Pessoas usam máscara em terminal de ônibus de Medellín, na Colômbia.| Foto: AFP
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O coronavírus chegou à América Latina em 26 de fevereiro, quando o Brasil confirmou o primeiro caso em São Paulo. Na sexta-feira (27), a região superou a marca de 10 mil casos da doença. Governos adotaram medidas para combater a disseminação do vírus, que pode ter efeito devastador sobre suas economias e sistemas de saúde já debilitados.

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Os colombianos dizem que a saúde é uma questão ainda mais preocupante no país do que os grupos terroristas e guerrilheiros. O cenário não é uma particularidade apenas da Colômbia: todos os sistemas de saúde da América Latina aspiram à cobertura universal, mas na prática apenas a cobertura parcial é oferecida, conforme destaca um relatório da London School of Economics. Além disso, somente Costa Rica e Uruguai atendem à recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que países com renda média e alta gastem 6% do PIB em saúde. México e Peru mal chegam à metade desse percentual.

Além dos riscos ligados à saúde, a região deverá sofrer impacto econômico: a China é um dos maiores parceiros comerciais de vários países da América Latina. Em 2 de março, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziu as expectativas de crescimento do PIB global para o ano de 2,9% para 2,4%. Antes da epidemia, o FMI previa um crescimento de 1,6% do PIB para a região em 2020. Ao mesmo tempo, a queda dos preços do petróleo resultou na queda dos mercados e moedas da América Latina.

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Mesmo quando a economia global estava forte nos últimos anos, a América Latina mal cresceu, registrando uma expansão de apenas 0,1% em 2019 (0,8% excluindo a Venezuela), de acordo com estimativa do Fundo Monetário Internacional. A redução da estimativa do FMI foi antes que a gravidade do vírus se tornasse clara.

Medidas tomadas

Com 600 milhões de habitantes, a América Latina se fecha em barricadas. Todas as potências, com exceção do México, fecharam suas fronteiras terrestres e aéreas. O trânsito entre os países é quase impossível, inclusive entre os membros do Mercosul que têm acordo de livre circulação.

Juntamente com medidas estritas de movimentação, voos estão sendo cancelados e escolas e lojas estão sendo fechadas. Mais de 95% dos estudantes da América Latina e do Caribe (cerca de 154 milhões) estão sem aula em meio à crise do coronavírus, segundo dados do Fundo das Nações Unidas Para a Infância (Unicef). Segundo Bernt Aasen, diretor da Unicef para a América Latina e o Caribe, esta é uma crise educativa sem precedentes na história da região. É possível que os estudantes mais vulneráveis não voltem a comparecer às aulas e todos os alunos fiquem para trás na curva de aprendizagem, ressalta Aasen.

Alguns especialistas, no entanto, são otimistas sobre o resultado da pandemia na região. O clima mais quente durante o verão do Hemisfério Sul é apontado como uma possibilidade de impedir a propagação, bem como particularidades demográficas da região. A América Latina tem uma população jovem que pode combater melhor o vírus - a idade média na Colômbia, por exemplo, é de 27,4 anos. Vale comparação com a Itália, o país europeu mais atingido pelo surto de coronavírus, cuja idade média é de 44 anos.

A contaminação cruzada também é menos preocupante, de acordo com o professor Manuel Elkin Patarroyo, especialista em imunologia da Colômbia. “Na América Latina, apesar de existirem grandes cidades como Cidade do México e São Paulo, a concentração de pessoas é menor do que na Europa, portanto a possibilidade de transmissão é menor”, diz ele.

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De qualquer forma, a resposta para a crise do coronavírus na América Latina está em preparação. Também há a adoção de medidas que já funcionaram em outros países. “Precisamos estar preparados para o pior cenário possível”, diz o Dr. Jarbas Barbosa, diretor assistente da Organização Pan-Americana da Saúde (Paho).

“Não podemos tirar nenhum tipo de benefício do clima ou do perfil demográfico que temos. Precisamos analisar o que está acontecendo nos países, avaliar os pontos fracos, avaliar o que funciona e tentar implementá-los”, conclui Barbosa.

Argentina

A Argentina fechou todas as suas fronteiras: nenhum estrangeiro poderá entrar no país, seja por ar ou por terra, com exceção apenas aos cidadãos argentinos ou estrangeiros residentes que queiram retornar ao país.

