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Soldados sul-coreanos patrulham a ilha de Yeonpyeong, controlada pela Coreia do Sul, na “linha do limite norte” no mar com a Coreia do Norte, 16 de junho de 2020
Soldados sul-coreanos patrulham a ilha de Yeonpyeong, controlada pela Coreia do Sul, na “linha do limite norte” no mar com a Coreia do Norte, 16 de junho de 2020| Foto: YONHAP / AFP

Na terça-feira, a Coreia do Norte demoliu o escritório de relações com a Coreia do Sul, que servia como uma embaixada e canal de comunicação entre os dois lados. A reação explosiva foi um claro sinal de que Pyongyang não quer mais conversas com Seul; mas as hostilidades, além de serem uma resposta a uma campanha de propaganda anti-Kim, parecem ser parte de uma estratégia mais ampla de pressão pela retomada de negociações - e seguem um padrão comum de fabricação de crises por Pyongyang.

As tensões aumentaram depois que norte-coreanos asilados no Sul enviaram ao Norte, por balões, panfletos com mensagens contra a ditadura de Kim Jong-un. A ação não foi promovida por autoridades sul-coreanas, que condenaram a estratégia, o que indicaria que as provocações do Norte têm motivos mais amplos. Segundo analistas, Pyongyang quer aumentar a pressão para ganhar concessões da Coreia do Sul e Estados Unidos, em meio a uma difícil situação econômica.

A crise do país, que enfrenta pesadas sanções econômicas, foi agravada pela pandemia de Covid-19, que resultou em queda de comércio por causa do fechamento das fronteiras. A situação impede que a China, o seu único aliado, continue oferecendo apoio à Coreia do Norte.

A Coreia do Norte ameaçou enviar militares para as áreas de cooperação intercoreana situadas em seu território, uma medida que na prática rasgaria um histórico acordo assinado dois anos atrás pelos líderes dos dois lados com o objetivo de reduzir as tensões na Península Coreana.

Até esta quinta-feira (18), a Coreia do Sul não havia detectado atividades suspeitas na Coreia do Norte. Um porta-voz dos Chefes do Estado Maior-Conjunto de Seul afirmou à imprensa que ainda não há sinais de que o Norte começou a cumprir as suas ameaças.

O desertor norte-coreano Park Jung-oh carrega garrafas plásticas contendo arroz e máscaras em seu veículo ao preparar plano de enviar garrafas para a Coreia do Norte, em Seul, 18 de junho de 2020
O desertor norte-coreano Park Jung-oh carrega garrafas plásticas contendo arroz e máscaras em seu veículo ao preparar plano de enviar garrafas para a Coreia do Norte, em Seul, 18 de junho de 2020| Jung Yeon-je / AFP

Asilados norte-coreanos no Sul não parecem ter sido desencorajados pela dramática resposta norte-coreana à sua campanha. Nesta semana, um grupo prepara um novo plano para enviar garrafas contendo alimentos e máscaras de proteção para o Norte por um rio na fronteira.

Volta às negociações

Segundo uma análise de risco do site especializado NK Pro, apesar da Coreia do Norte ter retratado a campanha dos panfletos como a provocação que desencadeou a crise, as raízes do atrito remontam à cúpula fracassada entre EUA e Coreia do Norte no ano passado no Vietnã. "A questão dos panfletos dos desertores foi provavelmente usada como desculpa para dar início a uma estratégia norte-coreana de múltiplas vertentes que provavelmente estava sendo planejada há algum tempo".

Ainda segundo o NK Pro, parece contra-intuitivo a Coreia do Norte atacar o presidente sul-coreano Moon Jae-in, devido ao apoio dele ao processo diplomático e aos investimentos que ele deseja fazer caso Seul receba isenções das sanções. "Mas, dada a atual incapacidade da Coreia do Sul em fornecer grande apoio financeiro a Kim, uma possibilidade é que Kim acredite que pode obter mais de Moon se Pyongyang criar um senso de crise e depois retomar as negociações no momento de sua escolha".

