Ouça este conteúdo
Com 621 casos confirmados no Brasil e mais de 244 mil no mundo, a pandemia de coronavírus (Covid-19) levou os países a buscarem soluções para conter a disseminação da doença, como quarentena domiciliar, recomendações de distanciamento social, suspensão de aulas, cancelamento de eventos e fechamento das fronteiras.
Um estudo da Equipe de Resposta para a Covid-19, da Imperial College London, avaliou o impacto dessas medidas sobre a contenção da epidemia. O estudo analisou o papel potencial de várias medidas de saúde pública — as chamadas intervenções não farmacêuticas (NPIs) — destinadas a reduzir as taxas de contato na população e, assim, reduzir a transmissão do vírus.
Segundo a pesquisa, a abordagem mais eficaz é combinar diversas medidas de intervenção, pois a eficácia de qualquer intervenção isolada tem impacto limitado em frear a transmissão da doença. Para isso, os pesquisadores destacam duas estratégias: mitigação, que consiste em retardar a disseminação da epidemia e diminuir o impacto sobre a saúde pública, e supressão, que visa reverter o crescimento da epidemia, reduzindo o número de casos a níveis baixos.
“O grande desafio é que esse tipo de pacote de intervenção intensiva precisará ser mantido até que a vacina se torne disponível [potencialmente 18 meses ou mais]”, destaca Neil Ferguson, um dos autores da pesquisa. A previsão é de que a transmissão deverá se recuperar rapidamente se as intervenções forem relaxadas.
Esse tipo de abordagem foi adotada na pandemia de H1N1 em 2009, quando o fornecimento antecipado de vacina foi direcionado a indivíduos com condições médicas preexistentes que os colocavam em risco de doenças mais graves. O estudo aponta que nesse cenário a imunidade da população aumenta com a epidemia, levando a um eventual declínio rápido no número de casos e na transmissão caindo para níveis baixos.
A pesquisa indica que políticas de mitigação podem reduzir o pico da demanda de assistência médica em cerca de 66% e mortes em 50%. Essas políticas combinam isolamento domiciliar de casos suspeitos, quarentena domiciliar de pessoas que moram na mesma casa que pacientes suspeitos de estarem infectados e distanciamento social de idosos e outras pessoas com maior risco de doença grave.
Apesar disso, a mitigação ainda resultaria em centenas de milhares de mortes e sistemas de saúde sobrecarregados, indica a pesquisa. O próximo passo seria combinar a mitigação a políticas de supressão, que visam reduzir o número de casos e eliminar a transmissão entre humanos.
“O principal desafio dessa abordagem é que as intervenções não farmacêuticas precisam ser mantidas — pelo menos de forma intermitente — enquanto o vírus estiver circulando entre a população ou até que uma vacina esteja disponível”, ressalta Ferguson. “Além disso, não há garantia de que as vacinas iniciais tenham alta eficácia. Podemos estar vivendo em um mundo muito diferente durante um ano ou mais", acrescenta.
No Reino Unido e nos Estados Unidos, de acordo com a pesquisa, a supressão exigiria uma combinação de distanciamento social de toda a população, isolamento domiciliar de casos confirmados e quarentena dos familiares dos pacientes. Medidas complementares incluem o fechamento de escolas e universidades.
Os dois países estão utilizando a pesquisa como orientação para formular novas políticas de combate ao coronavírus. Na Inglaterra, o primeiro-ministro Boris Johnson endossou as medidas propostas pelos pesquisadores e anunciou em entrevista coletiva que todos os cidadãos devem evitar “todo contato não essencial com outras pessoas”.
Na hipótese desses países não adotarem medidas de controle ou mudanças no comportamento individual das pessoas, o estudo estima que 81% das populações seriam infectadas ao longo da epidemia, com pico na mortalidade após aproximadamente três meses, contabilizando cerca de 510 mil mortes no Reino Unido e 2,2 milhões nos EUA, sem levar em consideração os possíveis efeitos negativos dos sistemas de saúde sobre a mortalidade.
Ferguson destaca que as experiências na China e na Coreia do Sul mostram que a supressão é possível a curto prazo. A Coreia do Sul é um dos países mais bem sucedidos em testar a população para o Covid-19. Segundo o Centros de Controle e Prevenção de Doenças do país (KCDC, na sigla em inglês). Os testes em massa na Coreia do Sul permitiram à nação controlar melhor a epidemia do que outros países. E isso se reflete no baixo índice de mortalidade do coronavírus entre os coreanos: 0,7%, enquanto o índice global é de 3,4%.
Na China continental, muitas províncias e cidades se fecharam para viajantes. Quem pousar em Pequim terá que ficar em observação por 14 dias em um centro de isolamento — e terá que arcar com os custos. Em Hong Kong, os visitantes precisarão ficar em auto-isolamento por 14 dias e usarão uma pulseira de monitoramento para que as autoridades da cidade possam rastrear os movimentos das pessoas durante o período de isolamento.
A China continental não reportou nenhum novo caso doméstico de coronavírus nesta quinta-feira (19), a primeira vez que isso acontece desde que a epidemia começou no país. Agora, Pequim e Hong Kong reforçaram as restrições de isolamento para quem vem de fora.
“Resta saber se é possível a longo prazo e se os custos sociais e econômicos das intervenções adotadas até agora podem ser reduzidos”, afirma Ferguson. “O distanciamento social pode permitir melhoria temporária em janelas de tempo relativamente curto, mas as medidas precisarão ser reintroduzidas quando os números de casos se recuperarem”, explica.
As previsões dos pesquisadores são baseadas nas atuais tendências observadas na China, Coreia do Sul, Grã-Bretanha e Itália, mas destacam que ainda há muito que não se conhece sobre o vírus.
“É importante ressaltar que o SARS-CoV-2 é um vírus novo e ainda há muito a ser entendido sobre sua transmissão. O impacto de muitas medidas depende de como as pessoas respondem à sua introdução, o que é altamente provável que varie entre países e até comunidades”, ressalta Ferguson.