“Fazemos isso porque o coronavírus não vem só da Europa e está começando a afetar os países limítrofes e a nós mesmos. Devemos fazer com que demore o máximo possível para se transformar em um vírus nativo, para ganhar tempo e administrar a questão sanitária e da saúde”, disse o presidente Alberto Fernández em entrevista coletiva.

Confira: Na quarentena, argentinos vivem sob rigorosa disciplina imposta pelo governo

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A quarentena total já é obrigatória no país, em uma medida anunciada por Fernández como Isolamento Social Preventivo Obrigatório. A decisão foi uma das primeiras do mundo, implementada a partir de 20 de março - na ocasião, duas pessoas haviam morrido por coronavírus no país e pouco mais de cem estavam infectadas, de acordo com registros oficiais.

Peru

O Peru declarou emergência nacional, fechou suas fronteiras e disse à população que se colocasse em quarentena por 14 dias. O país adotou medidas de restrição na circulação de pessoas: podem circular livremente apena cidadãos ligados a atendimentos e acesso a bens essenciais. O transporte internacional aéreo, marítimo e terrestre de passageiros está suspenso, mas mantém-se o de mercadorias e cargas.

O governo também decretou, no dia 17 de março, um toque de recolher noturno.

O primeiro caso positivo no país foi notificado em 6 de março. Nove dias depois foram relatados 71, sendo 58 em Lima, um dos maiores contágios da América do Sul.

Chile

O Chile anunciou que fecharia suas fronteiras depois que os casos de Covid-19 chegaram a 155 no país. As aulas de todos os estabelecimentos educacionais foram suspensas, e as universidades adotaram regime remoto.

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O governo também anunciou restrições a cruzeiros: até 30 de setembro, está proibido fazer escala em todos os portos chilenos. O povoado de Caleta Tortel, no Sul do país, foi posto em quarentena depois que um passageiro infectado e toda a tripulação desembarcaram na localidade e interagiram com a população, incluindo crianças e jovens.

Foram anunciadas ainda restrições para asilos de idosos e benefícios carcerários para este grupo. Um projeto de lei visa substituir a pena de privação de liberdade por prisão domiciliar total para todos os maiores de 75 anos e para aqueles que têm entre 65 e 74 anos e possuem menos de um ano restante de pena.

Guatemala

A Guatemala proibiu voos de toda a América do Norte. Também está proibida a entrada de visitantes do Irã, China, Coreia do Sul e Coreia do Norte, bem como todos os cidadãos europeus.

“Não vamos permitir que nenhum cidadão europeu entre”, afirmou o ministro da Saúde, Hugo Monroy. Já os passageiros provenientes de México, Honduras, Panamá e Costa Rica, países próximos onde há casos confirmados, serão colocados em quarentena automaticamente.

Colômbia

A Colômbia fechou sua fronteira com a Venezuela depois de relatar o primeiro caso da doença. Ainda, inicialmente, qualquer pessoa que chegasse de qualquer país da América do Sul que não fosse cidadão ou residente legal da Colômbia ou tivesse estado na Europa ou Ásia nas últimas duas semanas estaria impedida de entrar no país. Em seguida, o governo nacional decidiu ampliar essa medida a qualquer estrangeiro proveniente de qualquer país do mundo.

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“É muito complexo identificar neste momento qual país está livre da cadeia de contágio e qual não está”, disse a ministra do Transporte, Ángela María Orozco, em entrevista coletiva.

Além disso, todos os passageiros colombianos e residentes estrangeiros no país devem se submeter a isolamento preventivo obrigatório durante 14 dias.

Bolívia

A Bolívia decretou emergência sanitária e toque de recolher de 12 horas por dia até 31 de março, para enfrentar a pandemia do novo coronavírus. Segundo o ministro da Presidência interina, Yerko Núñez, todos os habitantes deverão permanecer em suas residências a partir das 17h até às cinco da manhã do dia seguinte.

No distrito de Santa Cruz, o governo estima que, dos mais de 3 milhões de habitantes, cerca de 15 mil serão infectados com o coronavírus e cerca de 700 precisarão entrar em uma unidade de terapia intensiva, resultando na necessidade de respiradores pulmonares. Atualmente, existem 180 ventiladores pulmonares distribuídos nos sistemas de saúde público, privado e previdenciário da Bolívia. A estes foram adicionados 21 novos que se destinam apenas a pacientes com coronavírus.

