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A floresta equatorial do Congo definitivamente tem pouco a ver com a Califórnia, mas ao que parece o país africano também tem seu Vale do Silício, um pólo de tecnologia tão rico quanto a meca americana dos computadores. A única diferença é que não se trata de tecnologia humana: as matas do chamado triângulo de Goualougo são um dos maiores pólos tecnológicos de chimpanzés.

A descoberta vem de um levantamento de sete anos feito por uma dupla de americanos, a bioantropóloga Crickette Sanz e o biólogo da conservação David Morgan. Os dois descobriram que os chimpanzés de Goualougo fabricam e usam instrumentos de 22 maneiras diferentes. A abundância de tecnologia é tão grande que os macacos congoleses assumiram a liderança entre os mais hábeis de sua espécie, empatando com seus primos de Gombe, na Tanzânia – um lugar que é estudado há quatro décadas.

Uma descrição completa do "Vale do Silício" primata deve aparecer numa edição futura da revista científica "Journal of Human Evolution". A variedade é impressionante: os bichos fabricam e usam instrumentos para os mais diversos usos, desde alimentação até proteção e limpeza do próprio corpo, ou mesmo como elemento extra em brincadeiras. Muitas das ferramentas precisam de até quatro passos de preparação antes de estarem prontas para o uso; outras são usadas de forma conjunta e reutilizadas durante meses.

"Com esse trabalho, esperamos trazer novos dados sobre a compreensão causal do uso de objetos que esses grandes macacos têm, bem como sobre os mecanismos sociais necessários para manter as tradições da fabricação de ferramentas", disse ao G1 Crickette Sanz, que trabalha no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha.

Os primatas de Goualougo são importantes por uma série de razões. Eles vivem numa região de mata bem preservada e, até o começo do trabalho dos americanos, aparentemente nunca tinham visto seres humanos por perto. Os bichos também são o primeiro grupo de sua subespécie (denominada Pan troglodytes troglodytes) a ter suas tradições culturais documentadas de forma exaustiva. Para perturbar os bichos o mínimo possível, os pesquisadores fizeram amplo uso de câmeras de vídeo com sensores infravermelhos. Posicionadas em cantos estratégicos da floresta, elas disparavam quando os animais passavam na frente delas, filmando-os discretamente.

Terríveis contra os insetos

De todos os resultados da pesquisa, o que mais chama a atenção é o conjunto de técnicas sofisticadas que os chimpanzés usam para atazanar cupins e abelhas. Em meio à dieta principalmente vegetariana dos primatas, os cupins e o mel são adições calóricas muito bem-vindas. Mas as duas iguarias são de difícil acesso. Por isso, os chimpanzés usam seqüências padronizadas de ferramentas para alcançar esses prêmios – é a primeira vez que se documenta esse tipo de técnica entre a espécie.

No caso dos cupinzeiros, os bichos usavam um bastão específico para abrir a entrada do ninho (fazendo movimentos circulares com as mãos ou usando os pés para fincá-lo no cupinzeiro) e uma "vara de pescar" especialmente preparada. Essa vara normalmente é um galho com a ponta desfiada, como se fosse uma escova: vários cupins mordem as cerdas e são rapidamente engolidos. (Essa técnica da "escova", ao que tudo indica, foi inventada pelos macacos de Goualougo.)

Já no caso das colméias há uma seqüência de três instrumentos: um galho grosso e forte usado como "pilão", que abre a entrada do ninho de abelhas; outro um pouco mais fino, que é usado como alavanca para abrir essa abertura; e finalmente um pauzinho delicado, com o qual o mel é extraído e levado à boca.

Apesar de todos os instrumentos serem feitos de matéria vegetal perecível, os bichos parecem saber muito bem que eles podem ser reutilizados. Os chimpanzés muitas vezes carregam suas "varas de pescar" preferidas de cupinzeiro em cupinzeiro. "E eles podem reutilizar as ferramentas de punção [as usadas para abrir o buraco] que deixam perto dos cupinzeiros por um período de vários meses", conta Sanz. Seletivos

"Os chimpanzés de Goualougo também são muito seletivos ao escolher a matéria-prima mais adequada para cada tarefa", acrescenta a antropóloga. A análise mostrou que os bichos não escolhem simplesmente os galhos mais próximos: para abrir buracos nos cupinzeiros, eles usam quase sempre uma única espécie de árvore – um grau de especialização com poucos precedentes entre a espécie. A preparação empregada também é cuidadosa: o galho é cortado no tamanho desejado com mãos e dentes, limpo de ramos laterais menores e, às vezes, tem sua ponta deliberadamente afiada, entre outras técnicas.

A alimentação, no entanto, não é o único estímulo tecnológico para os primatas do Congo. Para beber água, por exemplo, os bichos fabricam esponjas mascando de duas a cinco folhas. A massa resultante é mergulhada num riacho e espremida dentro da boca. As folhas também são usadas como "papel higiênico" (limpando fezes, urina, esperma e polpa de frutas). Galhos cheios de folhas também fazem às vezes de "capa de chuva" (os bichos cobrem as costas com eles durante temporais) e "esteiras" (colocados sobre troncos espinhosos, permitindo que os macacos sentem tranqüilos em cima deles).

Para os pesquisadores, esses dados indicam que a necessidade de ampliar as opções alimentares não explica, por si só, a origem do uso de ferramentas entre os grandes macacos. E sugere que os primeiros ancestrais diretos do homem (provavelmente muito parecidos com os chimpanzés modernos) podem ter tido uma tecnologia diversificada sem precisar fazer instrumentos de pedra. "O repertório amplo dos chimpanzés do triângulo de Goualougo mostra a complexidade e as aplicações que podem ser conseguidas com ferramentas perecíveis", conclui Sanz.

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