Alexandre Uehara, coordenador do Grupo de Estudos sobre Ásia do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, concorda que a Coreia do Norte pretende criar uma situação que leve os países a retomar as negociações.

"A Coreia do Norte precisa de ajuda e essa situação que foi criada acaba chamando a atenção da comunidade internacional nesse momento em que o país ficou esquecido, quando houve diminuição dos testes [de armas] e com a pandemia de coronavírus", disse Uehara à Gazeta do Povo.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, tiveram reuniões para tentar chegar a um acordo para a resolução do conflito coreano. O último encontro entre eles, em fevereiro de 2019 no Vietnã, foi visto como um fracasso quando os dois lados abandonaram a cúpula, impedindo a evolução de negociações para a desnuclearização e o alívio das sanções econômicas.

Ainda é cedo para saber se a estratégia norte-coreana de criar tensões para forçar um retorno às negociações conduzidas por Trump será bem-sucedida. A relação entre Trump e Kim é incerta, na avaliação de Uehara. "Com outros presidentes, havia resistência em negociar - mas uma vez assumido o compromisso, isso parecia algo mais confiável", disse o pesquisador. "Com Trump, há uma incerteza muito grande, porque as idas e vindas com Kim, as declarações de ambos os lados, foram momentos de aproximação e afastamento muito radicais".

"Acho difícil que essa estratégia de criar tensões necessariamente gere resultados positivos na Coreia do Norte; pode ser o inverso", disse Uehara. Para ele, Trump precisa de sinais positivos para a próxima eleição presidencial americana, e pode decidir por não se aproximar da Coreia da Norte, mas sim optar por uma resposta mais dura em relação ao país asiático.

As atuais provocações da Coreia do Norte na fronteira com o Sul parecem ser calculadas para não ultrapassar a "linha" do governo americano, com testes nucleares ou de mísseis de longa distância, por exemplo, que suscitariam uma resposta mais dura dos EUA; e seguem a sua cartilha de fabricar uma crise para ganhar concessões.

Outro possível objetivo da estratégia norte-coreana que está sendo apontado por analistas na imprensa internacional é o de causar uma divisão entre Seul e Washington em relação às sanções.

"Balde de água fria" na reaproximação

As recentes ações da Coreia do Norte "indicam uma lógica para um plano maior", disse Jenny Town, editora do site 38 North, dedicado à análises sobre o país. Para ela, até o momento, esse plano foi "amplamente orientado para a Coreia do Sul e para desfazer o desenvolvimento positivo dos acordos intercoreanos".

Imagem mostra a explosão do escritório de relações intercoreanas no Complexo Industrial Kaesong da Coreia do Norte, em 16 de junho de 2020
Imagem mostra a explosão do escritório de relações intercoreanas no Complexo Industrial Kaesong da Coreia do Norte, em 16 de junho de 2020| Reprodução / Imprensa estatal da Coreia do Norte / via NK News

O escritório que foi demolido, a região industrial de Kaesong, onde o prédio estava localizado, e área turística de Kumgang, eram considerados símbolos da reconciliação entre as Coreias pelo presidente sul-coreano, Moon Jae-in. Pyongyang ameaçou reenviar tropas a essas áreas, além de reinstalar postos de vigilância e retomar exercícios militares na Zona Desmilitarizada na fronteira.

Moon tem sido um defensor da aproximação entre as duas metades da Península Coreana. O escritório de relações intercoreanas que foi demolido foi construído em sua gestão, após a assinatura do acordo em 2018.

"Creio que a destruição desse prédio foi um balde de água fria sobre os planos de reaproximação de Moon", avaliou Uehara. "Ficou difícil para Moon - o principal articulador e que tinha vontade política de fazer a aproximação - manter esse discurso internamente, diante desta situação", completou.

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