“A terapia intensiva vai precisar de 5% desses 15 mil, ou seja, cerca de 700, mas não todos ao mesmo tempo, vamos colocar 20, 30, eles vão entrar e sair. Obviamente alguns vão morrer”, disse o secretário de Saúde Óscar Urenda.

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Wilfredo Anzoátegui, presidente da Faculdade de Medicina de Santa Cruz, afirmou que o distrito precisará de 9 mil respiradores para cobrir a demanda da epidemia. “O que foi anunciado é totalmente insuficiente”, cravou.

México

O primeiro caso do México foi registrado na terceira semana de janeiro, depois que um homem que voltou de Wuhan, na China, ficou doente. Na época, apenas 17 pessoas haviam morrido em todo o mundo devido a problemas respiratórios causados ​​pela infecção.

Mesmo em meio à crise, a rotina não parece ter mudado muito no país. Um festival de música de dois dias foi realizado na Cidade do México durante um fim de semana e reuniu mais de 70 mil pessoas.

O presidente Andrés Manuel López Obrador participou de uma conferência recente e cumprimentou participantes com os tradicionais beijos na bochecha. Ele afirmou que as pessoas do país “precisam se abraçar” porque “não vai acontecer nada”.

“Imagine se eu viesse aqui usando uma máscara. Se o presidente estiver assim, como estarão as pessoas? Tenho que manter o ânimo”, disse López Obrador em entrevista coletiva recente.

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O México não adotou medidas mais drásticas, como quarentena ou fechamento das fronteiras. Porém, na sexta-feira à noite, o presidente pareceu ter mudado de ideia. Recomendou que os mexicanos fiquem em casa. "Agora, o que queremos é que todos estejam em casa, com suas famílias, também nos ajudem a manter uma distância saudável e que haja higiene", disse López Obrador em mensagem transmitida em suas redes sociais.

O México tem, até este sábado (28), 717 casos da Covid-19 e ao menos 12 pessoas morreram devido à doença.

Venezuela

A Venezuela desperta preocupações por ser a menos preparada para o surto, já que a economia do país está em ruínas e a nação enfrenta instabilidade política. Devido à crise venezuelana, muitos médicos e enfermeiros deixaram o país nos últimos três anos.

“Falta equipamento para diagnosticar amostras de pacientes. Falta capacidade de terapia intensiva, antibióticos. Recursos de pessoal são limitados e não há nenhuma proteção antivírus para os profissionais de saúde que ainda temos, coisas tão básicas quanto luvas de látex”, aponta o médico venezuelano José Félix Oletta, professor de medicina da Universidade Central da Venezuela (UCV) em Caracas. Ele é ex-ministro da Saúde da Venezuela.

“A infraestrutura simplesmente não existe para termos uma resposta institucional a essa epidemia. E não ajuda quando o presidente anuncia que o coronavírus é algum tipo de conspiração internacional”, acrescenta.

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O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou que todo o país, que já sofre anos de turbulência econômica e política, ficará em quarentena a partir de terça-feira (24), depois que o número de casos subiu de 16 para 33 em um dia.

Leia também: "Foi tarde ao hospital", diz Maduro sobre primeira morte por Covid-19 na Venezuela

“Estamos enfrentando uma pandemia grave”, disse Maduro. “Se não pararmos a tempo, cortamos e controlamos, isso pode nos derrubar.”

“Os países precisam adotar as medidas relacionadas ao estágio atual de transmissão”, diz o Dr. Jarbas Barbosa, do Paho. "Se eles começarem cedo demais, essas medidas durarão muito tempo e terão um impacto social e econômico", como a escassez de suprimentos médicos. No sistema de saúde da Venezuela, que sofre com a escassez de profissionais de saúde, o risco é ainda maior.

"Ninguém é capaz de conter completamente o vírus, mas, na melhor das hipóteses, você pode impedir que ele se espalhe rapidamente e permitir que os sistemas de saúde respondam melhor", diz o Dr. Jaime Torres, chefe de infectologia do Instituto de Medicina Tropical da Central Universidade de Caracas.

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“A resposta depende da força do sistema de saúde de um país e, como tal, um sistema de saúde enfraquecido, com falta de recursos humanos, materiais e infraestrutura, terá muito mais dificuldade de lidar”, explica Torres.