segundo o site WikiLeaks, quase metade de seus US$ 70 bilhões foi aplicada em bancos norte-americanos o que, entre outras coisas, já havia proporcionado ao ditador um tombo de US$ 300 milhões pela falência do Lehman Brothers, em 2008.
Europeus também se tornaram bons parceiros. Na Inglaterra, algumas centenas de milhões de dólares de Kadafi abasteceram instituições tradicionais às quais ele se associou, como a editora que publica o jornal Financial Times e a respeitada London School of Economics.
O ditador líbio também foi generoso com os italianos. Lá, comprou ações de bancos, de fábricas de armamentos e de automóveis e até papéis de times de futebol. Em empresas mundo afora, colocou US$ 1,5 bilhão (veja info).
Lucro total
"Não me parece que essas empresas possam ser prejudicadas pela guerra na Líbia", avalia Cíntia Rubim, professora de Economia do Unicuritiba. "Toda a pressão internacional, dos países que colocaram sanções contra a Líbia, é pela saída de Kadafi. Se o fim do regime fosse afetar tão negativamente essas empresas, não estariam tentando derrubá-lo."
Temporariamente, o dinheiro do fundo soberano líbio investido no exterior está congelado. Segundo a professora, mesmo que Kadafi se mantenha no poder, é muito difícil que o recupere. "Não existe nenhum precedente nesse sentido, de alguém que teve os bens bloqueados internacionalmente e depois conseguiu reverter juridicamente a situação."
Na avaliação dela, o pano de fundo dessa história, porém, é mais amplo: a falta de regulamentação do sistema financeiro internacional. "Este modelo permitiu que dinheiro sujo e corrupto fosse parar em empresas renomadas. Elas vão ser punidas? Não se sabe. Ninguém sabe o que vai acontecer."
Ação do TPI reacende dúvidas sobre eficácia
A investigação sobre o ditador Muamar Kadafi no Tribunal Penal Internacional (TPI) trouxe de volta a discussão sobre a eficácia do órgão. A principal crítica é quanto ao fato de os EUA não aceitarem se submeter às regras de uma esfera que, ao mesmo tempo, está vinculada ao Conselho de Segurança da ONU, onde a influência norte-americana é decisiva.
Para José Carlos Portella Junior, professor de Direito Internacional do Unicuritiba, tais reclamações são "viáveis"."Os EUA argumentam ter controle total de seus agentes públicos, mas não é isso que vemos muitas vezes", pondera. "Há crimes de guerra no Iraque, no Afeganistão, e no final a gente vê impunidade." No entanto, destaca, "não é por causa disso que a gente tem de dizer que o TPI não funciona".
Um exemplo é o caso do Sudão. Não fosse pela intervenção do Conselho de Segurança da ONU, encaminhando os casos de massacre no país africano ao TPI, "a situação ficaria impune".
Na opinião de Portella Junior, o principal problema do TPI reside no fato de estar inserido num sistema internacional defasado, constituído numa ordem mundial "que não tem mais razão de ser", criada no pós-Segunda Guerra Mundial.
Na avaliação do professor de Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Alexandre Carta Winter, uma certa ambiguidade existe na cobrança aos norte-americanos. "Não queremos que eles se intrometam nos nossos assuntos, mas queremos que se intrometam em diversas outras situações mundiais que é preciso resolver", afirma.
Carta Winter ressalta que os EUA justificam a ausência no TPI com o argumento de que têm condições de vigiar a si próprios: "Não estou defendendo os americanos, mas posso compreender esse processo: eles têm uma opinião pública muito mais rígida do que nós".
Segundo o professor da PUCPR, a ausência do país não tira eficácia do Tribunal. "Dentro dos parâmetros estabelecidos, funciona muito bem."
Casos
Cinco processos estão em andamento no TPI desde 2002, todos ligados a países africanos: Sudão, Congo, República Centro-Africana, Uganda e Quênia.
Ainda sob análise, além da ação contra o líbio Muamar Kadafi, o tribunal avalia a abertura de processos sobre o confronto entre guerrilha e paramilitares colombianos; sobre os talebans afegãos; os conflitos entre Rússia e Georgia e entre Israel e Palestina; e crimes contra a humanidade em Marrocos e Guiné. "Desses todos, é provável que só os dois últimos se concretizem em ações", avalia o professor do Unicuritiba. "São os únicos dois países que não contam com o respaldo de ninguém."
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