Ouça este conteúdo
Artiom Kamardine, de 31 anos, foi preso por declamar um poema criticando a mobilização militar decretada recentemente por Vladimir Putin. Sob o título de "Mate-me, miliciano", o homem russo critica as repúblicas separatistas pró-russas da Ucrânia e fala sobre as valas comuns encontradas no país vizinho. No país onde a liberdade de expressão não tem vez, esse ato rendeu a ele prisão, tortura e ameaça de morte.
Em menos de 24 horas, a polícia estava à porta da casa dele, para levar Kamardine e sua namorada à Comissão de Investigação. Dois dias depois, com marcas no rosto, ele reapareceu em um vídeo divulgado no Telegram, aparentemente sendo coagido a pedir "desculpas ao povo russo".
Antes disso, o poeta teria sido estuprado com um haltere. É o que afirma o site Novaïa Gazeta Europe. O advogado de Kamardine confirmou a versão. Ele o teria visto durante a noite sendo transportado para o hospital de ambulância.
A namorada de Kamardine, que também foi detida, informou a sites independentes que o ouviu gritando em uma cela ao lado, antes que os homens do Comitê de Investigação a obrigassem a assistir ao vídeo do estupro. Ela também informou que sofreu ameaças de estupro coletivo.
Um atestado médico mostra que ela sofreu uma concussão, hematomas e escoriações na cabeça. Entre outros maus tratos, a polícia também teria borrifado em seu rosto e em sua boca uma cola ultraforte.
A violência em prisões russas se tornou uma prática comum. Em outubro do ano passado, houve uma grande revelação, apoiada pela publicação de dezenas de horas de vídeos que provam a existência de um sistema de estupros organizado pela administração policial. Como também é de costume, o assunto foi silenciado e o Kremlin não permitiu o vazamento de mais informações sobre o assunto.
Grandes opositores na mira
No atual regime russo, quem ousa pensar diferente sofre consequências funestas. Nos últimos protestos contra a mobilização convocada por Putin, cerca de 2.500 russos foram presos. Estima-se que mais de 200 mil fugiram do país. Poucos dias depois, Putin anunciou que quem se recusar a lutar na guerra será condenado a dez anos de prisão.
Essa medida veio seis meses depois da assinatura de uma outra lei, que prevê prisão de 15 anos a quem "disseminar notícias falsas sobre o exército russo". O que é considerado verdadeiro ou falso, claro, é definido pelo Kremlin.
Em abril, por exemplo, a polícia anunciou a prisão de um dos principais opositores do Kremlin na Rússia, o jornalista Vladimir Kara-Mourza, por “insubordinação à polícia”, conforme disse à agência France Presse seu advogado Vadim Prokhorov. "É obviamente por sua posição política que as autoridades decidiram prendê-lo", disse. Kara-Mourza anunciou que foi envenenado duas vezes, em 2015 e 2017, em resposta a suas atividades políticas. O envenenamento e a morte suspeita de opositores é outra prática comum no país.
Na mesma semana, um tribunal condenou os editores do jornal estudantil DOXA, Alla Goutnikova, Vladimit Metelkine, Natalia Tychkevich e Armen Aramian, a dois anos de trabalho forçado. Eles foram condenados por “incitar menores a participar de atividades ilegais perigosas”.
De acordo com o jornal, as ações judiciais estão relacionadas a um vídeo explicando “por que são ilegais as expulsões de estudantes da universidade por terem participado de ações de apoio ao oponente preso Alexei Navalny”. Navalny, também um dos principais nomes de oposição a Putin, está preso no país.
Tortura a ucranianos presos
Se declamar um poema resultou em prisão, agressão e estupro a Kamardine e sua namorada, os castigos reservados aos ucranianos prisioneiros de guerra são ainda piores.
No último dia 22, Rússia e Ucrânia acordaram uma troca de mais de 200 prisioneiros. Kiev anunciou, de forma geral, as condições em que se encontravam os ucranianos após meses presos com os russos. "Muitos deles foram brutalmente torturados", disse Kyrylo Budanov, chefe do departamento de inteligência do Ministério da Defesa ucraniano, em entrevista coletiva, sem dar detalhes sobre a natureza dessas torturas.
Segundo ele, há também “pessoas cuja condição física é mais ou menos normal, apesar da desnutrição crônica devido às más condições de detenção”.
Os prisioneiros foram mantidos em vários estabelecimentos em territórios ucranianos ocupados por tropas russas, bem como na Rússia, conforme acrescentou Boudanov, que participou da organização desse intercâmbio. Segundo o ministro do Interior do país, Denys Monastyrsky, “absolutamente todos os ucranianos trocados precisam de reabilitação psicológica”.